sexta-feira, 17 de junho de 2011


Por Laíne Mendes

François Dosse é professor de História no Instituto Universitário de Formação de Professores de Crê-teil e no Instituto de Estudos Político de Paris. É pesquisador associado do Instituto de História do Tempo Presente e do Laboratório de História Cultural da Universidade Saint-Quentin, em Yvelines, e co-editor da revista Espaces Temps. Após consagrar sua tese de doutorado na “Ecole des Annales” (1983), segue suas pesquisas sobre o estruturalismo, o filósofo Paul Ricoeur (a biografia “Paul Riceour, les sens d’une vie”, publicada em 1997, é hoje referência) e o historiador Michel de Certeau. Atualmente suas linhas de pesquisa estão relacionadas à Historiografia, à Epistemologia das Ciências Humanas e à História Intelectual. Em 2007, publica Gilles Deleuze e Felix Guattari, biografia cruzada onde reabilita Guattari numa história intelectual que valorizou apenas Deleuze.

Resenha:

O que seria dos Annales sem sua eterna musa inspiradora, sua adorada Clio. A nossa Clio, que nesse momento, na França, torna-se algo comercial. O que aconteceu com ela?
O desinteresse de Dosse pelo passado, ou há tudo que foi construído antes dos anos 60 e 70, coincide-se com o começo de seu livro “A História em Migalhas - dos Annales à Nova História”, a partir da posição final do livro de Peter Burke. A informação se inova diariamente, o quotidiano passa a ser mais interessante e encantador aos olhos do público. Os Annales se preocupam em aumentar seu público, ou seja, tudo o que for algo de interesse a estes, a Academia se envolve. Isso determina uma mudança extrema, pois o sucesso do Annales se dá pela utilização das ciências sociais renunciando sua capacidade de síntese.
No primeiro capítulo, Dosse desdenha do passado dos Annales, com o título já se percebe: “A pré-história dos Annales”. O interessante da visão de Dosse sobre o lançamento da revista é a ausência de uma pequena informação não esclarecida por Burke. Ela foi lançada em 1929, no mesmo ano da crise. Até aí, já sabíamos, mas o interessante é: “O projeto de Marc Bloch e Lucien Febvre não se reduz a uma resposta pontual dos historiadores diante da crise que explode”. Dosse é menos plausível que Burke, com relação a tal fato. A crise proporciona o sucesso à revista, já que, nesta época, os historiadores passam a se aprofundar nos aspectos econômicos, deixando de lado o político. A saudade da Belle Époque pela burguesia, que acaba com o fim da primeira guerra, é outro fato que também favorece aos Annales a se voltarem para a economia. O discurso já havia sido mudado com a interferência da primeira guerra. Ele passou a ser algo que propugnava paz de espírito, por conseqüência da destruição do cenário Europeu. O Estado passa a ser rejeitado pela sociedade. Talvez, uma idéia expressa de anarquia passa a surgir? As questões políticas são postas de lado, a sociedade não precisa dela, ao contrário, deseja seu afastamento. O que precisam, são novas formas de resolver os evidentes problemas sociais e econômicos. Analisando o tempo e o espaço, pode-se entender que o desinteresse por algo e o interesse por outro só afirma a constatação de que nossos pensamentos são datados, graças ao contexto histórico da época em questão. Surge a idéia de progresso, no meio desse desespero. As palavras de Émile Durkheim definem isso: “A racionalidade burguesa abandonou a história e refugiou-se na economia política, em parte também na sociologia”.
Dosse, no decorrer do capítulo, mais uma vez afirma que num outro contexto a história é renovada. Na primeira guerra, agora, no entre guerras. É evidente que ele expõe certas constatações, como as influências de tais acontecimentos na disciplina história, reproduz um retrato de desgosto social. A própria profissão historiador tem como função atribuir um papel diferente a uma nova transformação social. Na época deixaram de olhar para o particular, como antes, para se voltar ao social, que precisava realmente de sua ajuda. A própria historiografia é afetada e julgada pela geografia, por ser a favor da doutrina positivista. Dosse explica o porquê disso, a Geografia: “Pretende eliminar o acontecimento, o político, e fixar-se no tempo atual e interessa-se por tudo que se mantém no presente”. Tudo o que não é palpável a ela, não interessa. Contudo, promove dentro dos Annales certas contradições entre os historiadores, pois alguns aderem tal posição. Geografia Vidaliana X História historicizante. As vidalianos preferem a história rural, o uso da observação. Isso propõe uma “libertação” do historiador aos arquivos, as fontes; proporciona uma reflexão sobre a crise. Ou seja, a geografia teve uma influência importante e de alto grau na Escola do Annales, tirando-a do passado e a trazendo para o presente, graças à demanda social existente na época.
Outra ressalva sobre a visão de Dosse diferenciada na de Burke, esta na referência a Escola dos Annales. Dosse afirma que ela é Belicosa, que possui um alvo, em uma relação de Força e Batalha. Para ser membro dos Annales, deveria pensar e ser como eles, caso contrário estaria fora. A Batalha no campo do saber, da historiografia, que funda o trabalho do historiador. Outra diferença de Dosse é na aproximação de uma História Social Clássica. Procedida, a partir de um modelo que não é praticado pela fase final da Escola dos Annales. Ele critica a terceira geração, distancia-se das propostas de Bloch, Febvre e Braudel.
O mundo se encontrava dividido em dois blocos. Dosse acredita que se a Escola soubesse lidar com esse espaço, poderia se encaixar numa posição neutra e dominante. Pois é isso mesmo que ela faz, não se envolve com as questões políticas. Historiador posto como federalistas, preso nos três ídolos: O ídolo político, o ídolo individual, o ídolo cronológico. A tudo impedem aquilo que o historiador não tem. Dosse afirma que para conhecer realmente um historiador, tem que se conhecer seu trabalho. Concordo com tal afirmação, pois o trabalho dele é fundamental para saber a logística de sua posição. O historiador tem que estar ciente do passado e do presente. Em tudo há uma continuidade, o estudo do passado é necessário para marcarmos aquilo que não somos mais.
Todavia, mais uma vez a Revista se reaproxima das ciências sociais. Agora, no pós-guerra, a revista trás um novo termo: CIVILIZAÇÃO. Dosse atribui à idéia de civilização e a coloca em vários contextos em seu livro, um deles é o processo de Independência das “colônias”. Braudel mudará a linha das pesquisas históricas, oferecendo um caráter estrutural. Estamos em tempos heterogêneos. O tempo curto perde lugar para a Longa duração. A história social é lenta (economia e sociedade). Nesse contexto, ele vê as transformações do mundo pós-guerra, no contexto histórico vivenciado:
● Declínio da Europa Ocidental;
● Revolução tecnológica;
● Novo meio de comunicação e informação;
● Rejeição de uma história puramente nacional;
● Reaproximação com as outras ciências sociais;
Vemos a necessidade dos Annales ao tentar responder o porquê da história ser contestada como a maior ciência do social. Strauss aponta para o historiador como um coletor de fatos e não um propulsor na explicação social. Não se esquecendo de dizer, que esse historiador é anti-historicista.
A Terceira Geração, no livro, é MARCADA pela crítica sucessiva de Dosse a aproximação com a Antropologia. Os historiadores, alguns, usam em seus estudos a antropologia. O declínio do campo econômico beneficia a antropologia. A presença dos meios de comunicação reflete o papel da Escola. Com a antropologia histórica, os Annales abandonam a história-problema. Dessa vez o historiador é posto como antropólogo ao contrapor a cultura popular com a cultura erudita. Essa capacidade de mudança no campo cultural surge no social. A cultura é passada a sociedade pelas instituições sociais. Concordo com o olhar de Dosse sobre a forte influência da antropologia, mas discordo de sua conclusão ao dizer que o historiador perde a proposta inicial da Escola e a base, na qual se seguia, para agir como um antropólogo.
Nesse último capítulo, “A história serial”, veremos a história ser fragmentada. A partir do tempo que o historiador se afasta desse trabalho, há o que se chama de retorno da narrativa. O todo não pode ser produzido, tem que haver um estudo por partes. Partindo dessa proposta, pego como foco um acontecimento específico. O historiador deixa de estabelecer o todo, podendo perder muito com essa atitude. Dosse pressupõe a fragmentação como indispensável para o tema escolhido pelo historiador. Ele lamenta que o historiador não constitua um contexto sob o objeto estudado, desconectando-o com os outros a sua volta.
Sobre a análise do livro, podemos não concordar com o ponto de chegada, mas o mapeamento (percurso reflexivo) do assunto é muito melhor que o de Peter Burke. Ele, ao mesmo tempo em que reconhece o projeto dos Annales, critica-o. Só se pode entender o Annales, a partir do começo. Assim, poderemos compreender o porquê de tantas mudanças e influências aderidas pela Escola em tão pouco tempo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DOSSE, François. A História em Migalhas. Tradução Dulce A. Silva Ramos. São Paulo: Ensaio, Campinas, SP: Editora Universidade Estadual de Campinas, 1992.
imagem disponível em: http://www.bibliofranca.org.br/parcerias-autores-convidados/francois-dosse/ acesso em 17 de junho de 2011.

5 comentários:

  1. Laíne Parabéns você é ótima em seus registro.
    Ajudou-me muito em minhas pesquisas sobre Os Annales, assim como elevou meu grau de conhecimento. Obrigada

    Super beijo e sucesso á vocês!

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  2. Muito bom ajudou bastante na minha leitura do livro!

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  3. Carlos achei mt boa me lucidou bastante na minha leitura

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  4. Só um adendo, " Strauss aponta para o historiador como um coletor de fatos e não um propulsor na explicação social. Não se esquecendo de dizer, que esse historiador é anti-historicista." Se estiver se referindo a Levi Straus ele é antropologo

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