domingo, 1 de abril de 2012

Por Rafael Oliveira

Oliveira Vianna é, desde os anos 1980, um dos intelectuais brasileiros cuja obra mais esteve em debate. Atualmente, suas obras são ferramentas de estudo em vários aspectos da sociedade. Jaime Ginzburg contrapõe Oliveira Vianna à Gilberto Freyre, no que se refere à abordagem da questão social. Em seu artigo, Ginzburg cita Lúcia Lippi Oliveira que diz que Vianna acreditava que a presença de negros era um fator de fragilidade. A mestiçagem deveria ser estimulada apenas se fosse o caminho necessário para uma maior purificação. Alexander Englander diz que Oliveira Vianna pode ser considerado um precursor do pensamento social brasileiro, devido ao seu livro Populações Meridionais do Brasil, de 1920, que é considerado por intelectuais contemporâneos como o marco inaugural de uma tradição de interpretação sociológica. Aliás esse livro foi o trabalho que consagrou Oliveira Vianna como historiador, e garantiu sua entrada no IHGB.
Porém nesse trabalho tenho como objetivo analisar o discurso de posse de Oliveira Vianna no IHGB em 1924. Segundo Angela de Castro Gomes , as questões centrais do discurso de Oliveira Vianna são: “o que é a História hoje?” e “Para que serve a História hoje?”.
Para responder essas perguntas, Oliveira Vianna formulou uma teoria onde existiriam duas histórias, uma velha e uma nova, que seriam diferenciadas a partir da colaboração de outras ciências, tais como as da natureza e as do homem.

"Os fenômenos históricos, senhores, já não se apresentam mais aos olhos dos modernos historiadores com aquela singela composição com que apareciam os olhos dos velhos historiadores. Para estes, os acontecimentos históricos, o desenvolvimento das nacionalidades, a grandeza e a queda dos impérios, a evolução geral das sociedades eram consequências da atuação de número limitado de causas e, às vezes, de uma causa única. Hoje, ao contrário do que presumiam estes espíritos simplistas, os fenômenos históricos se mostram tais como realmente são e como deveriam ser: extremamente complexos, resultantes que são, da colaboração de uma infinidade de causas, tão variados e múltiplos que, embora utilizando as luzes de todas as ciências, e aparelhada com incomparáveis métodos de pesquisa, a crítica histórica não consegue discernir e isolar senão uma certa parte deles, que nem sempre, aliás, é a maior parte." (Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 pp. 438-39).

Ou seja, enquanto para os velhos historiadores os fenômenos históricos eram “simples” e vinham de poucas causas, os historiadores novos viam os mesmos fenômenos como “complexos” e resultantes de várias causas. Portanto, esta complexidade do fenômeno histórico impunha ao historiador um vasto conhecimento em várias ciências, e Oliveira Vianna demonstra isso ao citar Henrique Berr quando o mesmo diz que “a complexidade das causas implica a diversidade do saber”. Ele nos diz que os historiadores modernos, para terem sucesso em seu trabalho, deveriam possuir o “enciclopedismo de Aristóteles”, por isso, para Viana, as sínteses históricas ultrapassavam as possibilidades de uma só pessoa, devendo ser realizadas pelas grandes instituições culturais, tal como o IHGB. Ele cita uma obra de síntese coletiva presidida por Henrique Berr onde pessoas de várias áreas participam: “só na primeira parte, que compreende apenas a Pré-História e a Antiguidade, colaboram cerca de trinta especialistas, todos representando as maiores sumidades da cultura francesa contemporânea”.
Viana diz que o mais simples fenômeno histórico está presente em um meio físico, e portanto depende das condições desse meio físico; também se opera dentro de um meio social, e por isso está subordinado ao meio social. Ou seja, nas palavras do mesmo, “isto equivale dizer que o mais simples fenômeno histórico exige para sua exata compreensão os subsídios de todas as ciências naturais, de todas as ciências antropológicas, de todas as ciências sociais”, pois elas trariam contribuição de valor incomparável para o entendimento desses fenômenos.
Ainda sobre essas ciências, ele destaca as sociais como as mais essenciais para compreensão das realidades do passado, devido aos seus métodos, princípios e dados objetivos. Angela Gomes nos explica que:

"O autor realiza uma clara hierarquização no interior do vasto conjunto de saberes que colaboram com a História, destacando, de forma muito especial, as ciências sociais, denominadas, talvez por prudência e elegância, de “ciências auxiliares”, seguindo uma tradição do que seria, em seus próprios termos, a velha História, que se queria a maior, senão única, ciência da sociedade."
(GOMES, Angela de Castro. “A República, a História e o IHGB”. Belo Horizonte, 2009. P.76)

No entanto, logo em seguida, Oliveira Vianna afirma que a ciência ainda não conseguiu formular as “leis gerais” que regulam a evolução das sociedades humanas, embora as mesmas existam. Assim um conjunto de obras particulares deveria integrar uma obra geral, “o que equivale dizer que a obra do historiador deve ser precedida pela obra do sociólogo, e que toda a explicação da vida das sociedades passadas implicaria necessariamente o conhecimento das leis que regulam a vida das sociedades atuais”. Podemos notar a importância que Oliveira Vianna dá para Sociologia, dizendo que somente através dela, o historiador poderia saber sobre o passado das sociedades, uma vez que os documentos não dizem tudo, não captam todos os aspectos dos acontecimentos, fixando-se às vezes em alguns pequenos aspectos. Ele dizia que além dos documentos, os historiadores deveriam se preocupar também com as conjecturas, que se dividem em duas modalidades:

"Há a conjectura arbitrária, pura obra de imaginação, sem ponto de pega nas realidades da vida, e há a conjectura disciplinada, apoiada e orientada no conhecimento das leis que presidem a estrutura e a fisiologia das sociedades humanas." (Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 p. 441).

Os velhos historiadores, quando colocados de frente com lacunas que os documentos não conseguiam preencher, apelavam à indução conjectural, mas precisamente à conjectura arbitrária, pois não possuíam nenhum principio cientifico, nem dado capaz de corrigir ou retificar a obra de sua imaginação. Os novos historiadores estavam aparelhados com elementos de informação para ratificar sua imaginação de maneira critica, e por isso reconstruíam com maior rigor cientifico possível as estruturas das sociedades antigas.
Angela nos diz então que:

"Em seu discurso, o autor defende, claramente, que a disciplina só alcançaria o estatuto de ciência moderna pela via da busca da objetividade, o que seria possível pela associação com a sociologia, voltada para a “evolução geral”. O trabalho com os “testemunhos de arquivos”, parciais e particulares, tinha que ser acrescido de “experiências complementares” trazidas pelas ciências sociais. Contudo, tal demanda por cientificidade, nesses novos padrões, não impediria que se reconhecesse na História uma “bela arte”.Ou seja, era o investimento na narrativa que a diferenciava das demais ciências sociais, que a singularizava e a capacitava para a operação de “ressurreição do passado”, tornando o trabalho do historiador complexo e desafiador. "(GOMES, Angela de Castro. “A República, a História e o IHGB”. Belo Horizonte, 2009. P.78)

Oliveira Vianna diz em seu discurso que:

"Ainda não pude perceber bem esta incompatibilidade entre ciência e arte, porque para isto seria preciso que houvesse incompatibilidade entre a verdade e a beleza. Nesse preconceito, eu vejo apenas uma reminiscência do que era a História antes da constituição das ciências sociais. [...] Estas podem dispensar e em regra dispensam, quando desenvolvem seus princípios, quando expõem as suas leis, quando formulam as suas conclusões, o auxílio das artes da ficção; mas a História não. Esta [...] justamente por ser uma ciência da evocação, versando matéria a que falta o encanto das coisas vivas, não pode dispensar o auxílio das artes da ficção. [...] Sem o encanto e a poesia que elas derramam, o passado interessaria apenas a círculo limitado de estudiosos [...] isto é, os próprios historiadores. [...] O que vemos, porém, não é nada disto; é justamente o contrário disso: [...] todos encontram nas obras históricas um interesse, uma sedução, um fascínio."
(Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 p. 442).

Assim, Oliveira Vianna tenta demonstrar que ao mesmo tempo em que a História é ciência – devido sua busca pela objetividade e cientificidade – é também uma arte, pois não servia apenas a um número limitado de pessoas, mas sim à todos que tivessem interesse. E é nisso que a História difere das outras ciências, ela tem um público amplo e diversificado, devido a sua forma narrativa.
Por isso a História interessava a todos os homens, ela tinha como utilidade a criação de um sentimento patriota e de uma “consciência coletiva” formados pela admiração ao contemplar um passado comum. A história aproxima o passado do presente, impulsionando o futuro. “Portanto, se a evolução de um povo tem condicionantes fortíssimos, sendo ‘o papel reservado à ação da vontade consciente modestíssimo’, isto é mais uma razão para potencializá-lo cientificamente, recorrendo-se às ciências e à História”. Assim sendo, Oliveira Vianna considera o “culto ao passado” um ponto de partida para a intervenção do homem na história, pois no passado podemos buscar as bases e inspirações para o futuro.

Qualquer ação política, portanto, para ter mais chances de êxito, necessitaria de uma sólida e científica compreensão dos determinantes de longo curso da evolução nacional. Segundo Oliveira Vianna, “o estudo exclusivo do presente, o estudo isolado da atualidade não nos poderá trazer esta revelação, só possível pela comparação das diversas etapas da marcha da nacionalidade ao longo dos caminhos da sua história”. Vianna nos dizia que todo grande movimento patriota era assinalado por um retorno ao passado e que toda ação impetuosa para o futuro era em admiração aos grandes ancestrais, uma vez que nunca antes o “culto do passado, o orgulho do passado, o sentimento do passado se mostrou também mais ardentes, mais vivazes, mais conscientes, mais profundos”.
Vianna termina seu discurso afirmando que passado e futuro são amplos, e que por isso mesmo, seriam sagrados para os historiadores. Em seguida cita Ernesto Lavisse, numa tentativa de mostrar o quão breve é o passado:

“Descobri que o passado é curto. Fiz esse cálculo cedo. O pai do meu tio-avô, que nasceu em 1764, quando reinada Luiz XV, conheceu ainda moço os contemporâneos de Luiz XIV. Os mais velhos destes tinham sido governados pelo cardeal de Richelieu; e não seria preciso uma grande série de homens, não mais que uns trinta octogenários para atingir o tempo em que Jesus Cristo veio ao mundo. Esta brevidade do passado deu-me um respeito pelo futuro imenso. Encontrei-me numa disposição de espírito, que mais tarde se fixou em mim. Porque se encontra no correr da minha vida, não é a razão para que eu julgue de um valor maior do que as passadas e as futuras”.
(Viana, RIHGB, t.96, v.150, 1924 p. 455).

Em suma, em seu discurso de posse, Oliveira Vianna ao tentar responder sobre as duas perguntas centrais de suas palavras, tenta nos mostrar a importância que os fenômenos históricos tinham na distinção entre a antiga história (que os via como simples) e a nova história (que os viam como complexos). Vianna nos diz que os antigos historiadores usavam da intuição para preencher as lacunas existentes, enquanto os novos, apoiados pelas outras ciências, tanto naturais, como humanas, se baseavam em documentos e fontes para preencher as mesmas lacunas quando essas viessem a existir. Angela Gomes nos diz que “seu discurso possui, sintomaticamente, no surgimento das ciências sociais – e de uma certa sociologia -, o critério de periodização entre uma velha e uma nova história”. Oliveira Vianna nesse sentido era diferente aos Annales, que buscavam fazer da História a mãe de todas as ciências sociais, a mais importante, abrangendo todas as demais. Já Vianna via a Sociologia e a História como iguais, uma vez ambos enquanto campos de saber eram complementares. Vianna durante todo seu discurso lança possibilidades sobre diálogos entre História e outras disciplinas, quem sabe numa tentativa de “quebrar as fronteiras” que impediam que as ciências sociais obtivessem resultados mais efetivos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMES, Angela de Castro. “A República, a História e o IHGB”. Belo Horizonte, 2009.
GINZBURG, Jaime. “Política da Memória no Brasil: Raça e História em Oliveira Vianna e Gilberto Freyre” In: Araucaria, primeiro semestre, ano/vol. 8, número 015. Universidade de Sevilla, Espanha pp.36-45; Disponível em: . Acessado em 06/11/2011 às 11:34.

ENGLANDER, Alexander David Anton Couto. O pensamento social de Oliveira Vianna e a cidadania no Brasil – de 1920 ao fim da década de 1940. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v.7, n. 2, p. 5-23, dez. 2009. Semestral. Disponível em: . Acessado em: 06/11/2011 às 10:47.
REVISTA DO IHGB, tomo 96. Volume 150. 86º ano, 5ª Sessão Ordinária, realizada em 11 de outubro de 1924. Discurso de Francisco José de Oliveira Vianna, 1924, pp.438-455. Disponível em: . Acessado em: 15/11/2011 às 12:06.

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