quarta-feira, 19 de março de 2014


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 Por Guilherme Maggesissi



            Introdução:

            Pelo próprio título desse trabalho já observamos uma complexidade e uma incongruência na articulação entre os dois fenômenos que serão estudados e, que estão apresentados no título de tal estudo. Porém, tal trabalho pretende analisar a importante relação que esses dois elementos tiveram demonstrando que um desses elementos, contribuiu como um forte fator para que houvesse o surgimento e a manutenção do outro.
Logo, para isso, teremos que romper com todos os pressupostos que temos a respeito sobre o que nos é mostrado e o que sabemos do movimento skinhead e iremos  aprofundar nosso conhecimento sobre o início de tal movimento estudando quais eram as primeiras vertentes ideológicas e culturais que tal grupo mantinha em seu início, em 1969, e como a partir da década de 70, este grupo foi adquirindo estruturas cada vez mais xenofóbicas e racistas.
Com isso, no primeiro capítulo iremos estudar o surgimento do movimento skinhead, quais eram suas ideologias e seus hábitos culturais e quem eram as pessoas que faziam parte desse grupo. No segundo capítulo, irei falar sobre as raízes jamaicanas passando de colônia da Inglaterra para um país independente em 1963, e farei um paralelo com outro fenômeno que estava surgindo em tal país crescendo junto com a euforia da independência, que é o surgimento do estilo musical denominado ska.

 O movimento Skinhead

No início do filme Skinhead attitude[1], o vocalista da banda de Ska “Bad Manners”, Buster Bloodvessel, diz que um verdadeiro skinhead, deve “amar seus Doctor Martens, amar a música ska, ter a atitude correta em seu coração e na cabeça, tem que gostar de futebol... e o mais importante, que é ser antirracista”. Podemos perceber nesse discurso, de um homem que é um dos precursores do movimento skinhead na Inglaterra, uma afirmativa que vai totalmente contra todo o estereótipo colocado nesse grupo urbano, que há muito tempo tem sido taxado estritamente de neonazista pela grande mídia e até por produções cinematográficas. Porém, como surgiu o movimento skinhead e por que eles foram taxados como sinônimos de caos urbano e ascensão neonazista na Europa e no mundo? É o que iremos estudar nesse capítulo.

O início

O movimento skinhead surgiu na Inglaterra no ano de 1969 oriundo de um outro grupo de jovens que se denominavam “Mods” (abreviação de modernists). Esses Mods eram rapazes que gostavam de andar de lambreta, usar cabelo curto, escutar música negra (Soul, Ska, Rhythm and Blues) e brigar com os Rockers, entre outras gangues. Já no final dos anos 60, tal grupo havia se dispersado ficando de um lado, grupos de rapazes mais intelectualizados, culminando em bandas como Pink Floyd e The Who e do outro, jovens que usavam a cabeça mais raspada e eram mais agressivos que foram logo chamados de hard mods.
Outro fator que ocorreu na Inglaterra durante a década de 60, é que com a independência da Jamaica (1962) e a crise estabelecida em tal país, vários jovens migram para a Inglaterra em busca de emprego e uma melhor condição de vida. Esses jovens oriundos da Jamaica (Muitos deles fazendo parte de gangues denominadas rudy boys), começaram a frequentar os mesmos bailes de ska e reggae que os mods e logo, houve uma compatibilidade entre esses dois grupos que se juntavam para dançar ao som do ska, beber e frequentar os estádios de futebol.  No final dos anos 60 essas brigas protagonizadas pelos hard mods nos estádios de futebol criaram grande repercussão na imprensa que os apelidaram de skinheads nome no qual eles são reconhecidos até hoje.
Porém, o que podemos perceber a respeito desse início do movimento skinhead, é que ele além de sofrer grande influência da cultura musical negra, oriunda principalmente da Jamaica, é que também, muitos skinheads eram negros e andavam junto com os brancos curtindo o mesmo som, e indo as mesmas festas. Com isso, um fator principal no qual hoje esse grupo é lembrado nos tempos atuais (como um grupo totalmente formado por neonazistas), era algo fora de questão no início de tal movimento, e era o fator antirracista, que prevalecia em tal grupo, nos tempos lembrados por muitos skinheads tradicionais como o ápice do movimento, que se remete ao ano de 1969.

Década de 70, o punk e o Nacional Front

Na década de 70, há o surgimento do movimento punk, que faz com que muitos jovens dentre eles, jovens skinheads, aderissem ao novo movimento. Contudo, influenciados por bandas como Sham 69, U.K. Subs entre outras, há surgimento do termo designado como “Punk Oi” que foi massivamente aceito pelo grupo de skinheads, fazendo deste, um novo estilo agregado por esse grupo.
Outro fator que desarticulou a estrutura do movimento skinhead durante a década de 70, foi o surgimento de um partido de extrema direita, denominado National Front, tal partido implantou ideias xenofóbicas e racistas em muitos jovens na Inglaterra durante tal época, agregando a ele também, jovens skinheads. Logo, ocorre uma generalização feita através dos grupos midiáticos, onde afirmava que todos os skinheads eram nazistas, apesar de haver nessa época, inúmeras bandas de reggae, de skinhead reggae e de vertentes que vinham pregando o não preconceito; essa vertente ficou conhecida como “2 Tone” e estava vigente e vigorando no movimento skinhead da época.
Assim, o movimento que antes era majoritariamente sem nenhuma intenção racista e que absorveu forte influência da cultura negra e da cultura jamaicana, foi  corrompida em parte, por partidos políticos de extrema direita que trouxeram para sua causa alguns jovens skinheads, onde a imprensa, fez o resto do trabalho generalizante, atribuindo a todos os participantes do movimento, como sendo adeptos à  ideologia Nazi-fascista. Hoje em dia, o movimento skinhead é dividido em várias vertentes, porém, não podemos esquecer a importante influência que a cultura negra representou e ainda representa em tal movimento.

Acervo Pessoal

 Jamaica: Colonização e independência

A Jamaica é um país localizado na América central, colonizado desde o século XVII (1670), pela Inglaterra. Tal colônia, teve como principal atividade ao longo da colonização inglesa, o cultivo de cana-de-açúcar, onde para incentivar e para aumentar a produtividade de tal atividade, a Inglaterra promoveu um crescente fluxo de escravos para trabalharem nesse setor em tal região.
Segundo Richard Price em seu artigo Reinventando a história dos quilombos: Rasuras e confabulações[2], a Jamaica e no Suriname são os países onde existem as maiores populações remanescentes de quilombos. Essa informação, nos mostra o grande número de populações negras residentes no território jamaicano, que vieram trazidas para trabalharem no cultivo de cana-de-açúcar. Logo, a partir do século XIX a população negra jamaicana superou em número a população branca habitada em tal local, e em conjunto com o crescimento populacional da população negra, há também um aumento do número de reivindicações e de revoltas de tal grupo por melhorias em suas condições de vida, liberdade e fim da escravidão.
  
Ska e independência jamaicana

Reúnam-se ,  irmãos e irmãs. Nós somos independentes , somos independentes. Junte-se as  mãos, as crianças começaram a dançar. Nós somos independentes , somos independentes...[3]

Em 5 de agosto de 1962 a Jamaica obteve sua independência da coroa Britânica. O clima de euforia se espalha pelo país, surgindo uma maior valorização para a cultura e para o nacionalismo jamaicano. Dessa nova demanda cultural, o ska passa a ganhar maior notoriedade nas ruas e nos bailes jamaicanos, tal estilo musical surgido nos fins dos anos 50 passa a se tornar o som sinônimo do que é ser jamaicano a partir do momento que tal país conquista sua independência e passa a valorizar hábitos e elementos culturais oriundos de seu próprio país.
O ska que é um estilo musical derivado do R&B (Rhythm and Blues), de elementos africanos, de influência do Soul e da música negra dos Estados Unidos, e também de estilos musicais derivados das ilhas caribenhas, que acaba pegando tais influências e adquirindo características próprias, tornando-se o primeiro som legitimamente jamaicano.
Assim, o processo de independência se juntou com o agitado ritmo que era o ska, acarretando na euforia do momento e contribuindo para a ascensão de tal ritmo na Jamaica, logo inúmeras bandas surgiram mostrando seu trabalho. O ska passa a ser reconhecido por todo o mundo ganhando adeptos até na Inglaterra, onde grupos de Mods se juntavam para agitarem ao som desse novo estilo.
Outro processo que o ska desencadeou, foi o surgimento de um grupo de delinquentes juvenis jamaicanos que eram chamados de “Rudy Boys”, esses grupos de rapazes se reuniam para brigar e para curtir o ska nos bailes jamaicanos. Logo, com um processo de crise que irá se implantar na Jamaica, tais delinquentes irão migrar para a Inglaterra em busca de melhor condições de vida e lá, encontraram com grupos de hard mods, grupo no qual eles irão ver que tem muito em comum.

Rudy Boys. Fonte: Acervo Pessoal


Conclusão

        Logo, a partir do estudo sobre o surgimento do movimento skinhead e também, a partir de um estudo sobre a história jamaicana, percebemos que o processo cultural e o surgimento de tal grupo (os skinheads), visto hoje pela grande maioria como neonazista, não está ligado estritamente a história da Inglaterra, e que também não está ligado somente a história da Jamaica; tal grupo está ligado também a todo um processo histórico que vem desde o momento em que os negros vieram pra Jamaica para trabalharem no cultivo de cana-de-açúcar. É no navio negreiro que chega toda população ascendente que irá desencadear um processo contestante e cultural proporcionando o surgimento do ska, o processo de independência jamaicana, e a própria cultura jamaicana que irá se espalhar pelo mundo.
            É da cultura negra que surgirá elementos fundamentais para o surgimento de tal estilo musical e de todos os seus derivados. Com isso, tais fatores que parecem tão longe um do outro, que é o movimento skinhead e o navio negreiro, estão ligados por um traço histórico, e reduzir tal movimento a um fenômeno estritamente ligado ao nazi-fascismo é algo de extrema ignorância sobre o assunto. Logo, os traços históricos que unem o movimento skinhead e toda a cultura e a história oriundas do navio negreiro, não serão apagados enquanto houver estudiosos curiosos em saber mais sobre as origens de determinado assunto e, um compromisso com a verdadeira história.

Acervo Pessoal


Referência bibliográficas

MARSHALL, George. Espírito de 69: A bíblia skinhead. Inglaterra: Trama, 1993.
PRICE, Richard. Reinventando a história dos quilombos: Rasuras e confabulações. Disponível em: http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n23_p241.pdf. Acesso em: 16/02/2014, 15:33:30.
VASCONCELOS, Wilson Santos de. Skinheads: O movimento e suas dissidências. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/43926406/Skinheads-o-movimento-e-suas-dissidencias. Acesso em: 16/02/2014, 18:09.

Referência Conematográfica:

SKINHEAD Attitude. Produção de Werner Schweizer. Produtora: Valentin Greutert. Suíça, França e Inglaterra:  , 2003. 1 videocassete.
LA HISTÓRIA del reggae. Produção: BBC. Londres. 2002. 1 videocassete.
           
           








[1] SKINHEAD Attitude. Produção de Werner Schweizer. Produtora: Valentin Greutert. Suíça, França e Inglaterra:  , 2003. 1 videocassete
[2] PRICE, Richard. Reinventando a história dos quilombos: Rasuras e confabulações. Disponível em: http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n23_p241.pdf. Acesso em: 16/02/2014, 15:33:30.
[3] Derrick Morgan. Música: Forward march. 1962

2 comentários:

  1. Gostei muito do texto. Fico agradecido por ter sido referenciado. Abraços!

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  2. obrigado, seu trabalho foi de extrema importância para o desenvolvimento de tal trabalho, pois tal assunto é pouco utilizado no meio acadêmico!

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