sexta-feira, 21 de março de 2014

Por Rafael Oliveira

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A República Federativa Socialista da Iugoslávia era formada por seis repúblicas – Bósnia e Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro, Sérvia – e por duas províncias autônomas – Kosovo e Vojvodina. A Iugoslávia foi formada[1] com o intuito de comportar os eslavos do Sul, órfãos do império Austro-Húngaro[2], após a sua derrota e extinção ao fim da Primeira Guerra Mundial. Assim, a Iugoslávia (Iug, significa sul enquanto Slav, significa eslavos) foi o local onde vários grupos de pessoas com cultura e costumes distintos[3] tiveram de conviver harmonicamente, sob o mesmo governo e no mesmo Estado.

Durante 35 anos, o país viveu em “clima de paz”[4] sob o comando de Josip Tito, um dos líderes do Partido Comunista, responsável pela estruturação e aplicação do socialismo no país. Porém, quando da morte de seu líder, em 1980, as repúblicas começaram a ganhar maior autonomia em suas ações[5]. Uma década depois, o país enfrentava uma guerra civil onde várias repúblicas buscavam sua independência. Diante disso, tentaremos, nessas poucas linhas, apontar fatores que podem ter sido responsáveis pela desintegração da Iugoslávia.

A questão econômica

Paralelamente a morte de Tito, a economia do país entrou em uma grande crise[6]. Porém a crise econômica, não foi sentida em igual proporção em todo o país.

Omar Ribeiro Thomaz nos diz que

Desigualdades econômicas entre as distintas repúblicas e regiões criaram imensas disparidades entre as mais “ricas” – mais próximas da “Europa Ocidental” – e as mais “pobres”. A Eslovênia e a Croácia ostentavam melhores índices de emprego e qualidade de vida, enquanto a Macedônia e, sobretudo, a província de Kosovo — de maioria albanesa — registravam índices que as aproximavam dos países do Terceiro Mundo. [7]

 Essa situação propiciou o surgimento de novos personagens no cenário político das repúblicas e do país. Um desses personagens foi Slobodan Milosevic.
Milosevic.
 http://www.slobodan-milosevic.org/images/milosevic-1.jpg
Milosevic vinha motivando o nacionalismo sérvio, ao alegar que embora a república tivesse um terço da população do país, tinha apenas um oitavo do poder na federação[8]. Ele queria a centralização do poder na Sérvia, criando o que ele chamou de Grande Sérvia.[9] Tal situação fomentou as teorias nacionalistas dos diferentes grupos existentes no país.[10] Embora a Iugoslávia ainda existisse, cada vez mais as pessoas se autodefiniam pelo seu grupo étnico, e não mais como iugoslavo.[11] Vizentini nos diz que

[...] devido ao desgaste político-ideológico do socialismo e ao temor das minorias sérvias que viviam nas demais repúblicas, bem como por reação ao crescente nacionalismo destas, um número cada vez maior de sérvios evoluiu para posturas nacional-chauvinistas. Assim, as identidades étnicas foram sendo construídas (ou reconstruídas, em alguns casos) com fins políticos pelos líderes, encontrando terreno fértil devido ao caos social. [12]

            Tito conseguia balancear os interesses das várias repúblicas em prol do todo Iugoslávia.[13] Quando de sua morte, e com a grave situação econômica que assolou todos os países socialistas, os movimentos separatistas começaram a ganhar força graças a discursos de líderes carismáticos, como Kucan na Eslovênia e Tudjman na Croácia.[14] Aproveitando o momento de crise no país, a proximidade do Ocidente, o fato de serem repúblicas mais ricas do que as demais, e o apoio de alguns países – como a Alemanha[15] – , eles decretaram a independência de suas repúblicas da federação iugoslava, em setembro de 1991.[16]
Estava decretado assim, o começo do fim da Iugoslávia.

A questão étnica

A mídia que cobria o processo de desintegração da Iugoslávia atribuía ao caráter da diferença étnica o principal fomentador do processo.[17] Jurandir Soares segue a mesma linha, dizendo que nos Bálcãs havia “conflitos de natureza étnica e religiosa”.[18] Porém, Vizentini discorda de tal razão:

É o que o politólogo Mette Skak denominou criticamente de “teoria da bela adormecida”, que define o conflito como um confronto étnico, o qual teria sido reprimido pelos comunistas e, com o enfraquecimento destes, simplesmente teria despertado. A esse respeito, há que se considerar que os grandes povos da Iugoslávia pertencem ao mesmo grupo étnico, e suas diferenças são menores do que se apregoa.[19]
Robin Blackburn vai na mesma vertente ao dizer que
as paixões que animaram esse desastre não podem ser atribuídas apenas, nem mesmo primordialmente, a antigas inimizades. Embora estas tenham desempenhado seu papel, receberam uma nova e potente virulência, temeridade e desespero de fúrias modernas tais como desenvolvimento violentamente desigual, hiperinflação, desemprego em massa, programas de austeridade, demagogia da mídia, militarismo, corrupção política, totalitarismo étnico e aquele frenesi intolerante de maiorias instáveis que se poderia chamar de demência democrática.[20]
Vizentini completa:
Os sérvios e os bósnios de hoje pouco têm a ver com os da Idade Média. A adesão popular aos micro-nacionalismos ou aos nacionalismos tribais e sua disposição para seguir líderes “fanáticos” ou mesmo cometer crimes são uma consequências do colapso das instituições e dos movimentos políticos da modernidade. Enfim, são uma terrível manifestação de populações ameaçadas pelo medo. O caráter étnico representa a forma de um conflito social, político e econômico em um mundo em desmoronamento.[21]
            Assim, podemos perceber que não há consenso na historiografia sobre a importância da questão étnica na desintegração da Iugoslávia. Enquanto alguns, como Jurandir Soares, acreditam que o conflito teve como principal fomentar questões étnico-religiosas, outros como Blackburn e Vizentini veem importância na questão étnica, mas apontam outros fatores que motivaram a guerra civil.
            Não podemos negar que a questão étnica foi utilizada durante o confronto, onde todas as repúblicas realizaram verdadeiras “limpezas étnicas” embora só a Sérvia seja vista como vilã na história.[22] Porém, resumir à questão étnica um conflito que envolve vários aspectos da sociedade iugoslava parece simplificador demais, além de negar que aspectos econômicos, sociais e políticos são importantes para se entender todo o processo.

A questão internacional

             Um dos fatores importantes para se entender o fim da Iugoslávia, é a ação internacional. Como já dito anteriormente, a Croácia e a Eslovênia tiveram apoio da Alemanha na proclamação de independência. Nas palavras do chanceler alemão Kohl,

Nós conseguimos nossa unidade através do direito de auto-determinação. Se nós alemães pensamos que tudo o mais na Europa pode ficar como está, se nós seguimos a política do status quo e não reconhecemos o direito de autodeterminação da Eslovênia e da Croácia, então não temos credibilidade moral ou política. Nós devemos começar o movimento na Comunidade Europeia que leve ao reconhecimento. (grifos no original)[23]

            Com o desenvolvimento do conflito, principalmente na Bósnia, a ONU enviou tropas para tentar evitar o confronto entre as partes, porém não obteve sucesso.[24] Foi nessa conjuntura que entrou em cena a OTAN. O discurso oficial era de que a OTAN iria para os Bálcãs para defender a população civil que estava sendo massacrada.[25] Mas na prática, a OTAN entrou em armas a contra os sérvios, chegando a bombardear seus depósitos de armas.
            A questão da Iugoslávia gerou muita discussão no cenário internacional, principalmente na União Europeia. Com o envolvimento da OTAN, o conflito tomou proporções maiores e aumentou o caos. Além disso, serviu também para massificar a imagem de vilão para a Sérvia, vista como principal adversária das forças de paz da ONU e da OTAN.[26]


Conclusões

            Podemos perceber que a questão da desintegração da antiga Iugoslávia é bastante complexa. Os Bálcãs que já foram conhecidos como a “pólvora da Europa” explodiu em conflitos sanguinários e horrendos. A Europa que, depois do Nazismo, não esperava ver tantos horrores contra a humanidade, viu novamente em seu território campos de concentração, racismo étnico, mortes, ataques a civis, etc.
            Acreditamos que a junção de fatores como o fim do bloco socialista, a crise econômica, o surgimento de líderes carismáticos que brandeavam pelo nacionalismo étnico, a intolerância religiosa, entre outros, levou ao fim o Estado que já surgiu multifacetado e que durante muitos anos foi uma alternativa ao modelo socialista soviético, levando grande parte de sua população a condições de vida inimagináveis no pós-guerra.

Antiga Iugoslávia atualmente.
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Referências bibliográficas
ARAUJO, Rodrigo Ulhoa Cintra de. Sobre causas do desmembramento da Federação Iugoslava. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-17042002-233019/>. Acesso em: 2013-11-09.
BLACKBURN, Robin. O Esfacelamento da Iugoslávia e o Destino da Bósnia. Tradução de Otacílio Nunes. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997. Disponível em: < novosestudos.uol.com.br/v1/files/.../81/20080626_o_esfacelamento.pdf‎> Acesso em: 09 nov. de 2013.
SOARES, Jurandir. Iugoslávia – Guerra Civil e Desintegração. Coleção Temas do Novo Século 2. Porto Alegre - Ed. Novo Século, 1999.
THOMAZ, Omar Ribeiro. Bósnia-Herzegovina: a vitória da política do medo. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997. Disponível em: < http://www.novosestudos.com.br/v1/files/uploads/contents/81/20080626_a_vitoria_da_politica.pdf> Acesso em: 09 nov. 2013.
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A fragmentação da Iugoslávia: paradigma da afirmação das estruturas hegemônicas de poder. Revista FEE v.27, n.2, 1999. Disponível em: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/viewArticle/1796> Acesso em: 09 nov. 2013.



[1] Quando criada, tinha o nome de Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, vindo posteriormente a se chamar Iugoslávia, com Alexandre I.
[2] SOARES, Jurandir. Iugoslávia – Guerra Civil e Desintegração. Coleção Temas do Novo Século 2. p .14.
[3] Jurandir Soares e Paulo Vizentini nos dizem que os principais povos da Iugoslávia faziam parte do mesmo grupo étnico, com algumas diferenças culturais devido a influências que sofreram. Por exemplo, para Vizentini, “Os bósnios [...] são servo-croatas convertidos ao islã, como se viu, enquanto as línguas dos dois últimos são apenas variações do mesmo idioma, grafadas diferentemente”. In: VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A fragmentação da Iugoslávia: paradigma da afirmação das estruturas hegemônicas de poder. Revista FEE v.27, n.2, 1999.
[4] Havia pequenos conflitos, mas sempre remediados por Tito.
[5] Foi formado um colegiado das Repúblicas para dirigir o país até ser convocada eleições.
[6] SOARES, Jurandir. Op. Cit., p. 36.
[7] THOMAZ, Omar Ribeiro. Bósnia-Herzegovina: a vitória da política do medo. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997.
[8] SOARES, Jurandir. Op. Cit., p. 39.
[9] Idem, p. 40.
[10] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 35
[14] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[15] Antiga aliada na Primeira Guerra Mundial. In: MOMCE, Adilson Prizmic. Nacionalismos dos Eslavos-do-Sul de 1848 aos dias de hoje: Um estudo sobre a relação entre espaço, identidade e poder.
[16] Idem.
[17] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 69-70
[18] Idem, p. 92
[19] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[20] BLACKBURN, Robin. O Esfacelamento da Iugoslávia e o Destino da Bósnia. Tradução de Otacílio Nunes. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997.
[21] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[22] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[23] The Guardian, 02 de julho de 1991. In: ARAUJO, Rodrigo Ulhoa Cintra de. Sobre causas do desmembramento da Federação Iugoslava. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 84
[24] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 58
[25] Idem, p. 64
[26] Idem, p. 64.


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