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terça-feira, 22 de setembro de 2015

sábado, 22 de março de 2014

Por Tiago Oliveira Azevedo

Civitella in Val di Chiana
Em sua obra, Portelli começa expondo relatos de sobreviventes de um massacre em uma pequena cidadezinha da Itália em 29 de junho de 1944.Tudo indica que essa retaliação foi decorrente da morte de três soldados alemães por membros da Resistência (partisans), no pequeno vilarejo de Civitella Val diChiana, em 18 de junho de 1944.
Para a memória oficial da Resistência, a culpa do massacre é dos alemães, enquanto sobreviventes do massacre culpam a própria Resistência pelo triste episódio ocorrido naquela cidade. Esse acontecimento segundo Giovanni Contini gerou o que ele denota de “memória dividida”.
Testemunha do massacre, o padre Daniele Tiezzi, acha que essa mobilização da Resistência, o ataque que culminou na morte de três soldados alemães, foi um ato irresponsável e que pode ter contribuído (de forma direta ou indireta)para a retaliação nazista que culminou na matança. Em seu ângulo de vista, os membros da Resistência não eram muito organizados e nem politizados, assim para o padre, a ação dentro dos muros do povoado só teria piorado as coisas, pois toda população da pequena cidade foi envolvida no conflito sem que a Resistência pudesse defendê-la de uma iminente retaliação nazista. Mas Tiezzitambém enfatiza que quem puxou o gatilho foram os alemães e que os atos irresponsáveis dos membros da Resistência não poderiam isentar de culpa maior os militares nazistas envolvidos neste triste e histórico episódio.
Para Portelli essas duas memórias, da Resistência e da população de Civitella, entraram em choque pelo fato da população entender as celebrações da Resistência uma afronta às vítimas do massacre. Em 1994, em uma tentativa de reparar a memória da Resistência, foi criada a conferência internacional, In Memorian: por uma Memória Européia dos Crimes Nazistas, coordenada por acadêmicos com tendências esquerdistas. Segundo Portelli:

Essa reparação, porém, teve lugar num contexto histórico ambíguo, no qual a esquerda, incerta quanto a seus motivos e precavida quanto a qualquer tipo de ideologia, muito frequentemente adota, sem questionar, os motivos e as ideologias de terceiros, inclusive de seus antigos adversários. (p. 106.).
           
Portelli reforça que ao se tratar de memória dividida, a tarefa do historiador é ser crítico na análise dos fatos mantendo o respeito às pessoas envolvidas na situação. Em suas palavras ele explica: “Na verdade, estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas e internamente divididas, todas de uma forma ou de outra, ideologicamente e culturalmente mediadas.” (p. 106). Assim, a memória sofre alterações tanto pelos relatos dos membros da Resistência, quanto pelos depoimentos da população que de certa forma culpa os partisans pelo massacre. Ademais, a dramaticidade e emoção nos depoimentos prevaleceram sobre a análise e interpretação do ocorrido gerando assim contradições nos depoimentos.
Essas contradições são observadas por Clemente que explica que o modelo progressista de pensar da Resistência não levara em consideração fatores como o luto comunal da população, assim essa memória ignorava experiências que não seguem seus modelos institucionais. Para Portelli o pensamento religioso, sobretudo o pensamento católico, também não está isento de tal contradição. As narrativas das testemunhas estão apoiadas no sentimento comunal que de certa forma são mediados pela religiosidade e pela política. Contudo essas narrativas também merecem apuração crítica. 
Pierre Clemente chama a atenção para o fato no qual a memória coletiva acusa membros da Resistência de serem os causadores do massacre em Civitellaapoiados somente em questões políticas e do senso comum de pessoas que não se preocupavam em tomar partido contra o fascismo italiano. Ele também cita também que alguns órgãos oficiais do Vaticano já teriam culpado a Resistência, em uma outra ocasião, por um outro massacre nazista em que 335 civis também foram executados na cidade de Roma em retaliação a morte de 32 soldados alemães. Para ele é uma falha da historiografia da Resistência nunca ter levado em consideração tal senso comum, apoiado pelo fascismo,que manchou aimagemdos partisansna arena política atual.
Os depoimentos, tanto dos sobreviventes do massacre, quanto dos membros da Resistência, segundo o autor, também sofrem modificações com o decorrer do tempo. Nos relatos colhidos dos sobreviventes de Civitella, em um primeiro momento, esses não culpavam os membros da Resistência de forma aberta e direta. Contudo, meio século mais tarde, nota-se que esses relatos foram se modificando e observa-se também que o sentimento de culpa dos partisansno massacre foi tomando proporções cada vez maiores nesses relatos coletivos. Assim, fica explícito que o repúdio contra os alemães colhidos nos depoimentos das testemunhas em 1946, dão lugar, posteriormente, a narrativas carregadas de mágoas contra a Resistência nos depoimentos recolhidos dos sobreviventes em 1994 .
Segundo Portelli:
Vários são os fatores responsáveis por essas mudanças. As testemunhas talvez relutassem em criticar os membros da Resistência no período imediato no pós-guerra, quando estes gozavam de prestígios e de certo poder político; os abusos cometidos pelos membros da Resistência após a guerra, para “punir” pessoas respeitadas pela comunidade e que não haviam sido mais fascistas do que as demais, acentuaram a hostilidade do povo de Civitella; a onda de julgamento dos membros da Resistência, as controvérsias acerca da responsabilidade por Fossas Ardeatinas e a consolidação do senso comum já citado podem ter conferido ao ressentimento dos sobreviventes um aparato negativo e ideológico que à época do depoimento anterior ainda não tomara forma. (p. 110.).

Inocência

Os relatos dos sobreviventes de Civitellaquase sempre se convergem na antítese que figura a passagem da calmaria para caos. É notório nesses relatos que o ponto de partida para o caos foi justamente a morte dos soldados alemães e não o próprio massacre cometido por eles. Segundo os sobreviventes, até então todos viviam na calmaria do vilarejo que, mesmo próximo ao campo de batalha, proporcionava a população uma vida tranquila e sem infortúnios de guerra. Sobre os soldados alemães um sobrevivente relatou que: “[...] às vezes, chegavam a entrar nas casas para pedir uma bebida ou algo assim, mas nunca nos incomodavam”. (p. 112).Calamandrei e Cappelletto nesse mesmo parágrafo chamam essas representações de “paraíso perdido” e “era da inocência”.
Essas referências -- paraíso e inocência -- segundo Portelli são representações estranhas ao se tratar de um povoado sobre ocupação nazista e que é necessário relacioná-las com os fatos. Contudo, as memórias dos sobreviventes de Civitella são carregadas de recordações puras que são moldadas pela alegria da adolescência das testemunhas (muito jovens naqueles dias que antecederam o massacre) e muitas vezes essa pureza fixada na memóriadeles ainda é mantida no discurso oral,sem sofrer alterações quando narrada anos mais tarde pelas testemunhas. Enfim, esses relatos são imutáveise com o decorrer do tempo influenciam na ocultação das ações mais graves cometidas pelos soldados alemães naquele contexto de guerra.
Portelli observa queCivitella era uma cidade elitista, separada da zona rural por muros, assim não mantinha relações com camponeses. Sua população também não conhecia as articulações territoriais e as mobilizações de classes. Nota-se que já havia uma antipatia por parte dos moradores da pequena cidade contra os trabalhadores e camponeses (classe que integravam o corpo da Resistência) quando estes começaram a andar pela cidade em um contexto pré-guerra. Segundo o autor: “A raiva contra os membros da Resistência pela matança irresponsável dos alemães dentro dos muros do povoado também comporta o sentimento de invasão do espaço do povoado pelas classes inferiores do campo". (p. 114.). Portelli ainda ressalta que:

Existe, portanto, um duplo deslocamento, temporal e espacial. No espacial, os invasores são os membros da Resistência, ao invés dos alemães. No temporal, a história não tem início com a guerra, ou mesmo com a primeira vítima local dos alemães, mas só com a primeira reação com os membros da Resistência. (p. 114.).

Não que os sobreviventes neguem que as incursões e as lutas da Resistênciacontribuíram para o renascimento da Itália no pós-guerra, observasse que esse ressentimento é direcionado somente para a Resistência local, por todos esses fatores políticos e ideológicos apresentados pelo autor. É o que Portelli chama de “não no meu quintal” expressão muito usada pelo senso comum. Contudo, em um balanço geral dos fatos, não se pode negar que a Resistência tenha contribuído de forma ativa para a libertação da Itália e que culpa-los pelas atrocidades do massacre é simplismo quando não se leva em consideração os outros vários fatores que estão ocultados nas entrelinhas das representações e relatos dos sobreviventes de Civitella.

Mito e política

Fatores religiosos também são encontrados nos depoimentos dos sobreviventes de Civitella. Segundo o depoimento de uma sobrevivente do massacre, um padre da cidade teria se oferecido aos nazistas para morrer no lugar do povo em um ato de martírio cristão.
Relatos inerentes à memória coletivatambém narram que soldados alemãesteriam se negado aexecutar moradores do vilarejo naquela manhã de 20 de junho, dia da retaliação, e queteriam sido mortos por seus oficiais por desobedecerem à ordem. Ainda segundo relatos do Padre Enrico Biagini, ele teria perdoado anos depois,dois alemães, sendo um soldado da divisão militar alemã, que o procuraram e alegavam arrependimento de ter participado do massacre de 1944 no vilarejo. Em suas palavras o Padre Biagini relata: “Sou um dos alemães que aqui estiveram para retaliação naquele dia. Diga ao povo deste povoado, padre, que éramos muito jovens e que Hitler envenenou nossa juventude. Peço perdão para todos”. (p. 120.).
Portelli questiona o padre por não ter pedido aos visitantes alemães seus nomes e endereços ou a divisão militar a qual estavam submissos. O autor ainda levanta a questão de que esse ato do“perdão” pode ter origem no mito cristão que consiste em perdoar o inimigo. O que realmente surpreende Portelli é que esse perdão comunal ainda não teria sido consumado aos partisians. Em suas palavras sobre o não perdão comunal aos membros da Resistência Portelli explica: “[...] os alemães se arrependeram, os membros da resistência não. Dessa forma Civitella pode manter sua imagem de comunidade cristã, quanto seu ressentimento contra os membros da resistência” (p.122.).
As origens dos mitos também são questionáveis segundo o autor e sempre estãorelacionadas às tragédias que ceifam vidas inocentes. Mitos conhecidos por toda à Europa como o mito do “bom alemão” são apoiados em contos folclóricos que por muitas vezes são inspirados nos evangelhos apócrifos.  Nuto Revelli, historiador e líder a Resistência, exemplifica essas ambiguidades em torno dos significados dos mitos, selecionando o mito de um soldado nazista, bem simpático, que cavalgava pelos campos italianos distribuindo doces para as crianças. Essa imagem pode ser entendida também pela a lógica de mais um soldado nazista patrulhando os campos da região, seguindo às ordens bestiais e mal intencionadas de seuFührer. Assim, Nuto Revelli tenta explicar que os mitos podem ocultar significantes importantes para a compreensão dos fatos.
Em última análise às memórias divididas, comunal dos sobreviventes do massacre einstitucional da Resistência, devem ser compreendidas pelas subjetividades intrínsecas aos relatos dos indivíduos envolvidos no massacre, pois no caso de Civitella, o discurso de ambas as partes (partisianse moradores) são carregados por sentimentos de dor e de luto, mediados por ideologias, linguagem, senso comum e explicações institucionais. O conceito “memória dividida” é plural e deve ser estudado e reconstruído de forma crítica com o intuito de eliminar essas dicotomias que se estendem por gerações, possibilitando assim para o estudioso maior entendimento dessas múltiplas representações.

Referências Bibliográficas:

PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civittela Val diChiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (orgs.). Usos & abusos da história oral. 1a edição 1996. Rio de Janeiro: FGV, 2001, p. 103-130.

Site da imagem: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Civitella_in_Val_di_Chiana,_piazza_principale.jpg

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Por Gabriela M. Ribeiro e Laíne Mendes

Fotos: Nathalia Bastos


O dia 21 de novembro de 2013 trouxe uma novidade para o curso de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: a inauguração de um novo grupo de estudo acadêmicos, o Pluralitas – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Históricos. O mesmo reúne diversos pesquisadores das áreas de história antiga, medieval e teoria, mas também mantém dialogo com outros campos de conhecimento, como a área de letras e filosofia, por exemplo.


Neste sentido, o Pluralitas traz um diferencial ao propor um ambiente de estudos mais amplo, prezando pela interdisciplinaridade e, deste modo, buscando novos desafios e temáticas dentro do curso de história. O nome do grupo foi inspirado na frase “Principium Pluralitatis est Alteritas” (O princípio da pluralidade é a alteridade) de Boécio (480-525 d.C).

O evento ocorreu no auditório Paulo Freire, localizado na UFRRJ – Campus Seropédica, no Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Professores e alunos colaboradores (14 alunos no total), sob coordenação do discente Vanir Júnior, articularam toda a produção.

O grupo é constituído por professores extremamente competentes. Entre eles estão José da Costa D´Assunção Barros; Luis Eduardo Lobianco, Manuel Rolph, Marcos Caldas, Miriam Coser, Raquel Pereira, Renata Rozental e Rivia Fonseca. O Pluralitas também conta com alunos em sua composição, sendo, desta forma, um grupo acessível ao âmbito discente.

No decorrer do evento houve a apresentação do site www.pluralitas.webs.com. feita pelo Professor Marcos Caldas (IM-UFRRJ). Por meio do site há acessibilidade a fontes, arquivos, índice de bibliotecas, espaço para fórum de debates e envio de mensagens.

O Professor José D’Assunção Barros (IM-UFRRJ) apresentou o grupo NUPEH (Núcleo de Pesquisas Historiográficas), que é voltado ao estudo de teoria, metodologia e historiografias. O grupo de pesquisa está em expansão e tem como um de seus objetivos formar um dicionário com historiadores de todo o Brasil, estando também ligado ao Pluralitas. O NUPEH também é aberto ao âmbito discente. Ponto importante citado pelo professor – e que foi lembrado durante todo o evento – foi justamente a questão da autogestão e a valorização das iniciativas discentes. Esta é uma ideia que é alimentada/incentivada dentro do NUPEH, onde as iniciativas e decisões são feitas pelos próprios alunos. Esta atitude, defende Professor D’assunção, é uma forma de sair da lógica cada vez mais hierarquizada da universidade, “aonde o aluno não aprende a mesma de uma forma aberta, conjunta e de, alguma maneira, interdisciplinar”. O site do grupo é www.nupeh.webs.com.

Após apresentação acerca dos grupos de estudo e pesquisa, seguiu-se a vez dos professores falarem sobre suas pesquisas e trabalhos acadêmicos variados. O primeiro a palestrar foi o Professor Manuel Rolph, que falou a respeito de sua tese de doutorado. Seu tema é relacionado com o conceito de fronteira étnica romana. A fronteira étnica, nas palavras do Professor, se define como um espaço de interações, lutas, afirmações e rejeições, sendo um processo construído pela consciência de alteridade de um grupo, que, geralmente, é embasada em narrativas míticas de origem. É a partir deste processo de fronteira que Roma construiu sua identidade étnica, dando nova significação e ressiginificação ao mundo diversificado existente ao seu redor. É, por exemplo, Roma quem dá nome aos celtas, gregos, germânicos (como é possível ver nas narrativas de Cícero ou Tácito), já que antes não havia denominações, mas meras distinções culturais para aqueles que viviam em regiões próximas.

A segunda a se apresentar deveria ser a Professora Miriam Coser, mas a mesma não pôde comparecer. Entretanto, o Professor Marcos Caldas leu sua pesquisa, que tem como tema o campo da biografia e estudos de gênero na Idade Média.

A terceira Professora a se apresentar foi Rivia Fonseca. Convidada pelos professores a integrar o Pluralitas, a professora da área de letras ministra a disciplina de línguas latinas da universidade e, com sua entrada no grupo de pesquisa, retomou estudos sobre a antiguidade. A linguista e especialista em latim clássico tem como projeto o uso de noções metodológicas da área de letras aplicadas aos estudos textuais da história, como, por exemplo, a análise de discurso, que propiciaria uma melhor compreensão de fontes de materiais historiográficos.

A quarta foi a Professora Renata Rozental Sancovsky. Ela chamou para compor a mesa o discente Vanir Júnior (ex-bolsista PIBIC/CNPq e atual FAPERJ). Representando os alunos que pesquisam em um espírito pluralitano e que também são orientados pela Professora Renata, Vanir apresentou os resumos das pesquisas dos outros pesquisadores discentes.

O primeiro projeto apresentado por Vanir foi o do aluno Caio César (6ºperíodo e monitor de História Antiga e Medieval), que fala acerca do “Corpus Mysticum e a construção do imaginário medieval de sociedade por Santa Catarina de Siena”. Para isso, Caio utiliza os Diálogos de Catarina e propõe o entendimento de aspectos particulares do imaginário social do ocidente medieval como parte da idealização de um Corpus Mysticum de Cristo.

O segundo projeto foi o da aluna Tatiane Souza (FAPERJ), intitulado como “Relações sociorreligiosas na Idade Média Hispânica, tendo como fonte as epístolas de Rabi Moshe Ben Maimon (1135-1204)”. Tatiane, além de evidenciar o “mito da convivência pacífica” entre muçulmanos e judeus no período medieval, busca estudar as produções historiográficas vigentes sobre as relações sociorreligiosas na formação do mundo ibérico - especificamente Espanha Muçulmana em contexto de Reconquista Cristã – tendo como objetivo destacar – com base no discurso de Maimônides – as possibilidades do judeu prosseguir em sua fé, mesmo sofrendo conversão forçada, política esta vigente no período de dominação Almôada/Almorávida.

O terceiro projeto foi o do aluno Samuel Felício (PIBIC/CNPq), intitulado como “Assassinato ritual e hóstia profanada: imagem e literatura clericais na construção de mitos antijudaicos juntos à Cristandade Européia – Séculos XI a XIII”, no qual o aluno tem como objetivo levantar e analisar os pensamentos e práticas que possibilitaram a construção de mitos antijudaicos no Ocidente Medieval, o que possibilitou a formação de uma representação degradante dos judeus e promoveu o antijudaismo popular.

O quarto projeto apresentado foi o do próprio Vanir Júnior (ex-PIBIC/CNPq e atual FAPERJ), intitulado como “Romanização e Cristianização da Hispania: Identidade, História e Literatura Eclesiástica – Séculos V-VII”. Trabalhando com as Histórias de Isidoro de Sevilha, Vanir tem como objetivo analisar a formação de um projeto eclesiástico no qual os escritos do bispo hispalense (retomando uma tradição literária típica de nomes como Paulo Orósio) aparecem como fundamentadores e contribuintes diretos num processo formativo de um discurso mitológico de unidade hispano-visigoda. Além disso, evidenciam a participação clerical na formação deste imaginário de poder, bem como seus objetivos no que diz respeito à conservação da fé cristã nicena em solo hispânico, através do estabelecimento de uma unidade régia.

A Professora Renata Rozental, ao discursar sobre seu projeto de pesquisa, falou que o mesmo é um estudo sobre processos discursivos referentes à polêmica judaico-cristã no período inicial da Idade Média, a partir daquilo que ela nomeou como literatura patrística polêmica, na qual é encontrada uma série de elementos anti-judaicos. Na mesma é possível identificar três discursos: o da homilética/moralizante, o narrativo/discursivo e o teatral. Sua pesquisa destaca a relação de alteridade entre judeus e cristãos no mundo tardorromano e medieval. A pesquisa se encontra em contínuo desenvolvimento.

O último a apresentar foi o Professor Luís Eduardo Lobianco. Logo no início de sua fala relatou sobre as aprovações da I Jornada do Pluralitas pelo colegiado do DHRI (Departamento de História e Relações Internacionais) e no CONSUNI/ICHS da UFRRJ, o que, nas palavras do Professor, foram grandes vitórias para o grupo. Antes de falar sobre seu trabalho, apresentou as quatro linhas de pesquisa existentes no grupo: a primeira é sobre Arte, formas de expressão e história intelectual; a segunda é poder, interações e conflitos culturais; a terceira, história social e das ideias; a quarta é economia política da religião.

A pesquisa do Professor Lobianco segue a segunda linha mencionada e é intitulada Religião, Poder e sociedade no Egito Ptolomaico e Romano. O seu objetivo é identificar as práticas religiosas do Egito Helenístico e Romano, em específico o politeísmo e o hibridismo envolvendo egípcios, gregos e romanos. O Professor Lobianco também citou outros trabalhos dos seus orientandos. Serão citados aqui alguns: “Paulo e a mulher cristã no Oriente Helenístico”, de Aparecida Conceição Azevedo; “Cultos domésticos no Antigo Egito”, de Bárbara Carina L. da Silva e o “Poder Feminino no Reino Novo. Hatshepsut e Nefertiti” de Elizabete Cristina Da Silva Chaves.


Em seguida, o Professor chamou à mesa um de seus orientados, o aluno Thiago Ribeiro. O seu tema de monografia, “Morte e Magia no Reino Novo e na época Tardia”, tem como objeto de estudo a morte e a magia no Antigo Egito, com base em questões ligadas sobretudo à cosmologia, ao monismo e ao dualismo, a partir da análise de fontes iconográficas funerárias, em especial cenas de Psicostasias, mas também textuais - Livro dos Mortos. 

Confira algumas imagens do evento:






































domingo, 22 de abril de 2012


Combates Pela História - Uma das principais obras de Febvre.
"Combates Pela História - Uma das principais obras de Febvre"
Por Vanir Junior


Febvre demonstra grande amor pelo seu trabalho com a história em sua obra. Primeiramente, afirma que ela é toda social por definição e possui uma unidade. Afirma que o objeto de estudo é o homem em sua totalidade. 
O estudo da história é cientificamente conduzido, ou seja, deve problematizar e formular hipóteses baseadas na interpretação do fato pelo historiador, buscando a objetividade. Febvre, em sua linha teórica, pregou contra o modelo factual do século XIX e o historiador colecionador de fatos, enfatizando a criação do fato histórico pelo próprio historiador e não somente pelos documentos. Enfatiza a crise da história narrativa/detalhista, que era cada vez mais, segundo Febvre, preenchida pelas práticas positivistas e empiristas.
Também pregou a união da história com as demais ciências do homem, como a sociologia e a psicologia, de maneira que a história passasse a ter significação social, ao contrário da mera narrativa positivista do século anterior.
Para isso, o historiador deveria ter consciência dos laços que uniam as demais ciências à história. A história deveria assim se adaptar às mudanças sociais, analisando os aspectos espaço/tempo. Ou seja, Febvre, semelhantemente a Bloch, busca a relação do presente com o passado, não procurando apenas continuidades, mas também descontinuidades nas análises de contextos históricos.
Febvre luta por uma história viva e verdadeira, na qual o historiador seria construtor participante de todo o processo, devendo compreender a realidade histórica, havendo, desta forma, um desenvolvimento da história através dos temas problematizados e não necessariamente pela narrativa simples, buscando compreender o mundo e suas mudanças pela história. 
Tudo isto representou o combate abordado por Febvre em sua obra, proposto juntamente com Bloch na primeira geração da Escola dos Annales. Um combate pelo verdadeiro saber histórico.

Referências Bibliográficas:

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Ed.: 2ª.  Editora Presença: Lisboa, 1989. p.p. 28 a 51.
Site da Imagem: http://www.rotamogiana.com/2010/05/atendi-ao-chamado.html



domingo, 1 de abril de 2012

Por Rafael Oliveira

Oliveira Vianna é, desde os anos 1980, um dos intelectuais brasileiros cuja obra mais esteve em debate. Atualmente, suas obras são ferramentas de estudo em vários aspectos da sociedade. Jaime Ginzburg contrapõe Oliveira Vianna à Gilberto Freyre, no que se refere à abordagem da questão social. Em seu artigo, Ginzburg cita Lúcia Lippi Oliveira que diz que Vianna acreditava que a presença de negros era um fator de fragilidade. A mestiçagem deveria ser estimulada apenas se fosse o caminho necessário para uma maior purificação. Alexander Englander diz que Oliveira Vianna pode ser considerado um precursor do pensamento social brasileiro, devido ao seu livro Populações Meridionais do Brasil, de 1920, que é considerado por intelectuais contemporâneos como o marco inaugural de uma tradição de interpretação sociológica. Aliás esse livro foi o trabalho que consagrou Oliveira Vianna como historiador, e garantiu sua entrada no IHGB.
Porém nesse trabalho tenho como objetivo analisar o discurso de posse de Oliveira Vianna no IHGB em 1924. Segundo Angela de Castro Gomes , as questões centrais do discurso de Oliveira Vianna são: “o que é a História hoje?” e “Para que serve a História hoje?”.
Para responder essas perguntas, Oliveira Vianna formulou uma teoria onde existiriam duas histórias, uma velha e uma nova, que seriam diferenciadas a partir da colaboração de outras ciências, tais como as da natureza e as do homem.

"Os fenômenos históricos, senhores, já não se apresentam mais aos olhos dos modernos historiadores com aquela singela composição com que apareciam os olhos dos velhos historiadores. Para estes, os acontecimentos históricos, o desenvolvimento das nacionalidades, a grandeza e a queda dos impérios, a evolução geral das sociedades eram consequências da atuação de número limitado de causas e, às vezes, de uma causa única. Hoje, ao contrário do que presumiam estes espíritos simplistas, os fenômenos históricos se mostram tais como realmente são e como deveriam ser: extremamente complexos, resultantes que são, da colaboração de uma infinidade de causas, tão variados e múltiplos que, embora utilizando as luzes de todas as ciências, e aparelhada com incomparáveis métodos de pesquisa, a crítica histórica não consegue discernir e isolar senão uma certa parte deles, que nem sempre, aliás, é a maior parte." (Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 pp. 438-39).

Ou seja, enquanto para os velhos historiadores os fenômenos históricos eram “simples” e vinham de poucas causas, os historiadores novos viam os mesmos fenômenos como “complexos” e resultantes de várias causas. Portanto, esta complexidade do fenômeno histórico impunha ao historiador um vasto conhecimento em várias ciências, e Oliveira Vianna demonstra isso ao citar Henrique Berr quando o mesmo diz que “a complexidade das causas implica a diversidade do saber”. Ele nos diz que os historiadores modernos, para terem sucesso em seu trabalho, deveriam possuir o “enciclopedismo de Aristóteles”, por isso, para Viana, as sínteses históricas ultrapassavam as possibilidades de uma só pessoa, devendo ser realizadas pelas grandes instituições culturais, tal como o IHGB. Ele cita uma obra de síntese coletiva presidida por Henrique Berr onde pessoas de várias áreas participam: “só na primeira parte, que compreende apenas a Pré-História e a Antiguidade, colaboram cerca de trinta especialistas, todos representando as maiores sumidades da cultura francesa contemporânea”.
Viana diz que o mais simples fenômeno histórico está presente em um meio físico, e portanto depende das condições desse meio físico; também se opera dentro de um meio social, e por isso está subordinado ao meio social. Ou seja, nas palavras do mesmo, “isto equivale dizer que o mais simples fenômeno histórico exige para sua exata compreensão os subsídios de todas as ciências naturais, de todas as ciências antropológicas, de todas as ciências sociais”, pois elas trariam contribuição de valor incomparável para o entendimento desses fenômenos.
Ainda sobre essas ciências, ele destaca as sociais como as mais essenciais para compreensão das realidades do passado, devido aos seus métodos, princípios e dados objetivos. Angela Gomes nos explica que:

"O autor realiza uma clara hierarquização no interior do vasto conjunto de saberes que colaboram com a História, destacando, de forma muito especial, as ciências sociais, denominadas, talvez por prudência e elegância, de “ciências auxiliares”, seguindo uma tradição do que seria, em seus próprios termos, a velha História, que se queria a maior, senão única, ciência da sociedade."
(GOMES, Angela de Castro. “A República, a História e o IHGB”. Belo Horizonte, 2009. P.76)

No entanto, logo em seguida, Oliveira Vianna afirma que a ciência ainda não conseguiu formular as “leis gerais” que regulam a evolução das sociedades humanas, embora as mesmas existam. Assim um conjunto de obras particulares deveria integrar uma obra geral, “o que equivale dizer que a obra do historiador deve ser precedida pela obra do sociólogo, e que toda a explicação da vida das sociedades passadas implicaria necessariamente o conhecimento das leis que regulam a vida das sociedades atuais”. Podemos notar a importância que Oliveira Vianna dá para Sociologia, dizendo que somente através dela, o historiador poderia saber sobre o passado das sociedades, uma vez que os documentos não dizem tudo, não captam todos os aspectos dos acontecimentos, fixando-se às vezes em alguns pequenos aspectos. Ele dizia que além dos documentos, os historiadores deveriam se preocupar também com as conjecturas, que se dividem em duas modalidades:

"Há a conjectura arbitrária, pura obra de imaginação, sem ponto de pega nas realidades da vida, e há a conjectura disciplinada, apoiada e orientada no conhecimento das leis que presidem a estrutura e a fisiologia das sociedades humanas." (Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 p. 441).

Os velhos historiadores, quando colocados de frente com lacunas que os documentos não conseguiam preencher, apelavam à indução conjectural, mas precisamente à conjectura arbitrária, pois não possuíam nenhum principio cientifico, nem dado capaz de corrigir ou retificar a obra de sua imaginação. Os novos historiadores estavam aparelhados com elementos de informação para ratificar sua imaginação de maneira critica, e por isso reconstruíam com maior rigor cientifico possível as estruturas das sociedades antigas.
Angela nos diz então que:

"Em seu discurso, o autor defende, claramente, que a disciplina só alcançaria o estatuto de ciência moderna pela via da busca da objetividade, o que seria possível pela associação com a sociologia, voltada para a “evolução geral”. O trabalho com os “testemunhos de arquivos”, parciais e particulares, tinha que ser acrescido de “experiências complementares” trazidas pelas ciências sociais. Contudo, tal demanda por cientificidade, nesses novos padrões, não impediria que se reconhecesse na História uma “bela arte”.Ou seja, era o investimento na narrativa que a diferenciava das demais ciências sociais, que a singularizava e a capacitava para a operação de “ressurreição do passado”, tornando o trabalho do historiador complexo e desafiador. "(GOMES, Angela de Castro. “A República, a História e o IHGB”. Belo Horizonte, 2009. P.78)

Oliveira Vianna diz em seu discurso que:

"Ainda não pude perceber bem esta incompatibilidade entre ciência e arte, porque para isto seria preciso que houvesse incompatibilidade entre a verdade e a beleza. Nesse preconceito, eu vejo apenas uma reminiscência do que era a História antes da constituição das ciências sociais. [...] Estas podem dispensar e em regra dispensam, quando desenvolvem seus princípios, quando expõem as suas leis, quando formulam as suas conclusões, o auxílio das artes da ficção; mas a História não. Esta [...] justamente por ser uma ciência da evocação, versando matéria a que falta o encanto das coisas vivas, não pode dispensar o auxílio das artes da ficção. [...] Sem o encanto e a poesia que elas derramam, o passado interessaria apenas a círculo limitado de estudiosos [...] isto é, os próprios historiadores. [...] O que vemos, porém, não é nada disto; é justamente o contrário disso: [...] todos encontram nas obras históricas um interesse, uma sedução, um fascínio."
(Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 p. 442).

Assim, Oliveira Vianna tenta demonstrar que ao mesmo tempo em que a História é ciência – devido sua busca pela objetividade e cientificidade – é também uma arte, pois não servia apenas a um número limitado de pessoas, mas sim à todos que tivessem interesse. E é nisso que a História difere das outras ciências, ela tem um público amplo e diversificado, devido a sua forma narrativa.
Por isso a História interessava a todos os homens, ela tinha como utilidade a criação de um sentimento patriota e de uma “consciência coletiva” formados pela admiração ao contemplar um passado comum. A história aproxima o passado do presente, impulsionando o futuro. “Portanto, se a evolução de um povo tem condicionantes fortíssimos, sendo ‘o papel reservado à ação da vontade consciente modestíssimo’, isto é mais uma razão para potencializá-lo cientificamente, recorrendo-se às ciências e à História”. Assim sendo, Oliveira Vianna considera o “culto ao passado” um ponto de partida para a intervenção do homem na história, pois no passado podemos buscar as bases e inspirações para o futuro.

Qualquer ação política, portanto, para ter mais chances de êxito, necessitaria de uma sólida e científica compreensão dos determinantes de longo curso da evolução nacional. Segundo Oliveira Vianna, “o estudo exclusivo do presente, o estudo isolado da atualidade não nos poderá trazer esta revelação, só possível pela comparação das diversas etapas da marcha da nacionalidade ao longo dos caminhos da sua história”. Vianna nos dizia que todo grande movimento patriota era assinalado por um retorno ao passado e que toda ação impetuosa para o futuro era em admiração aos grandes ancestrais, uma vez que nunca antes o “culto do passado, o orgulho do passado, o sentimento do passado se mostrou também mais ardentes, mais vivazes, mais conscientes, mais profundos”.
Vianna termina seu discurso afirmando que passado e futuro são amplos, e que por isso mesmo, seriam sagrados para os historiadores. Em seguida cita Ernesto Lavisse, numa tentativa de mostrar o quão breve é o passado:

“Descobri que o passado é curto. Fiz esse cálculo cedo. O pai do meu tio-avô, que nasceu em 1764, quando reinada Luiz XV, conheceu ainda moço os contemporâneos de Luiz XIV. Os mais velhos destes tinham sido governados pelo cardeal de Richelieu; e não seria preciso uma grande série de homens, não mais que uns trinta octogenários para atingir o tempo em que Jesus Cristo veio ao mundo. Esta brevidade do passado deu-me um respeito pelo futuro imenso. Encontrei-me numa disposição de espírito, que mais tarde se fixou em mim. Porque se encontra no correr da minha vida, não é a razão para que eu julgue de um valor maior do que as passadas e as futuras”.
(Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 p. 455).

Em suma, em seu discurso de posse, Oliveira Vianna ao tentar responder sobre as duas perguntas centrais de suas palavras, tenta nos mostrar a importância que os fenômenos históricos tinham na distinção entre a antiga história (que os via como simples) e a nova história (que os viam como complexos). Vianna nos diz que os antigos historiadores usavam da intuição para preencher as lacunas existentes, enquanto os novos, apoiados pelas outras ciências, tanto naturais, como humanas, se baseavam em documentos e fontes para preencher as mesmas lacunas quando essas viessem a existir. Angela Gomes nos diz que “seu discurso possui, sintomaticamente, no surgimento das ciências sociais – e de uma certa sociologia -, o critério de periodização entre uma velha e uma nova história”. Oliveira Vianna nesse sentido era diferente aos Annales, que buscavam fazer da História a mãe de todas as ciências sociais, a mais importante, abrangendo todas as demais. Já Vianna via a Sociologia e a História como iguais, uma vez ambos enquanto campos de saber eram complementares. Vianna durante todo seu discurso lança possibilidades sobre diálogos entre História e outras disciplinas, quem sabe numa tentativa de “quebrar as fronteiras” que impediam que as ciências sociais obtivessem resultados mais efetivos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMES, Angela de Castro. “A República, a História e o IHGB”. Belo Horizonte, 2009.
GINZBURG, Jaime. “Política da Memória no Brasil: Raça e História em Oliveira Vianna e Gilberto Freyre” In: Araucaria, primeiro semestre, ano/vol. 8, número 015. Universidade de Sevilla, Espanha pp.36-45; Disponível em: . Acessado em 06/11/2011 às 11:34.

ENGLANDER, Alexander David Anton Couto. O pensamento social de Oliveira Vianna e a cidadania no Brasil – de 1920 ao fim da década de 1940. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v.7, n. 2, p. 5-23, dez. 2009. Semestral. Disponível em: . Acessado em: 06/11/2011 às 10:47.
REVISTA DO IHGB, tomo 96. Volume 150. 86º ano, 5ª Sessão Ordinária, realizada em 11 de outubro de 1924. Discurso de Francisco José de Oliveira Vianna, 1924, pp.438-455. Disponível em: . Acessado em: 15/11/2011 às 12:06.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011





O Livro “Frankenstein” como Fonte Histórica Específica




Por Cristiane Nice





Atualmente, o trabalho com fontes ou documentos históricos é avaliado como uma das metodologias fundamentais em sala de aula, pois amplia o conhecimento sobre o trabalho do Historiador, instiga a observação e permite uma maior reflexão sobre os conteúdos dos documentos.



De acordo com Fonseca (1995),



“A incorporação de diferentes linguagens e fontes na disciplina de História torna o processo de transmissão e produção de conhecimento dinâmico e interessante.” (FONSECA, 1995:53)



O discurso literário e o discurso histórico têm em comum o fato de serem narrativos. O discurso histórico visa explicar o real através de testemunhos, dos documentos, que comprovam e evidenciam o acontecido. A obra de ficção não tem o compromisso, nem preocupação de explicar o real, nem tampouco comprovar os fatos.

Fonseca (1995) entende que “A literatura é um produto artístico com raízes no social. [...] Assim, o Historiador é atraído não pela realidade e sim pela possibilidade.” (FONSECA, 1995:54)

Desde a antiguidade a linguagem tem sido um instrumento no qual os escritores escolhem e empregam o vocábulo de modo a produzir efeitos dos mais variados no imaginário do leitor. A manifestação artística através do texto literário possibilita ao escritor expressar seus sentimentos através das palavras sem se preocupar com a realidade, os limites éticos e as significações objetivas. Várias particularidades podem colaborar com os temas aplicados na literatura, como o período histórico, a cultura e a classe social em que estão inseridos os autores das obras em questão.

Estas particularidades são bastante claras no romance gótico “Frankenstein” ou “Moderno Prometeu” de Mary Shelley, de 1818, onde a desconfiança na ciência e o comportamento social dos personagens demonstram nitidamente o contexto histórico em que a autora viveu.

Mas, por que o Livro “Frankenstein” ou “Moderno Prometeu” de Mary Shelley? Porque a obra aborda o século XVIII, com suas transformações Sociais e Econômicas, a Fé no Homem e na Ciência e a Reação da Igreja diante dos limites da Ciência, ou seja, o Iluminismo, o Discurso Científico e o Discurso Religioso.

Consideremos uma pequena parte da grandiosa obra da jovem Senhora Mary Shelley:




“[...] É difícil conceber a variedade de sentimentos que me impeliram para frente, no primeiro arrebatamento do êxito. Eu seria o primeiro a romper os laços entre a vida e a morte, fazendo jorrar uma nova luz nas trevas do mundo. Seria o criador de uma nova espécie – seres felizes, puros, que iriam dever-me sua existência. Indo mais longe, desde que eu tivesse a faculdade de dar a vida à matéria, talvez, com o passar do tempo, me viesse a ser possível (embora esteja agora certo do contrário) restabelecer a vida nos casos em que a morte, no consenso geral, relegasse o corpo à decomposição. Ressurreição! Sim, isso seria nada menos que o poder de ressurreição. (SHELLEY, 2007: 56)

Podemos pensar: “-Será que a obra fictícia de Mary Shelley representa a visão da autora sobre a sociedade em que ela vivia?” Analisemos o que Fonseca (1995) diz:





“A leitura de textos literários, reservando as especificidades artísticas, pode oferecer pistas, referências do modo de viver, dos valores e costumes de uma determinada época. (FONSECA, 1995:54).




Sem dúvida é uma fonte que auxilia uma problematização histórica, pois, ao ser exposta, proporciona múltiplas maneiras de ensino e questionamentos fazendo com que o conhecimento histórico seja ensinado de forma a possibilitar a participação do processo de fazer a História.




Referências Bibliográficas:

• FONSECA
, Selva Guimarães. O uso de diferentes linguagens no ensino de História e Geografia. Ensino em Revista. Jan/dez. 1995.
SHELLEY, Mary. Frankenstein. Coleção A obra-prima de cada autor. São Paulo. Editora Martin Claret, 2007.


Fonte da imagem: http://www.google.com.br/imgres?q=livros&hl=pt-BR&gbv=2&biw=1280&bih=539&tbm=isch&tbnid=dNdYtTQ5dqFv-M:&imgrefurl=http://seboanvsp.blogspot.com/2010/07/livros-qualquer-livro-com-ate-80-de.html&docid=w3PsWoWkupIRHM&imgurl=https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhvpdydg0mmTo1BMfeYNhqluqYAN3FWYdtB59mXgj6TlO0VmIcFYvFxlYIqtNR9ZbMw3vNZxBElbQMeySSvvAJ5WdTVQfm8BOrwakdCfdCcW5OAiE0ciB8ag0BwgSuRqPyrlo_DfoKPzoP/s1600-r/livros.jpg&w=632&h=570&ei=fQ-bTv-ZMajz0gH36YmxBA&zoom=1&iact=hc&vpx=365&vpy=180&dur=297&hovh=213&hovw=236&tx=149&ty=100&sig=102414596607502134957&page=1&tbnh=147&tbnw=165&start=0&ndsp=12&ved=1t:429,r:1,s:0



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Por Pérola Reis, Vanir Junior, Elizabete Chaves, Laíne Mendes e Duda Weber


Quando falamos de Micro-História, é essencial antes contextualizarmos a situação do debate historiográfico na década de 70, no grupo dominante na produção de conhecimento histórico: Os Annales. O momento de divergências teóricas em tal grupo se dá em torno da questão quantitativa, a retomada da narrativa e da história política. Isso cria sintomas da crise de confiança na história focada primordialmente no social e produzida a partir de uma cunhagem mais geral, que leva às diversas críticas a posteriori, como a de François Dosse, que evidenciou esta fase como um momento de contradição e perda da linha teórica dominante dos primeiros Annales.
Assim, surge no decorrer dessa mesma época uma corrente que terá sua maior expressão na Itália sem, contudo, ter sido mencionada primeiramente lá: A Micro-História. Este gênero historiográfico é, de certa forma, recente e se constitui, grosso modo, como uma proposta de reduzir o foco de observação, com o objetivo de tentar localizar um aspecto não percebido antes por uma abordagem generalizante e mais tradicional.
Mas como já dito neste texto, a menção da Micro-História já havia sido feita em outros locais sem ser a Itália. Podemos citar a sua menção por George R. Stewart nos EUA, com a obra “Not so Rich as You Think”. Ele prega uma análise microscópica, como é possível perceber na obra “Pickett´s Charge. A Microhistory of the Final Charge at Gettysburg, July 3, 1863”, falando de forma bem minuciosa sobre certa batalha da Guerra Civil Americana. Além dele, teremos outras abordagens no México, com Luis González y González na obra “Pueblo em vilo. Microhistoria de San José de Gracia” a partir da análise de uma aldeia minúscula num espaço de quatro séculos. Entretanto, pode-se enfatizar que González já havia lido sobre a Micro-História no “Traité de sociologie” organizado por Georges Gurvitch. Braudel também já havia mencionado a Micro-História, contudo, com certa negatividade. Citamos também o livro “A Tabela Periódica” do Italiano Primo Levi. “Zaharoff Lecture” de Richard Cobb que se utiliza das palavras de Raymond Queneau em contraposição aos fatos cotidianos, Cobb não expõe explicitamente Micro-História, e sim, a historiografia menor.

A micro-história não forma uma escola, ou um corpo de proposições unificadas, muito menos uma disciplina autônoma. Ela é uma prática de historiadores, que enfrentam ao longo de caminhos diversos, de obstáculos e incertezas uma experiência de pesquisa. São as novas formulações que começam a surgir e que formam esse grupo, mesmo a partir de heterogeneidades. O que significa dizer que ela não constitui um grupo homogêneo.

Mas a micro-análise não se baseia única e exclusivamente na redução da escala. A micro-história representa muito mais do que isso. O grupo que se reuniu em torno deste ideal – sendo este muito mais uma prática do que propriamente um trabalho – e formulou a revista Quaderni Storici, pela editora Einaudi, de direção de Carlo Ginzburg e Giovanni Levi, propunha uma produção historiográfica que ia muito além de uma escala menor de pesquisa, pois, devido ao fato de sua heterogeneidade, a micro-história pode se conectar às mais variadas formas teóricas, além de propor uma análise cuidadosa do micro. Não se trata de uma visão simplista sobre aquilo que é menor, mas de uma abordagem sistematizada, o que requer um considerável número de fontes para que o trabalho micro-analítico seja possível, além de construir significativa importância a estes micro-acontecimentos.
A corrente italiana se vincula ao modelo francês, mas expõe uma interrogação sobre a história social e sua construção de objetos de estudo. Ao contrário dos Annales, que produzem a partir de um tipo de história que tem uma amplitude mais geral, ou seja, aquela que apresenta maior generalidade – para não dizer que é aquilo que se repete, pois sabemos que a história NÃO se repete, apresentando certa relatividade, aspecto muito bem abordado por Edward Carr, em seu livro “Que é História; mesmo quando está em uma escala mais geral, diferencia-se das ciências exatas e naturais por não apresentar regularidade; filósofos subjetivistas como Wilhelm Dilthey, por exemplo, já haviam se rebelado, no início do século XX, contra tal modelo esquemático, positivista, causal e fechado; mais tarde, os Annales irão romper com a história positivista –, sendo macro-analítica, em análises estruturais, quantitativas (tabelas, gráficos, números), a corrente da micro-história propõe o estudo a partir micro-análise. Isso ocorre até mesmo pelo fato de que a história macro, ou seja, a história social, hegemônica, de certo modo, não estava mais dando conta das diversas mudanças e crises sociais que surgiam cada vez em maior grau, nas décadas de 70 e 80.
É importante neste trabalho levantarmos as visões de alguns autores importantes sobre o conceito de micro-história e tentarmos achar formulações comuns entre as diversas visões.
Carlo Ginzburg
Primeiramente, a visão de Carlo Ginzburg. Este, sendo um dos mais importantes nomes na micro-história, expõe que a micro-história italiana nasce da oposição aos modelos mencionados neste trabalho, como o norte-americano, o mexicano e o francês, que são mais voltados a apresentarem uma “petite histoire”, ou seja, uma história menor, ou pequena. Ginzburg diz que a micro-história não se limita à pequena história, mas elenca e costura os diversos rastros a fim de formar uma narrativa que produza conhecimento histórico (iremos abordar com maior número de detalhes a questão da narrativa na micro-história mais tarde, também a partir da visão dos autores abordados sobre tal aspecto da micro-análise).
Com a redução da escala, produz-se uma nova forma de trabalho, aquilo que Ginzburg chamou de “paradigma indiciário”. Tal forma se caracteriza justamente pela busca dos diversos indícios que passam despercebidos pela história de visão totalizante, mas que estão dentro da mesma. A intenção do trabalho com a micro-história é, além de localizar fatos de grande especificidade, estabelecer diálogo entre a escala macro e micro. Não se está anunciando um todo de um longo tempo, como é possível encontrar nas linhas teóricas de Fernand Braudel, mas sim um fragmento de dentro de uma escala macro até então não percebido ou desconhecido.
Segundo Ginzburg, a micro-história italiana não examinou somente temas de importância notória, mas também âmbitos inferiores, desconhecidos, da história local. O que não significa dizer este tipo de trabalho é caracterizado somente pelo estudo ou construção de objetos de estudos voltados para a questão do local. O quesito local é apenas um dos objetos que podem ser estudados pela micro-história. Os objetos de estudo podem ser os mais variados possíveis, como comportamentos de determinados grupos, trajetórias e ação de certos indivíduos, fatos variados desconhecidos, entre outros. Mas não com o descaso de estudar o micro pelo micro. Deve haver sempre a preocupação de estudar o micro a partir de um olhar abrangente.
Atribuir significativa importância a um fato, que não passaria de um mero detalhe, que poderia ser uma simples nota em um determinado texto, e transformá-lo em um livro, por exemplo. Além de conectá-lo a outros rastros e maior ou menor importância, tornando a análise do social, pela perspectiva micro, mais completa. É justamente o que ele expõe em “O Fio e os Rastros”. A idéia de um fio que conduz aos diversos rastros na construção de um objeto de pesquisa. Um fio que direciona o pesquisador pela ótica historiográfica, a partir de rastros que se ligam a um todo mais complexo. Ou seja, rastros não percebidos pela visão geral, aquela que é macro-analítica, na construção do fato histórico, a partir da perspectiva micro-analítica, pelo estabelecimento de uma espécie de rede de relações entre os rastros, rede esta que também se conecta a um contexto amplo, a partir da formulação de uma narrativa. Os rastros, Ginzburg diz, que são o limite do micro-historiador. A própria fonte, o documento. Limite este que deve ser respeitado no trabalho da micro-análise.
Ginzburg detalha ainda mais a situação da produção historiografia na época, marcada pela história da mentalidade, que por muito tempo foi relegada à marginalidade, na segunda geração, quando Fernand Braudel era o principal nome dos Annales, mas que foi retomada e intensificada por historiadores como Jacques Le Goff. E pelo fato da micro-história surgir praticamente no mesmo tempo em que a história das mentalidades estava em progressiva ascensão, era comum ocorrer o erro daquela com esta. A micro-análise é muito mais profunda e detalhada do que a análise da história de estruturas mentais.
Jacques Revel
Para Jacques Revel a micro-história surgiu como uma reação contra a hegemonia da história social. Ele tenta entender a micro-análise dos italianos a partir da história social, partindo da concepção de que a micro-história implica reformular concepções, procedimentos e exigências da história social. Para Revel a micro-história tem o valor de um sintoma historiográfico uma reação contra a história social á francesa, econômica, marxista e estruturalista que é a mais criticada, por essa estudar o social a partir da história serial, aquela que apresenta certa regularidade, onde a importância está nos grupos, no coletivo. Desta forma, a duração escolhida para estudar esses temas é sempre a longa. O grupo da micro-história vai contra essa concepção de que só é possível estudar o social a partir de grupos e não indivíduos isolados.
Ainda que Ginzburg reconheça a micro-história italiana baseada no modelo francês, é possível perceber que Revel enfatiza que os italianos não produzem o mesmo trabalho dos franceses, sendo outra forma de pensar, de trabalhar com o passado que está em harmonia com os variados contextos dos anos 70 e 80. Revel também fala sobre a questão da redução da escala de análise, mas explica que tem que haver uma integração a partir do micro com o macro, pois o micro tem fios que se conectam com o macro. Para dar sentido ao micro deve integrá-lo ao macro, para o micro adquirir inteligibilidade, e essa integração quem constrói é o historiador.
A abordagem micro-histórica busca enriquecer a análise social tornando suas variáveis mais móveis, mais numerosas, mais complexas. As abordagens vão tornar a análise mais complexa, integrando os mais diversos e diferentes materiais. Para Jacques Revel é a variação de escalas que importa, não é uma análise em detrimento a outra é as interligações entre o micro e o macro.
Jacques Revel salienta em seu texto que a abordagem micro-histórica apesar de ter se tornado muito comentada e debatida entre historiadores nos últimos anos, é algo restrito, onde são poucos os grupos a se utilizar desse método e que a problemática e a interpretação da micro-histórica não foi homóloga em toda parte, ao contrário e cita como exemplo dessa diferença o caso da micro-história americana e francesa, onde a americana, por meio de Ginzburg vê a micro-história como um paradigma indiciário, onde a pesquisa se dá através da busca por indícios, pistas, sinais para decifrar uma realidade. Já a americana observa a micro história como uma interrogação da história social e a construção de seus objetos.
Revel defende que a micro-análise pode levar mais perto do real, pois sua perspectiva é mais rica, sendo mais complexa já que se inscreve em um maior número de contextos diferentes. E é justamente este um dos pontos mais marcantes do texto “Jogo de Escalas” de Revel. Ele afirma a importância de se localizar o contexto do objeto que se trabalha, pois isso permite uma boa análise do social. Para ele, não pode ser um trabalho preguiçoso caracterizado em fazer o já pensado, mas selecionar quais os contextos que fazem parte do objeto de pesquisa. Há vários contextos, contudo, é importante selecionar e relacionar aqueles que são necessários para a construção da análise. Ela enfatiza que este trabalho de contextualização múltipla deve ser feito pelos micro-historiadores. E dentro desta seleção, perceber que há várias maneiras de um ator histórico participar das dimensões analisadas, havendo diversas variações entre os níveis locais e globais. Assim, é possível identificar a ligação de um indivíduo com as demais instâncias que o rodeiam, reforçando como característica da micro-história a relação do individual, muitas vezes não notado, com o coletivo, e evidenciando que o indivíduo não é nulo.
Revel sustenta como método de trabalho da micro-história a construção do objeto de estudo por uma validação empírica. O que significa afirmar que a corrente micro-historiográfica se liga muito às fontes da pesquisa, aos diversos arquivos utilizados. Tal característica está diretamente relacionada com a questão contextual, já que são as fontes que contribuem consideravelmente para o entendimento de um determinado contexto.
A Narrativa é algo de extrema importância na prática micro-histórica. É importante neste trabalho contextualizar a retomada da narrativa na produção historiográfica, a partir da década de 70 do século XX para que em seguida possamos falar da sua utilização na micro-história.
Peter Burke, em sua obra, “A Escola dos Annales – A Revolução Francesa da Historiografia” aponta, a partir da viragem antropológica na escola francesa, o retorno da história política e da narrativa, possibilitados pelo amplo contexto da época, marcado por inúmeros acontecimentos e repercussões no campo social, como as diversas guerras – Vietnã, Afeganistão –, Crise dos Mísseis, Primavera de Praga, Revolução Cubana, Patrocínio de ditaduras e muitos outros, dentro de um mundo marcado pela bipolaridade política da Guerra Fria.
Essas reações dentro dos Annales se constituíram contra todo o determinismo adquirido pela escola, principalmente na segunda geração, com Braudel, quando se apoiavam numa visão negativista sobre a narrativa, considerada como algo não-científico, cuja sua eliminação é indispensável para o estatuto científico da História. O contexto social variado possibilitava assim a retomada de linhas de pensamento antes esquecidas. A prática da narrativa frente à história quantitativa, tendo como adeptos, por exemplo, Philippe Ariés, sem sombra de dúvidas é a mais marcante. Mais até do que a retomada da produção da história política, pois esta é trabalhada dentro da ótica da narrativa. É importante ressaltar que essa narrativa não é a mesma que foi combatida por Marc Bloch e Lucién Febvre, ou seja, a narrativa factual. A nova narrativa não se preocupa apenas com o texto escrito, mas sim com o caráter epistemológico do que é produzido. Há o intuito de atribuir sentido ao passado e a explicação de seus fenômenos.
E é esta nova narrativa que se manifestou em várias linhas historiográficas da época, mas tem um grande impulso na até então muito nova micro-história. Esta, como já abordado neste trabalho, surgindo a partir da crise de confiança na história social hegemônica, que não estava dando conta de entender os cada vez mais diversos fenômenos daquela década. Como a micro-história reduz sua escala de observação para tentar identificar aquilo que não foi percebido numa escala macro, a narrativa é primordial, pois por meio dela é possível obter uma descrição detalhada e minuciosa do objeto estudado. Por isso, a micro-história é narrativa. Ela foca o individual, o particular, com isso se volta para a narrativa.
Na micro-história a narrativa vai ter um papel fundamental, pois é através dela que o historiador consegue conectar os indícios encontrados nas fontes e ligá-los para explicar, contar o acontecimento. Ela constitui a própria explicação e esta pode ser variada, conforme a interpretação do historiador, pois o discurso permite varias formas de abordagens e visões sobre um mesmo indivíduo ou acontecimento analisado. O que quer dizer que uma história pode ser narrada pelas mais variadas formas.
A narração micro-histórica se preocupa com a forma na qual o objeto será exposto e a participação principal do historiador na construção e interpretação do mesmo. A preocupação em torno das anomalias do documento, pois ele é apenas uma reflexão do passado e não o passado em si.
Qual a diferença da narrativa do historiador e do romancista? Existe uma distinção, mas qual é? Não é somente a questão de uma ser ficcional e a outra não, até porque de certa de forma o historiador também cria e participa da invenção do próprio tempo. A principal distinção seria, então, que o historiador apesar de poder criar os acontecimentos, está sempre se embasando nas fontes para compor seu trabalho, por onde deve procurar se limitar, diferentemente do romancista ou ficcionista. Embora construa o fato, o historiador deve saber limitar a sua narrativa às possibilidades que o documento lhe oferece.
Mas diferentemente de uma concepção que via a narrativa histórica como um simples formulário, Jacques Revel bem falou que há formas expositivas na construção do objeto e os micro-historiadores se utilizam de diferentes métodos narrativos, como um inquérito judicial, no caso de “O queijo e os vermes” (Ginzburg), ou, como no caso e outra obra exemplificada também no texto de Revel, “Enquête sur Piero della Francesca” (Ginzburg), sendo uma espécie de trama policial. O micro-historiador possui preocupação em construir o seu objeto, conforme sua interpretação, e a escolha de uma forma expositiva da narrativa também pode ser relacionada como procedimento do projeto de pesquisa e experiência histórica.
O historiador Henrique Espada Lima, da UNICAMP, baseado nas discussões de Carlo Ginzburg, destaca o quão significante é a narrativa no trabalho micro-historiográfico. Ele foca no “paradigma indiciário” de Ginzburg e faz uma reflexão sobre a abordagem principal escolhida para o texto “O queijo e os vermes”. Esse livro chega a ser comparado por Henrique a um quebra-cabeça, algo que vai ser montado de forma bem minuciosa e detalhada. Caso uma peça se perca, o jogo não se conclui. “Cada peça é analisada e testada”. As freqüentes perguntas e hipóteses, que antes sofriam com certa insegurança sobre as respostas, tornam-se mais seguras por esta profunda análise. “Em termos narrativos, tanto a linearidade quanto a onisciência do narrador saem do livro abaladas. O ganho interpretativo, entretanto é inegável.”


"Os nexos entre história e narração faziam parte do argumento desenvolvido em sinais, no qual Ginzburg ligava diretamente a história a outras formas de inteligibilidade da realidade: o historiador, como o caçador primitivo, aprendia a capturar a partir de pistas, rastros muitas vezes fugidios os fios de uma narrativa." (p.102)


Ele leva em conta a questão do rigor na produção do conhecimento gerado pelos indícios. Outra questão ressaltada, dessa vez por Auerbach, é o tempo. Henrique expõe essa validação: “O tempo da cena se amplia na narrativa, todo o movimento que se vê nela é interior, realiza-se na consciência das personagens, presentes ou não à cena.” O texto parece que perde sua objetividade, o narrador ganha seu espaço na história que está sendo construída, “como quem duvida, interroga e procura.” Será que essa intenção de subjetivar, mesmo que de forma relativa, dará certo? Há alguma essencialidade ao definir a realidade propriamente dita nessa subjetividade presente no texto. As respostas estão na obra de Woolf: “A intenção da aproximação da realidade autêntica e objetiva mediante muitas impressões subjetivas, obtidas por diferentes pessoas, em diferentes instantes, é essencial para o processo moderno que estamos considerando.”
As narrativas inventadas no século XX são as mesmas utilizadas na atualidade, principalmente por favorecer as formas de raciocínio e de comunicação precisas pelo historiador, em prol da relevância de seu trabalho. A narrativa é algo indispensável para o historiador. Henrique deixa claro que cabe ao historiador escolher o modelo de narrativa a ser aplicado ao seu trabalho para a devida produção historiográfica, ao expor diversos autores que se utilizaram de recursos estilísticos em suas produções – como, por exemplo, Woolf, que se utiliza de uma linha literária romancista – entrando em concordância com visão de Jacques Revel sobre as formas de narrativa, algumas já citadas acima, quando falamos como era a narrativa das obras de Ginzburg. Mas é importante reforçar mais uma vez, conforme Ginzburg, que o historiador conheça sua limitação para não entrar no campo ficcional.
Essa narrativa é marcada por significativa especificidade, sendo bem mais detalhada e descritiva do que no âmbito da história das mentalidades, que possui um caráter mais generalizado. O reforço desta consideração é importante, uma vez que muitas pessoas, inclusive historiadores, caem no erro de confundir a micro-história com história das mentalidades.
Após Falarmos sobre a questão da narrativa, podemos concluir, a partir da visão dos autores apresentados, que a micro-história não se constitui somente por características como uma prática em que se reduz a escala de análise, mas que propõe a localização de rastros e ligação deste, através da linha traçada por aspecto narrativo. O historiador é um caçador, cada pista, sinal chega mais perto de sua presa (passado). Pois nada é dado, como diz Ginzburg, toda a pesquisa realizada ocorre a partir das fases construídas. Toda essa metodologia trabalhada em torno da Micro-história transforma-a em uma “congestão de revelações”, o que significa dizer que o historiador deve costurar as diversas pistas encontradas na sua investigação, o paradigma de indícios que o levarão a construir seu objeto. Objeto este não percebido por uma escala macro.
Assim, o objetivo da micro-história não é apenas localizar algo não percebido, mas fazer deste mesmo algo um instrumento de inteligibilidade interativa com um contexto maior, visando a construção social. Daí a importância do micro integrar o macro, uma peça do Puzzle, como Revel e Henrique Espada falaram. O micro aproxima o historiador do real e é justamente da junção do micro e o macro que se origina uma construção histórica completa, uma vez que riqueza e complexidade da micro-análise revela detalhes antes não percebidos um processo macro-analítico. Ou seja, o diálogo é estabelecido entra as instâncias gerais e específicas e a narrativa descritiva permite isso. E ainda que, como Revel afirma, ela faça frente à hegemônica história social, a proposta micro-histórica não visa o prejuízo do macro, mas busca tornar a análise histórica do social mais enriquecida através da reciprocidade das escalas e localização de contextos necessários à pesquisa proposta.
A forma de expor o conhecimento construído se dá através da narrativa, que como vimos, pode se utilizar de recursos literários e estilísticos variados, sendo isso também considerado uma forma experimental da construção histórica e intrínseca ao processo micro-análitico. Assim, podemos considerar a análise histórica da corrente micro como uma contribuinte para o conhecimento mais profundo da realidade social.

Referências Bibliográficas:

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BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. Editora Perspectiva: São Paulo, 1978.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929-1989: A Revolução Francesa da Historiografia. 2ª Edição. UNESP: São Paulo, 1992.

CARR, E. H. Que é História? Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1996.

DOSSE, François. A História em Migalhas. Dos Annales à Nova História. UNICAMP: São Paulo, 1992.

GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros – Verdadeiro, falso, fictício. Companhia das Letras, 2007.

LIMA, Henrique Espada. Narrar, pensar o detalhe: à margem de um projeto de Carlo Ginzburg. ArtCultura (UFU), v. 9, p. 99-111, 2007.

REVEL, Jacques. Jogos de Escalas – A Experiência da Microanálise. FGV: Rio de Janeiro, 1998.

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(REVEL): http://noticias.academia.cl/?p=974

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