Por Rafael Oliveira
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A República Federativa Socialista da
Iugoslávia era formada por seis repúblicas – Bósnia e Herzegovina, Croácia,
Eslovênia, Macedônia, Montenegro, Sérvia – e por duas províncias autônomas –
Kosovo e Vojvodina. A Iugoslávia foi formada[1] com o intuito de comportar
os eslavos do Sul, órfãos do império Austro-Húngaro[2], após a sua derrota e
extinção ao fim da Primeira Guerra Mundial. Assim, a Iugoslávia (Iug, significa
sul enquanto Slav, significa eslavos) foi o local onde vários grupos de pessoas
com cultura e costumes distintos[3] tiveram de conviver harmonicamente,
sob o mesmo governo e no mesmo Estado.
Durante 35 anos, o país viveu em “clima
de paz”[4] sob o comando de Josip Tito, um dos líderes do Partido
Comunista, responsável pela estruturação e aplicação do socialismo no país.
Porém, quando da morte de seu líder, em 1980, as repúblicas começaram a ganhar
maior autonomia em suas ações[5]. Uma década depois, o país enfrentava uma
guerra civil onde várias repúblicas buscavam sua independência. Diante disso,
tentaremos, nessas poucas linhas, apontar fatores que podem ter sido
responsáveis pela desintegração da Iugoslávia.
A questão econômica
Paralelamente a morte de Tito, a
economia do país entrou em uma grande crise[6]. Porém a crise econômica, não
foi sentida em igual proporção em todo o país.
Omar Ribeiro Thomaz nos diz que
Desigualdades
econômicas entre as distintas repúblicas e regiões criaram imensas disparidades
entre as mais “ricas” – mais próximas da “Europa Ocidental” – e as mais
“pobres”. A Eslovênia e a Croácia ostentavam melhores índices de emprego e
qualidade de vida, enquanto a Macedônia e, sobretudo, a província de Kosovo —
de maioria albanesa — registravam índices que as aproximavam dos países do
Terceiro Mundo. [7]
Essa situação propiciou o
surgimento de novos personagens no cenário político das repúblicas e do país.
Um desses personagens foi Slobodan Milosevic.
Milosevic. http://www.slobodan-milosevic.org/images/milosevic-1.jpg |
Milosevic vinha motivando o
nacionalismo sérvio, ao alegar que embora a república tivesse um terço da população
do país, tinha apenas um oitavo do poder na federação[8]. Ele queria a
centralização do poder na Sérvia, criando o que ele chamou de Grande
Sérvia.[9] Tal situação fomentou as teorias nacionalistas dos diferentes
grupos existentes no país.[10] Embora a Iugoslávia ainda existisse, cada
vez mais as pessoas se autodefiniam pelo seu grupo étnico, e não mais como
iugoslavo.[11] Vizentini nos diz que
[...] devido ao
desgaste político-ideológico do socialismo e ao temor das minorias sérvias que
viviam nas demais repúblicas, bem como por reação ao crescente nacionalismo
destas, um número cada vez maior de sérvios evoluiu para posturas
nacional-chauvinistas. Assim, as identidades étnicas foram sendo construídas
(ou reconstruídas, em alguns casos) com fins políticos pelos líderes,
encontrando terreno fértil devido ao caos social. [12]
Tito
conseguia balancear os interesses das várias repúblicas em prol do todo
Iugoslávia.[13] Quando de sua morte, e com a grave situação econômica que
assolou todos os países socialistas, os movimentos separatistas começaram a
ganhar força graças a discursos de líderes carismáticos, como Kucan na
Eslovênia e Tudjman na Croácia.[14] Aproveitando o momento de crise no
país, a proximidade do Ocidente, o fato de serem repúblicas mais ricas do que
as demais, e o apoio de alguns países – como a Alemanha[15] – , eles
decretaram a independência de suas repúblicas da federação iugoslava, em
setembro de 1991.[16]
Estava decretado assim, o começo do fim
da Iugoslávia.
A questão étnica
A mídia que cobria o processo de
desintegração da Iugoslávia atribuía ao caráter da diferença étnica o principal
fomentador do processo.[17] Jurandir Soares segue a mesma linha, dizendo
que nos Bálcãs havia “conflitos de natureza étnica e
religiosa”.[18] Porém, Vizentini discorda de tal razão:
É o que o politólogo
Mette Skak denominou criticamente de “teoria da bela adormecida”, que define o
conflito como um confronto étnico, o qual teria sido reprimido pelos comunistas
e, com o enfraquecimento destes, simplesmente teria despertado. A esse
respeito, há que se considerar que os grandes povos da Iugoslávia pertencem ao
mesmo grupo étnico, e suas diferenças são menores do que se apregoa.[19]
Robin Blackburn vai
na mesma vertente ao dizer que
as paixões que
animaram esse desastre não podem ser atribuídas apenas, nem mesmo
primordialmente, a antigas inimizades. Embora estas tenham desempenhado seu
papel, receberam uma nova e potente virulência, temeridade e desespero de
fúrias modernas tais como desenvolvimento violentamente desigual,
hiperinflação, desemprego em massa, programas de austeridade, demagogia da
mídia, militarismo, corrupção política, totalitarismo étnico e aquele frenesi
intolerante de maiorias instáveis que se poderia chamar de demência
democrática.[20]
Vizentini completa:
Os sérvios e os
bósnios de hoje pouco têm a ver com os da Idade Média. A adesão popular aos
micro-nacionalismos ou aos nacionalismos tribais e sua disposição para seguir
líderes “fanáticos” ou mesmo cometer crimes são uma consequências do colapso
das instituições e dos movimentos políticos da modernidade. Enfim, são uma
terrível manifestação de populações ameaçadas pelo medo. O caráter étnico
representa a forma de um conflito social, político e econômico em um mundo em
desmoronamento.[21]
Assim, podemos perceber que não há consenso na historiografia sobre a
importância da questão étnica na desintegração da Iugoslávia. Enquanto alguns,
como Jurandir Soares, acreditam que o conflito teve como principal fomentar
questões étnico-religiosas, outros como Blackburn e Vizentini veem importância
na questão étnica, mas apontam outros fatores que motivaram a guerra civil.
Não
podemos negar que a questão étnica foi utilizada durante o confronto, onde todas
as repúblicas realizaram verdadeiras “limpezas étnicas” embora só a Sérvia seja
vista como vilã na história.[22] Porém, resumir à questão étnica um
conflito que envolve vários aspectos da sociedade iugoslava parece
simplificador demais, além de negar que aspectos econômicos, sociais e
políticos são importantes para se entender todo o processo.
A questão internacional
Um dos fatores importantes para se entender o fim da Iugoslávia, é a ação
internacional. Como já dito anteriormente, a Croácia e a Eslovênia tiveram
apoio da Alemanha na proclamação de independência. Nas palavras do chanceler
alemão Kohl,
Nós conseguimos nossa
unidade através do direito de auto-determinação. Se nós alemães pensamos que
tudo o mais na Europa pode ficar como está, se nós seguimos a política do status
quo e não reconhecemos o direito de autodeterminação da Eslovênia e da
Croácia, então não temos credibilidade moral ou política. Nós devemos começar o
movimento na Comunidade Europeia que leve ao reconhecimento. (grifos no
original)[23]
Com o
desenvolvimento do conflito, principalmente na Bósnia, a ONU enviou tropas para
tentar evitar o confronto entre as partes, porém não obteve
sucesso.[24] Foi nessa conjuntura que entrou em cena a OTAN. O discurso
oficial era de que a OTAN iria para os Bálcãs para defender a população civil
que estava sendo massacrada.[25] Mas na prática, a OTAN entrou em armas a
contra os sérvios, chegando a bombardear seus depósitos de armas.
A
questão da Iugoslávia gerou muita discussão no cenário internacional,
principalmente na União Europeia. Com o envolvimento da OTAN, o conflito tomou
proporções maiores e aumentou o caos. Além disso, serviu também para massificar
a imagem de vilão para a Sérvia, vista como principal adversária das forças de
paz da ONU e da OTAN.[26]
Conclusões
Podemos perceber que a questão da desintegração da antiga Iugoslávia é bastante
complexa. Os Bálcãs que já foram conhecidos como a “pólvora da Europa” explodiu
em conflitos sanguinários e horrendos. A Europa que, depois do Nazismo, não
esperava ver tantos horrores contra a humanidade, viu novamente em seu
território campos de concentração, racismo étnico, mortes, ataques a civis,
etc.
Acreditamos que a junção de fatores como o fim do bloco socialista, a crise
econômica, o surgimento de líderes carismáticos que brandeavam pelo nacionalismo
étnico, a intolerância religiosa, entre outros, levou ao fim o Estado que já
surgiu multifacetado e que durante muitos anos foi uma alternativa ao modelo
socialista soviético, levando grande parte de sua população a condições de vida
inimagináveis no pós-guerra.
Referências bibliográficas
ARAUJO, Rodrigo Ulhoa Cintra de. Sobre causas do desmembramento
da Federação Iugoslava. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2001. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-17042002-233019/>.
Acesso em: 2013-11-09.
BLACKBURN, Robin. O Esfacelamento da Iugoslávia e o Destino da Bósnia.
Tradução de Otacílio Nunes. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de
1997. Disponível em: <
novosestudos.uol.com.br/v1/files/.../81/20080626_o_esfacelamento.pdf>
Acesso em: 09 nov. de 2013.
SOARES, Jurandir. Iugoslávia – Guerra Civil e Desintegração.
Coleção Temas do Novo Século 2. Porto Alegre - Ed. Novo Século, 1999.
THOMAZ, Omar Ribeiro. Bósnia-Herzegovina: a vitória da política
do medo. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de
1997. Disponível em:
< http://www.novosestudos.com.br/v1/files/uploads/contents/81/20080626_a_vitoria_da_politica.pdf>
Acesso em: 09 nov. 2013.
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A fragmentação da Iugoslávia: paradigma da
afirmação das estruturas hegemônicas de poder. Revista FEE v.27, n.2, 1999.
Disponível em: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/viewArticle/1796>
Acesso em: 09 nov. 2013.
[1] Quando criada, tinha o nome de Reino dos Sérvios, Croatas e
Eslovenos, vindo posteriormente a se chamar Iugoslávia, com Alexandre I.
[2] SOARES, Jurandir. Iugoslávia – Guerra Civil e
Desintegração. Coleção Temas do Novo Século 2. p .14.
[3] Jurandir Soares e Paulo Vizentini nos dizem que os principais
povos da Iugoslávia faziam parte do mesmo grupo étnico, com algumas diferenças
culturais devido a influências que sofreram. Por exemplo, para Vizentini, “Os
bósnios [...] são servo-croatas convertidos ao islã, como se viu, enquanto as
línguas dos dois últimos são apenas variações do mesmo idioma, grafadas
diferentemente”. In: VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A
fragmentação da Iugoslávia: paradigma da afirmação das estruturas hegemônicas
de poder. Revista FEE v.27, n.2, 1999.
[4] Havia pequenos conflitos, mas sempre remediados por Tito.
[5] Foi formado um colegiado das Repúblicas para dirigir o país até
ser convocada eleições.
[6] SOARES, Jurandir. Op. Cit., p. 36.
[7] THOMAZ, Omar Ribeiro. Bósnia-Herzegovina: a vitória da
política do medo. In: Revista Novos Estudos – CEBRAP, nº 47, março de
1997.
[8] SOARES, Jurandir. Op. Cit., p. 39.
[9] Idem,
p. 40.
[10] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 35
[14] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[15] Antiga aliada na Primeira Guerra Mundial. In:
MOMCE, Adilson Prizmic. Nacionalismos dos Eslavos-do-Sul de 1848 aos
dias de hoje: Um estudo sobre a relação entre espaço, identidade e poder.
[16] Idem.
[17] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 69-70
[18] Idem, p. 92
[19] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[20] BLACKBURN, Robin. O Esfacelamento da Iugoslávia e o
Destino da Bósnia. Tradução de Otacílio Nunes. In: Revista Novos
Estudos – CEBRAP, nº 47, março de 1997.
[21] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[22] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. Cit.
[23] The Guardian, 02 de julho de 1991. In: ARAUJO,
Rodrigo Ulhoa Cintra de. Sobre causas do desmembramento da Federação
Iugoslava. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2001. p. 84
[24] SOARES, Jurandir. Op. Cit. p. 58
[25] Idem, p. 64
[26] Idem, p. 64.
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