domingo, 7 de dezembro de 2014

"As Vésperas do Leviathan" de António Manuel
Hespanha, publicado no ano de 1994.
Por Vanir Junior:

O ponto principal deste texto é que Hespanha nos leva a uma problematização de contestação à ideia tradicional de absolutismo e formação do Estado Moderno. Este autor propõe a existência de uma pluralidade de centros de poder político e critica a ideia de total centralização. Pensar o Estado Moderno por esta ótica, segundo Hespanha, é um equívoco, pois, para ele, o controle político era difuso, não emanando apenas de um único centro.
Para Hespanha, a noção de centralização e absolutismo é uma abstração, pois, em sua visão, na prática, tais aspectos não se verificaram antes do século XVIII, já que, para isso, havia necessidade de um aparelho de poder altamente centralizado, que, segundo o autor, ainda não existia no século XVI. 
Com relação à sua pesquisa, que é referente a Portugal, Hespanha só verifica a formação de um aparelho de poder consideravelmente centralizado ou absoluto na época pombalina, ou seja, no século XVIII. Deste modo, nas vésperas disso, ou seja, nas vésperas do Leviathan (alegoria de Thomas Hobbes, o monstro para remeter a formação do Estado Absolutista), que remontam os séculos XVI e XVII, para Hespanha, não existia absolutismo.
Seu instrumental teórico-metodológico de análise se dá com base nos estudos do sistema de poder em Portugal para ver empiricamente como funcionava o poder na época moderna. Autor utiliza como conceito metodológico a ideia restritiva de poder político, por meio de uma contenção temática e critica a historiografia que empalideceu o aspecto de poderes políticos periféricos em Portugal. Neste sentido, o autor menciona outros autores como Eduardo d’Oliveira França e Paulo Merêa, que, em suas obras, apesar de trazerem novidades, como a identificação de instâncias de poder de cunho mais local, como os concelhos, acabaram não trazendo inovações ao entendimento do que tenha sido a centralização do poder em Portugal. Ambos acabaram focando no absolutismo ou centralização como total aniquilação dos poderes locais/regionais de cortes, concelhos e poderes nobiliárquicos/senhoriais de forma geral.
Assim, estes aspectos mais locais de poder como o regime senhorial, municipal, oficialato e poderes periféricos como um todo estiveram sem tratamento pela historiografia, mas que são decisivos, na visão de Hespanha, para o entendimento da lógica de Portugal, pois, para ele, o Estado Moderno Português se estruturou pela relação entre poder central e poderes periféricos.
Hespanha foca no pluralismo político-institucional do Estado Moderno Português e diz que o entendimento de Portugal como portador de um único centro de poder político é atribuído a uma historiografia positivista-estadualista, que encarou os pluralismos como “abuso” ou “ignorância”. Por isso, reproduz-se como incontestável a idéia de que a “centralização precoce” em Portugal acabou com toda a organização política regional/local. Estas foram as instâncias empalidecidas pela historiografia. Hespanha combate isto e, seguindo a linha de Max Weber, define o sistema político como portador de vários níveis de poder que se articulam e dialogam com um ponto central, estabelecendo equilíbrios sociais, numa relação de centro-periferia.
Deste modo, Hespanha vai contra a idéia de centralização. Indo para uma linha que converge com a de autores como Pujol e Pedro Cardim, Hespanha identifica em seu trabalho uma pluralidade de poderes que são permanências do período medieval (poderes locais de cunho patriarcal/feudal) que vão progressivamente se alinhado à formação do que se entende como Estado Moderno. Por vezes, esses poderes se adequaram ao centro por negociações. Mas, por muitas outras vezes, constituíam-se como empecilhos e restrições ao processo de centralização de poder. Pode-se aqui mencionar, como exemplo mínimo, concelhos e assembléias locais que possuíam uma espécie de auto-governo que elegiam seus oficiais de governo ou de justiça, militares, funcionários fiscais, etc.
Desta forma, o autor questiona uma completa mudança da época medieval para a moderna e foca nas permanências da primeira. Nega que o poder tenha sido emanado todo do Estado. Chama este ultimo aspecto de “paradigma estadualista” e critica isto. Tal paradigma marcou a historiografia do XIX, que tendeu a ser de caráter predominantemente liberal. Neste sentido, os historiadores adeptos desta corrente olharam para o Antigo Regime de maneira contrária: viram no mesmo a existência de um Estado totalmente autoritário e extremamente centralizado. Esta foi uma visão exagerada. Era como se todos os poderes emanassem apenas de um centro.
Outra face interpretativa deste “paradigma estadualista” é que o século XIX é também o momento da formação dos Estados nacionais e a historiografia deste período se volta justamente para a consolidação de tais Estados. Acabou-se estabelecendo uma busca no passado dos Estados Modernos, de maneira a estabelecer uma linha direta (nos moldes de uma historiografia positivista) entre os mesmos e os Estados do XIX. Hespanha chamou isto de “linha retrospectiva”.
Este modelo estadualista acabou trazendo como proposta historiográfica a centralização como algo incontestável. E é aí que entra a problemática de Hespanha, que dá foco aos vários níveis políticos e pluralidades sócio-políticas existentes no Estado Moderno. Entretanto, ainda somos, de alguma forma, herdeiros deste paradigma epocal do XIX, que tem esta visão de centralização, já que a visão estadualista dominou a historiografia pelo menos até a década de 50. Mas, Hespanha diz que não podemos entender o Estado Moderno unicamente pelo prisma da centralização ou de uma concentração de poder sem limites. 
De um modo mais geral, mudanças se deram no campo da historiografia com a obra de Otto Brunner, que salientou continuidades entre os sistemas medieval e moderno, como o senhorialismo e o patriarcalismo.
Já G. Oestreich chamou a atenção para que se abandonasse uma perspectiva de cima para análise da época moderna, pois existia uma extensa zona de autonomia política que o absolutismo não conseguia dominar/reduzir (zonas regionais e locais de poder político). Havia ainda um pluralismo bem estruturado e que só vai sendo superado de maneira lenta, mas não por uma total sujeição dos poderes locais e sim, muito mais, por um rearranjo dos mesmos. Assim, Oestreich defende que a centralização só existe em teoria.
 Oestreich aponta também que as estruturas burocráticas centrais não tinham correspondência a nível local e se constituíam de forma muito embrionária naquele momento. O oficialato moderno também era ainda de cunho muito patrimonial.
  Indo para o campo da História Social de nomes com Pierre Chaunu, há a denúncia por parte do mesmo da extraordinária fragilidade dos aparelhos de Estado. Na França, apenas 0,4% era o corpo social a serviço do Estado Monárquico.  Somente com o reforço de centralização feito pelo Cardeal de Richelieu e, posteriormente, por Mazarino é que o Estado se torna mais poderoso politicamente.
Assim, aprofundando a linha teórica iniciada pelos nomes citados (Brunner, Oestreich e Chaunu), Hespanha propõe uma renovação historiográfica, a partir do caso do Estado Moderno Português, para refutar o paradigma estadualista tão presente na historiografia tradicional (de nomes como Merêa e Oliveira França, mencionados no início deste texto). Deste modo, o autor visa evidenciar as várias relações entre poder central e poderes periféricos, bem como a pluralidade e os vários níveis e registros institucionais locais de poder que faziam parte da lógica de funcionamento do Estado Moderno. 

Referências Bibliográficas:

HESPANHA, António Manuel. As Vésperas do Leviathan: Instituições e Poder Político - Portugal - Séc. XVII. São Paulo: Alamedina, 1994, p.p. 21-41.

Site da Imagem: http://www.fnac.pt/As-Vesperas-do-Leviathan-Antonio-Manuel-Hespanha/a185982


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