segunda-feira, 18 de julho de 2011

Por Natanael de Freitas Silva



Keith Jenkins é professor-adjunto de História na University College Chichester, um dos principais e mais renomados centros ingleses para formação de professores. A sua obra A História Repensada, foi traduzida por Mário Vilela e publicada no Brasil em 2001 pela editora contexto, neste livro o autor propõe uma reflexão metodológica, questionando mais do que respondendo a proposições que estão inseridas no trabalho do pesquisador. Este livro, segundo Jenkins, é uma obra que foi escrita como um “manual de história”, destinado o professores e alunos, com o objetivo de colaborar e provocar um debate reflexivo - crítico sobre a escrita da história, onde o historiador deve ter controle sobre seu próprio discurso, que para o autor significa” ter poder sobre o que você quer que a história seja, em vez de aceitar o que outras pessoas dizem que ela é, em consequência, isso outorga poder a você, e não a essas outras pessoas” (JENKINS,2001,pg.109). Esse livro foi lançado trinta anos depois que o filósofo francês Michel Foucault colocou em questão no seu livro A arqueologia do saber a crença muito ingênua de que o documento fosse uma mera transparência da realidade, um reflexo invertido do “real”, um meio de acesso direto aos acontecimentos escolhidos; ignorando assim as descontinuidades e continuidades dentro do processo histórico, pois o próprio documento é um acontecimento, e não um reflexo do acontecido. Assim, Jenkins critica a tradição empiricista da historiografia inglesa, que tinha uma relação fetichista com o documento, tido com ao prova da verdade, e uma narrativa factual ,que não questionava, apenas reproduzia os dados encontrados nos documentos.
O livro é dividido em três partes. Na primeira Jenkins se coloca de forma a polemizar ao tentar responder “o que é a história?”, onde ele faz uma menção crítica das obras O que é a História? (Edward Carr), A prática da história,(Geoffrey Elton) e A natureza da história(Arthur Marwick). Porém, Jenkins os considera “velhos de guerra” por carregarem em seus escritos o lastro de seus anos de formação que foram as décadas de 1950 e 1960. Ele crítica o que considera o isolamento dos escritores ingleses da década de 70 das mudanças intelectuais mais amplas , principalmente em discursos correlatos como na filosofia e literatura que encaravam muito seriamente a questão de qual era a natureza de suas respectivas naturezas. A segunda parte ele apresenta o que ele denomina de “algumas perguntas sem respostas.”, onde ele propõe algumas conclusões possíveis e não definitivas sobre a ideia de verdade, parcialidade, empatia, os fatos e a sua interpretação e a classificação das fontes em primárias e secundárias, e por fim a terceira parte ele apresenta uma possível conclusão dos seus argumentos apresentados e discutidos ao longo do livro. Aqui eu apresentarei a você leitor uma análise da segunda parte do livro, onde o autor desconstrói algumas interpretações tidas quase por absolutas e universais na historiografia inglesa.
Sobre o papel da verdade na escrita da história, o autor questiona a tradicional historiografia inglesa, que ainda acreditava ser possível alcançar uma “verdade” do acontecido a partir da leitura e escrita narrativa dos documentos. Para ele isso era o resultado da denominada ”cultura ocidental”, ser pautada por uma cosmovisão judaico-cristã, onde Deus é a verdade e de que conhecê-lo é conhecer a verdade, de que o cristianismo fornece critérios para julgar tudo e todos na balança do certo e do errado, assim a ideia do homem branco, europeu, burguês, civilizado, pensado como um ideal de sujeito universal, se sobrepor a outras culturas , impondo a sua visão histórica dos acontecimentos.
O autor dialoga com Foucault que historiciza a própria ideia de verdade, pois para ele a verdade não está pronta e acabada, ela é uma criação, e não uma descoberta como a tradição cristã fez-se por muito tempo acreditar. Ele entende por “verdade, um conjuntos de procedimentos regulamentares que está ligado a sistemas de poder, que a produzem e lhe dão suporte, logo ele denomina isto de um “regime” de verdade, Jenkins afirma não ser possível alcançarmos o que “verdadeiramente” aconteceu, que a “verdade”, age como um censor, estabelecendo limites, e que o poder usa o termo ”verdade” para exercer controle, por isso o “regime da verdade”, entendemos hoje que a verdade é datada, que cada sociedade constitui para si uma ideia, um regime de verdade, pois não existe uma verdade absoluta, uma única interpretação de acontecimentos históricos que possa ser considerada “verdadeira” , entendo que o limite ou função da verdade no discurso histórico é a fundamentação, a metodologia e principalmente a documentação que permite ao historiador construir o seu discurso, pois a sua fala não pode ser baseada em “achismos”, em divagações , pois ao contrário dos jornalistas, temos que demonstrar quais são as nossas fontes, os nossos métodos, para que a nossa fala seja reconhecida dentro de uma comunidade como legítima, portadora de uma possível verdade.
Quanto a interpretação dos fatos, Jenkins afirma que os historiadores têm ambições, desejam descobrir não apenas o que aconteceu , mas como e por que aconteceu e os seus significados. O historiador estuda os vestígios do que chegou até o seu tempo presente dos acontecimentos históricos e o transforma em documentos, pois apesar de termos hoje mais conhecimento sobre processos passados devido a uma maior quantidade de documentação disponível, não significa que temos como abarcar a totalidade dos acontecimentos. São as condições de possibilidades do seu tempo presente que permitem ao pesquisador interpretar/explicar/compreender o homem no seu tempo passado, as suas questões são do campo da subjetividade, ou seja, aquilo que nos causa estranhamento, questões, dúvidas, é o que nos motiva, nos impulsiona ao trabalho de pesquisa, a forma que lemos o documento varia ,de acordo com o nosso background, cada historiador pode ter uma leitura diferenciada sobre o mesmo dado histórico, o mesmo documento, e nós mesmos, somos mutáveis, cada vez que voltamos a fonte, o nosso olhar é passível de mudanças, seja um detalhe, uma dúvida, o nosso amadurecimento intelectual, é a forma como o pesquisador aproxima as suas “pistas”, como estabelece uma conexão entre os documentos no tempo presente, por isso, mesmo estudando o homem no seu tempo passado, é necessário que o historiador esteja atento aos acontecimentos do seu tempo presente, pois são eles conscientemente ou não, que lhe permitem pensar, refletir, interpretar e construir o seu discurso histórico.
Quanto da parcialidade, o autor é enfático ao afirmar que é impossível termos um discurso que possa se considerar imparcial, pois se imparcial=reto, e parcial=torto, assim ele encontra a dicotomia do enunciado que coloca o mesmo em discussão. Em segundo lugar o autor identifica que a parcialidade aparece com maior frequência na história empiricista, onde mesmo sabendo ser inalcançável , muitos desses historiadores tem a ambição de produzirem relatos definitivos sobre os acontecimentos, e principalmente, acreditavam ser possível, deixar os fatos “falarem por si”, sem serem mediados pelo historiadores, sabemos que isto é impossível, nenhum documento fala por si, a fonte é muda, ou seja, é a nossa questão, a nossa problemática que nos possibilita encontrar os vestígios, os indícios e conectá-los, interpretá-los a luz do nosso tempo presente, logo, é o historiador que faz essa conexão, é a sua interpretação que produz sentido, valor ao acontecido, transforma dados em fatos, isso é a dimensão subjetiva do nosso trabalho, cada historiador pode ter visões diferentes sobre o mesmo assunto, cada grupo pode produzir um relato que de sentido ao seu próprio passado, assim podemos ter um relato, uma narrativa segundo a visão marxista, ou feminista, etc.
Por terceiro ponto se refere à ideia de empatia, que é a afirmação de que precisamos nos pôr no lugar das pessoas do passado, dar conta de suas dificuldades e pontos de vista, para assim obtermos uma compreensão histórica do real. Sabemos que isso é impossível, mesmo se tivéssemos uma máquina do tempo, não podemos deslocar o homem do seu próprio tempo e espaço, pois é o seu contexto que nos permite interpretá-lo, a temporalidade é fundamental no nosso trabalho, pois é o contexto, contexto esse que não está pronto e acabado, mas é o próprio pesquisador que o cria e a partir dele produz sentido, significado; senão caímos numa narrativa factual, que não questiona, não problematiza, que não produz significados, e não apresenta possíveis respostas as questões, as inquietações do nosso tempo presente.
E por último, a questão de classificação das fontes em primárias e secundárias, para os historiadores empiricista, existiam determinados documentos que poderiam ser considerados originais, como se os mesmos fossem um reflexo do “real”, um “prova” do que “realmente aconteceu”, para Jenkins, não existem fontes “mais profundas”, às quais possamos ir para estabelecer a verdade das coisas. Hoje sabemos que uma mesma obra pode ser utilizada como fonte ou como bibliografia, como suporte teórico para o historiador, o autor exemplifica isto citando o livro de E.P.Thompson, A formação da classe operária, que pode ser lido tanto como uma introdução a aspectos da Revolução Industrial, quanto como um estudo do que certo tipo de historiador marxista tinha para dizer no final dos anos 50 e inicio dos 60.Um mesmo texto, porém com usos diferentes, o que fica evidente é que tudo depende da problemática, da questão do historiador, este livro mesmo do Jenkins, pode ser lido como um suporte teórico na análise e reflexão do fazer história, logo como uma bibliografia, ou como fonte, se a sua questão for entender o impacto das transformações na percepção teórica dos empiricistas ingleses e o impacto desta obra na historiografia inglesa 30 anos depois da obra de Foucault, por exemplo, ou perceber o impacto do pós-modernismo na reflexão historiográfica a partir desta obra. Acredito que é impossível fazermos história sem nos posicionarmos, são as nossas questões, que nos possibilitam escolher, recortar, delimitar o tempo a ser analisado, o corpus documental, denominar as nossas fontes, a metodologia, por que cada sociedade constitui pra si em cada época como se deve fazer história e por fim, espero que você aproveite a leitura, reflita sobre o seu ofício/trabalho historiográfico e tenha as suas possíveis próprias conclusões, apesar de sabermos que tudo é datado, esta obra ainda provoca um intenso debate sobre o fazer história.



Referência bilbiográfica

JENKINS, Keith, “alguma perguntas e algumas respostas(pg.53-91);In: A História Repensada, tradução de Mário Vilela-São Paulo: contexto 2001.

Imagem retirada do site http://assessoriadaembelezada.blogspot.com/2011/03/concurso-87-do-mpsp-fase-oral-algumas_18.html, pesquisada no dia 18 de julho de 2011 às 18:00.

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