sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Por Vanir Junior


Jérôme Baschet, professor da Universidad Autónoma de Chiapas, no México, em seu livro, “A Civilização Feudal: Do ano Mil à Colonização da América”[1], propõe sintetizar o que foi a sociedade medieval, sobretudo, o período do feudalismo por uma nova ótica reflexiva.
O autor preza por uma análise crítica a respeito da civilização feudal, sendo seu viés a concepção de “Longa Idade Média” (o que demonstra a influência de nomes como Jacques Le Goff em seu trabalho), afirmando que tal civilização não se restringiu à Europa, mas se estendeu às conquistas hispânicas na América, que seriam portadoras de uma herança de valores típicos da sociedade feudal.
O livro de Baschet se divide em duas partes totalizando dez capítulos. A primeira delas – dividida em quatro capítulos – traz informações e conhecimentos de base sobre a formação da sociedade medieval, utilizando para tal compreensão duas palavras-chave: feudalismo e Igreja[2]. É nesta primeira parte também que o autor trata da questão principal do livro ao fazer a “junção entre Europa medieval e a América Colonial” [3].
A segunda parte – com seis capítulos – tem como proposta compreender, de forma mais aprofundada, os aspectos e mecanismos que compunham a sociedade feudal, bem como suas estruturas mentais/culturais mais fundamentais. Há o considerável enfoque nas mentalidades[4], com a abordagem de temas como o tempo, o espaço, moral, imagem, entre outros[5]. O objetivo é compreender o universo medieval sem, contudo, dissociar em tal processo elementos como economia, religião, sociedade e política[6].
É possível dizer que Baschet, em sua análise, preza por uma idéia de continuidade a respeito da Idade Média – já que a propõe como longa – e vê a periodização como algo artificial. O autor propõe romper com o quadro habitual que vê o fim do período medieval em 1453. Para ele, as convenções sociais feudais permaneceram durante muito tempo não só na Europa, como também nas terras americanas, que herdam a muito do quadro sócio-cultural medieval. Os conquistadores da América estavam imbuídos de uma visão medieval.
Neste sentido, o autor se refere a uma permanência estrutural do “essencial do feudalismo[7]. Baschet defendeu, por exemplo, a existência de "feudalismo" na América colonial, sobretudo, no México, uma vez que houve a continuidade do essencial das estruturas feudais adaptadas à realidade colonial, a partir do papel fundamental de dominação/estruturação da Igreja, juntamente com uma série de relações políticas entre uma camada aristocrática (o que fica claro no sistema das encomiendas e repartimientos) e a monarquia. Referente a este último aspecto citado, por mais que tenha havido modificações na relação monarquia e aristocracia no período considerado moderno, para Baschet isso não foi suficiente para se romper a lógica feudal.
Sobre esta análise, o autor dedica o último tópico do capítulo IV da primeira parte do livro, dizendo que o feudalismo não é imóvel, mas, sim, apresenta dinamismo para modificações. Fala, desta forma, de um feudalismo colonial. Estabelece, assim, um quadro comparativo da Europa feudal com a América colonial para comprovar sua hipótese de continuidade de estruturas feudais no mundo colonial americano[8].
Não é possível falar propriamente de uma relação de dominium, ou seja, de uma fusão de poder sobre terras e homens[9]. Entretanto, a estrutura da encomienda, excetuando-se esta noção do dominium, de resto, constituiu-se como um elemento feudal – na visão de Baschet – já que era concedida por uma autoridade superior como recompensa por serviço prestado, reproduzindo parcialmente a dominação feudal em solo colonial americano.
Referente à Igreja, há quase que um completo predomínio da estrutura eclesiástica medieval na América. É possível falar da riqueza da Igreja, de suas terras, dos processos de evangelização/luta contra o paganismo, o culto dos santos (que substituíram cultos indígenas), entre outros. O papel da Igreja no mundo colonial foi quase que igual ao do mundo medieval, se impondo como reguladora religiosa, cultural e moral da sociedade, por meio da sacralização da mesma.
Assim, Baschet fala da existência de um “feudalismo tardio e dependente”[10], que, mesmo tendo especificidades próprias do contexto americano (afinal, a cultura americana não se anula em favor da européia, como no caso da persistência de crenças antigas que continuaram sob roupagem cristã ou ídolos e cultos escondidos nos fundos das igrejas), manteve o principal referencial político da Europa medieval, uma vez que era ela quem transferia as referências feudais ao mundo colonial.
Desta forma, é possível dizer que, ao mesmo tempo em que defende uma longuíssima Idade Média, Baschet a transpõe para lógica de colonização americana. Para o autor, os conquistadores espanhóis, guiados pelo espírito da Reconquista e a conquista de novos territórios, possuem uma visão de mundo impregnada de valores medievais[11], tendo como principal objetivo a cristianização/evangelização dos territórios conquistados.
Assim, o autor propõe que a passagem da Idade Média para a Idade Moderna deve ser repensada, pois não há um corte incisivo entre as épocas. Há uma junção em que elementos medievais permanecem durante muito tempo e as continuidades são várias: ritos de sagração dos reis, a sociedade estamental, a influência/dominação da Igreja, tendo tais estruturas permanecido até o século XIX[12]. O próprio movimento de Reconquista é medieval e em terras americanas os conquistadores tiveram como padroeiro Santiago Matamoros[13].
Ao falar de uma herança medieval no México, Baschet faz críticas aos estudos de Luís Weckman, pois o mesmo se limita a isolar aspectos que são similares tanto na sociedade medieval, quando na sociedade colonial, listando-os de forma semelhante a um catálogo. Isso impede uma análise profunda da dinâmica que une o mundo medieval ao mundo colonial mexicano[14].
O autor também critica Weckman no sentido de dizer que o mesmo permanece aprisionado ao tradicionalismo de uma oposição entre Idade Média e Moderna, dizendo que, em meio à difusão das idéias renascentistas, a Espanha permanecia medieval e atrasada, enquanto o resto da Europa já era “moderno”. Baschet, além de discordar que a Espanha fosse atrasada – uma vez que foi uma das pioneiras a se lançar no processo de conquista da América, além de Fernando de Aragão ser considerado como modelo de príncipe para Maquiavel – nega que renascimento tenha provocado total ruptura, já que a tal idéia (ou seja, a de renascimento) é algo que remonta ao período medieval, estando suficientemente “longe de marcar o fim da Idade Média”[15].
É provável que o grande problema da obra de Baschet esteja no sentido de que, ao focar esta noção de “Longa Idade Média”, acaba desconsiderando a existência de algumas rupturas no processo. O autor não as nega, mas praticamente não as enfatiza. Desta forma, o artigo de Ana Carolina Almeida, intitulado como “Pensando o fim da Idade Média: a longa Idade Média e Le Goff e a colonização da América de Baschet”[16] trata, em partes, desta questão.
Enfatizando que Baschet foi o discípulo de Le Goff que mais levou à frente a idéia de “Longa Idade Média”, Ana Carolina diz que historiadores como Guy Lobrichon não aceitam “o prolongamento da Idade Média para além do século XVI”[17], justamente pela existência de rupturas – que acabaram não tendo muito espaço no trabalho de Jérôme Baschet – em pontos centrais que constituem o medievo.  Ana Carolina ressalta que uma das principais rupturas foi a Reforma Protestante, desencadeando mudanças nos planos de dominação religiosa da Igreja Católica.
Outro ponto importante levantado por Ana Carolina é a questão da formação dos Estados Nacionais[18], que acaba resultando na subordinação das igrejas que estavam em territórios dos países em processo de formação. É importante ressaltar que a Igreja Católica, na figura da Igreja de Roma, pelo menos desde o fim da antiguidade, aspirava a formação de uma Respública Christiana. Ou seja, seria a formação político-religiosa em que a Igreja de Roma se tornaria a chefe de uma teocracia papal, situação em que todas as igrejas e instituições temporais -
monarquias - estariam subordinadas ao poder do Papa.
Com a centralização dos Estados Modernos, este sonho universalista papal não se concretizou e a Igreja passa, de certo modo, a ficar num status mais contido, tendo o papado – como ressaltou Ana Carolina – que obedecer determinadas imposições referente às taxações, exercícios jurídicos, entre outras.  
           




[1] BASCHET, Jerome. A Civilização Feudal: do Ano Mil à Colonização da América. São Paulo: Editora Globo, 2006
[2] Ibidem. p. 46
[3] Ibidem. p. 46
[4] Ibidem. p. 46
[5] Ibidem. p. 46
[6] Ibidem. p. 46
[7] Ibidem. p. 18
[8] Ibidem. p. 282
[9] Ibidem. p. 283
[10] Ibidem. p. 293
[11] Ibidem. p. 28.
[12]  Ibidem. p. 44.
[13] Ibidem. p. 27.
[14] Ibidem. p.  31.
[15] Ibidem. p. 45
[16] ALMEIDA, A. C. L. Pensando o fim da Idade Média: a longa Idade Média e Le Goff e a colonização da América de Baschet  In: Revista Tempo de Conquista. RTC 7, 2010.
[17] Ibidem. p. 13
[18] Ibidem. p. 13

Referências Bibliográficas:

ALMEIDA, A. C. L. Pensando o fim da Idade Média: a longa Idade Média e Le Goff e a colonização da América de Baschet  In: Revista Tempo de Conquista. RTC 7, 2010.

BASCHET, Jerome. A Civilização Feudal: do Ano Mil à Colonização da América. São Paulo: Editora Globo, 2006

6 comentários:

  1. Alguem pode por favor me ajudar a fazer um resumo apenas sobre o primeiro capítulo?

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  2. Síntese incrível! E ainda relacionou a outras abordagens historiográficas, muito agradecida

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