Por Leonardo Bispo Santos
Francisco de
Oliveira tem como objetivo em seu texto publicado nos estudos CEBRAP - edição datada de 1972, “contribuir com uma revisão do modo de
pensar a economia brasileira”, abordando a fase em que a industrialização
ganhou lugar preferencial para o sistema do pós-Revolução de 1930.[1] Essa revisão pretendeu acrescentar perspectivas
que segundo o autor, em muito foram desconsideradas por análises
“economicistas” e que por isso, precisariam ser trazidas à análise as
variáveis da política e as condições políticas do sistema da época. Oliveira
faz então logo no início de seu texto, uma afirmação que explica a inserção de
aspectos como a política em seu texto, argumentando que “O ‘economicismo’ das
análises que isolam as condições econômicas das políticas é um vício
metodológico que anda de par com a recusa em reconhecer-se como ideologia”. [2] Podendo o leitor do texto, através dessa
afirmação, fazer uma pergunta bastante importante: A quem serve essa ideologia?
Pois a alguém ela serve.
Após a brecha
para a reflexão, o autor inicia sua argumentação criticando e mostrando a sua
insatisfação quanto às interpretações sobre o pensamento socioeconômico
latinoamericano desenvolvido pela vertente ‘cepalina’, que jazia presa à
dualidade analítica, reforçando ainda, que seu trabalho vai no sentido oposto à
referida interpretação. Oliveira reconhece e nomeia o fenômeno das
interpretações ao estilo CEPAL, como também os seus fracos e
colaboracionistas opositores, como sendo de “arsenal marginalista e
keynesiano”, “comprometido com o ‘status quo’ econômio, político e social da
miséria latinoamericana”, configurando-se como acríticos papagaios de modelos
apreendidos em universidades anglo-saxônicas. [3]
Depois de
identificado e nomeado os “autores”, Francisco de Oliveira inicia a sua crítica
ao pensamento dualista idealizado por eles. Vai dizer que o
conceito de subdesenvolvido, com sua oposição polar de um setor “atrasado” para
um setor “moderno” não se sustenta no plano da realidade, pois a mesma é
constituída por uma “simbiose” e “organicidade” entre as duas. Mantendo esse
sistema, uma “unidade de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se
alimenta da existência do ‘atrasado’ [...]”. [4] Esse
“atraso”, como suscita o autor, seria uma “produção” da expansão do
capitalismo, tendo o “subdesenvolvimento” latinoamericano se configurado para
atender as necessidades por “uma reserva de acumulação primitiva do sistema
global”. [5] Termina então, Francisco de
Oliveira, essa primeira parte do texto indo direto a pergunta de, “A quem serve
o desenvolvimento econômico capitalista do Brasil?”. Que a mesma explicita que
a teoria do subdesenvolvimento foi uma ideologia que serviu a interesses de uma
nova classe hegemônica nacional de burgueses industriais, que classificaram o
desenvolvimento econômico capitalista do Brasil como de “interesse nacional”.[6]
No segundo ponto
do texto, Francisco de Oliveira vai abordar “o fim da hegemonia
agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base
urbano-industrial”, iniciado pela “revolução burguesa não clássica” da
Revolução de 1930.[7] Em sua argumentação será
apontado que “a reformulação do aparelho e da ação estatal”, como a
regulamentação do trabalho e do preço do mesmo, serviu para destruir o modelo
econômico agro-exportador e para introduzir um novo modo de acumulação
dependente substancialmente de uma realização interna. [8] Nisso,
a regulação entre o trabalho e o capital ocorrida através da CLT foi de extrema
importância, pois serviu não como uma “medida artificial” ou “medida
redistributiva” getulista, mas sim como uma medida que servia ao novo modelo de
acumulação instalado a partir de 1930. Tal modelo funcionou com a implantação
de um “salário de subsistência”, que atendia as necessidades da reprodução do
capital e formava o “exército de reserva”. Proporcionando assim, a liberdade do
capital de se ver livre da ampla concorrência, de poder igualar os salários e
de instaurar novas relações de trabalho no campo, fazendo com que trabalhadores
migrem para as cidades, alimentando o seu “exército de reserva” ao mesmo tempo
em que enfraquecia a formação de classe entre os trabalhadores. [9]
Nesse esquema bem
arranjado, a “pré-capitalista” agricultura não estaria ‘fora de jogo’, mas sim
inserida como parte do “desenvolvimento”. Atuando em conjunto com o setor
emergente ela seria “mantida” e não estimulada, proporcionando através de seu
“atrasado” sistema trabalhista constituído por mão-de-obra extremamente barata,
além da migração de trabalhadores do campo para a cidade, uma produção de
alimentos baratos para o consumo dos trabalhadores da cidade, que esses dois
pontos em conjunto, resultavam em salários mais baixos e colaboracionistas com
a acumulação industrial emergente. [10] E
isso tudo aliado ao formato do Estado como regulador da economia, atuando de
forma a pôr o modelo industrial no centro do sistema e estimulá-lo.[11] Enquanto que a estabilidade desse sistema
estaria calcada no processo de acumulação pelo setor industrial, que por sua
vez estaria calcado na formação e expansão do “exército de reserva” da cidade
somado à precarização do trabalhador do campo, demonstrando esses fenômenos,
que na realidade são uma unidade e não antagônicos. [12]
O autor continua
com suas críticas às análises do CEPAL, indagando que diferentemente de como foi
tratado pela comissão e por Celso Furtado, a indústria “nunca precisou do
mercado rural como consumidor”, pois sua orientação sempre foi para os mercados
urbanos e para o seu modelo de crescimento industrial acontecer é necessário o
setor do “atraso” e seu “proletário rural” reorganizado em simbiose de forças
com o setor industrial. [13] A partir disso,
entende-se então “que a industrialização sempre se dá visando, em primeiro
lugar, atender às necessidades da acumulação e não às do consumo.” [14]
Oliveira chama
também a atenção para a questão do crescimento do emprego dos serviços ou do
Terciário, acusado de “inchado” erroneamente, pois na realidade seria ele um
crescimento que atendia a industrialização e a acumulação urbano-industrial,
necessitada de infraestrutura e serviços que as cidades da época ainda não
podiam cobrir. [15] Nesse contexto, serviços
subalternizados e a intensa exploração da força de trabalho, se dão devido e
para servir à acumulação e concentração de capital, alavancada com o “avanço”
do “moderno”, ou seja, da industrialização. Essa exploração se dá em dinamismo,
em que podemos ter como exemplo, o alto padrão de vida da classe média cerceada
por “todo o tipo de serviços pessoais ao nível da família”, em que explora
sobretudo a mão-de-obra feminina. Outro exemplo também seria a ocorrência do
“trabalhador ambulante” e dos serviços realizados entorno aos bens de consumo
duráveis, como o autor cita, a cada vez mais recorrente lavagem braçal de
automóveis, que por sua vez se encontra com a frota cada vez mais numerosa. [16] Constatando então o autor, que enquanto que o
consumo pessoal cresce e a indústria recupera o seu dinamismo, ao mesmo tempo a
renda se torna ainda mais desigual, explicitando a relação próxima de
completude entre o “moderno” e o “atraso”.
Em sua terceira
parte e última a ser abordada nesta resenha, Francisco de Oliveira argumenta
que referente à articulação interna, diante da substituição das classes
hegemônicas agro-exportadoras pelas urbano-industriais, “as classes
trabalhadoras não tinham nenhuma possibilidade nesta encruzilhada”. Já diante
da articulação externa, devido à crise de 1929 e o fim da II Guerra Mundial, o
cenário internacional se configurou de tal modo a “obstaculizar” a articulação
que vinha sendo feita no Brasil, pois seria reativado “o papel de fornecedor de
matérias-primas de economias” deste país. Devido ao medo e da
investida de se barrar o avanço do socialismo nos “países já desenvolvidos”,
os recursos que poderiam ser aplicados nos países não-industriais foram
desviados para a estratégia principal de reconstrução e blindagem dos países
industriais. Com isso, é reservado e continuado por muito tempo aos países
não-industriais, o lugar de produtor de matérias-primas e produtos agrícolas, o
que significava para o Brasil a “estagnação e reversão à economia
primário-exportadora”. [17]
Apesar do
“sentido político mais profundo” da revolução burguesa não-tradicional era o de
mudar a estrutura de poder, colocando-se ela como a elite hegemônica, acabou
ela por enfrentar uma conjuntura externa adversa. Dentro dessas tensões, o
populismo se configurará como um operador da adequação entre o “arcaico” e o
“novo”, fundando novas formas de relação entre o capital e o trabalho. Nascendo
então, um “pacto de classes”, devido à necessidade, além de uma pressão de
massas, da burguesia industrial impedir que a economia retornasse ao modelo
anterior aos anos 1930. [18] Oliveira destaca
ainda, que apesar do pacto e a legislação do trabalho também serem fruto de
reivindicações das massas, ele serve mais aos interesses do acumulo de capital
industrial do que ao interesse dos primeiros. A legislação do trabalho serviu
para “expulsar” o custo da reprodução de trabalho da tutela das empresas, pois
o salário-mínimo passaria a ser o compromisso máximo que as empresas teriam com
os trabalhadores, podendo elas então, se concentrarem na acumulação e
crescimento de sua produção. [19]
Com isso, vimos
através do texto que o autor nos oferece uma possibilidade de interpretação e
crítica ao modelo ideológico dual comumente aceito. Diante das teses aqui
demonstradas e comprovadas, tal modelo interpretativo não se sustenta, pois o
capitalismo moderno, segundo o autor, se desenvolveu alimentando-se de formas
socioeconômicas atrasadas, mantendo assim, as suas taxas de lucro e acumulação,
não sendo então o “desenvolvimento” capitalista necessariamente o inverso do
“atraso” econômico.
* O texto foi resenhado somente até a página 30, compreendendo esta resenha aos capítulos 1 - Uma Breve colocação do problema; 2 - O desenvolvimento capitalista pós-anos 30 e o processo de acumulação; e 3 - Um "Intermezzo" para reflexão política: Revolução burguesa acumulação industrial no Brasil. Não compreendendo então aos capítulos 4 - A aceleração do plano de metas: As condições da crise de 1964; 5 - A Expansão pós-64: "Nova Revolução econômica burguesa" ou Progressão das contradições?; e 6 - Concentração de renda e realização da acumulação: As perspectivas críticas. Ao todo, com todos os capítulos, o texto original alcança até a página 82.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
OLIVEIRA, F. de. A Economia Brasileira: Crítica
à Razão Dualista. São Paulo, Estudos CEBRAP, n. 2, 1972. pp.4-40.
REFERÊNCIAS DAS IMAGENS:
Imagem 1: Capa de uma das edições do livro.
Obtida no site Mercado Livre. Link da imagem: http://bimg2.mlstatic.com/livro-a-economia-brasileira-critica-razo-dualista-francis_MLB-F-3801889565_022013.jpg
Imagem 2: "Orelha" do livro. obtida no
site Mercado Livre.
Link: http://bimg2.mlstatic.com/livro-a-economia-brasileira-critica-razo-dualista-francis_MLB-F-3801890002_022013.jpg
[1]OLIVEIRA, F. de. A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista.
São Paulo, Estudos CEBRAP, n. 2, 1972. P. 5.
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