Por Vanir Junior
A
tradição política em torno da liberdade foi uma constante na história dos EUA,
assumindo diferentes significados. Primeiramente, no período colonial, a idéia
de liberdade, como herança inglesa, esteve ligada à religião[1]
(ser livre é ser servo de Deus). Progressivamente, tal concepção foi
secularizada e logo se passou a conceber a liberdade conectada à obediência das
leis[2],
dentro da lógica do contrato. Os colonos, pouco a pouco, assim como os
metropolitanos, adotaram esta concepção de liberdade, que norteou a
independência das 13 colônias, processo no qual a liberdade foi evocada como
elemento ideológico na luta contra a tirania metropolitana.
O século XIX trouxe novo conceito de
liberdade, calcado no Destino Manifesto[3],
indicando que os norte-americanos, portadores da liberdade, foram escolhidos
por Deus para levarem a mesma a todo mundo[4].
A Doutrina Monroe ampliou esta concepção e justificou a intervenção feita pelos
EUA em outros países como necessária para levar a liberdade aos povos que a
desconheciam[5]. No
século XX, a garantia de liberdade e a democracia[6]
era invocada como ponto principal do
discurso utilizado pelos EUA para convencer a população de que sua entrada na
1ª Guerra Mundial era necessária.
Com
relação ao âmbito social norte americano, a liberdade se constituiu a partir da
garantia do liberalismo político e econômico, através de um Estado mínimo, pouco interventor
e que dava liberdade para o mercado se auto-gerir, sendo esta clara herança do
liberalismo clássico presente nas revoluções burguesas. Entretanto, no fim da
década de 20, os EUA são afligidos com a Grande Depressão, que abalou as bases
do liberalismo em todo mundo. Surgiu, deste modo, nova mudança no conceito de
liberdade. Em meio a um período de incertezas econômicas e sociais, qual seria a nova definição conceitual de liberdade estadunidense e quais foram suas principais
características?
A Crise de 1929 e seus impactos
políticos:
Após
à Primeira Guerra Mundial, os países europeus se tornam devedores dos EUA, que
retomaram a prática do isolacionismo típico da Doutrina Monroe. Entretanto,
este isolacionismo não é mais como no século XIX , pois a dívida dos países
europeus obrigou os EUA a manterem algum nível de vínculo com os mesmos.
A
guerra trouxe muitos benefícios econômicos aos EUA. A produção de bens aumentou
de maneira vertiginosa e a década de 20 foi marcada por um clima de euforia próprio
do American Way of Life. Muitos
americanos foram atraídos pelo rendimento a curto prazo, ações monetárias. Entretanto,
no fim da década de 20, os EUA, bem como o mundo, seriam
afligidos pela “pior crise econômica da
história do capitalismo mundial”[7]:
a Grande Depressão de 1929.
Pode-se
falar da crise de 1929 como sendo de superprodução e que atingiu todos os
países capitalistas[8],
uma vez que a integração econômica mundial permitiu isso. A capacidade de
consumo (extremamente deficiente durante o pós-guerra) dos países que mantinham
relações econômicas com os EUA não foi capaz de acompanhar o ritmo da produção[9].
Quando houve a quebra nos EUA, a Europa quebra junto, já que o primeiro era o maior
credor mundial.
Para
além da visão a respeito da crise de superprodução, J. K. Galbraith[10]
leva em consideração as contradições da economia americana, destacando dois
pontos principais: a distribuição de renda desigual e o sistema especulativo
(que com seus lucros gerados pelas empresas de base dos inúmeros holdings – que
eram poucas e que, praticamente, sustentavam a economia –, não investia em
atividades produtivas, mas, sim, em mais especulação). Galbraith destaca também
que a crise não foi nenhuma supresa, uma vez que toda a prosperidade dos anos
20 não poderia ser mantida por ser artificial (justamente pelos fatores por ele
apontado).
Os
impactos internos da crise foram muitos[11].
Especuladores perderam todos os seus investimentos, milhares de bancos
americanos foram à falência, a produção industrial despencou a níveis
gigantescos, o PIB caiu em torno de um terço. O poder de compra diminuiu
(devido à falta de dinheiro na economia), diversas industrias tiveram que
diminuir os preços de seus produtos. O desemprego subiu em níveis astronômicos
(em torno de 15 milhões de desempregados). Uma onda de pobreza se espalhou. No
campo, além das dificuldades geradas pela crise, uma seca enorme ocorreu,
fazendo a renda familiar despencar em torno de 60% e muitos proprietários
perderam terras. Milhares de pessoas tiveram de ir para as cidades, buscando melhores
condições. Entretanto, na cidade, a situação não era muito diferente. Além disso,
existiam pouquíssimas vagas de emprego e filas enormes de desempregados se
formavam.
Com
relação aos impactos externos, ao fim de 1932 a produção mundial havia caído
mais de 33%[12].
Maurice Crouzet[13]
trata, como uma das implicações mais profundas do impacto externo, a questão do
comércio internacional e diz que o mesmo declinou de forma assustadora,
afetando economicamente muitos países. Há uma baixa de 25,5% nas trocas
comerciais internacionais. Vide o caso do Brasil, que vendia café para os EUA e
que teve uma queda brusca nas exportações.
Cada
país se viu forçado a sair dos apuros com suas próprias possibilidades. Segundo
Crouzet, as medidas da maioria dos países europeus foi se voltar para
reconstrução de seus mercados internos, lançando mão de medidas protecionistas.
Os próprios EUA fizeram isso com o New Deal, que é voltado predominantemente para
a restruturação do mercado interno. Assim, as economias prezaram pela recuperação. Os países
pouco desenvolvidos, por exemplo, foram impulsionados a acelerar seus processos de
industrialização e a diminuírem importações.
O
efeito político da crise assumiu várias feições no globo. Na Europa Central, o
pêndulo político foi para a extrema direita: nazismo e fascismo.
Inclusive, Lionel Richard defende que
ascensão do nazismo foi possível graças à crise econômica de 1929[14].
O mesmo ocorre no Japão. Na América, o pêndulo político se inclina para a
esquerda: Roosevelt, Cardenas, entre outros. O que se pode dizer a respeito da
crise é que a mesma derrubou o credo no liberalismo econômico[15]
em todo o mundo, bem como em suas concepções de liberdade atreladas ao laissez faire, que pregavam o
individualismo e a produção econômica sem intervenção estatal, o que
caracterizava o modelo auto-regulável de mercado. Adam Smith cedeu seu lugar
para Keynes.
New Deal: O novo conceito de
liberdade:
O
American Way of Life começou a soar
falso, pois a crise fragilizou toda uma sociedade. Buscou-se uma nova concepção de liberdade
que desse conta do cenário de profunda crise social presente na década de 30.
Esta liberdade foi profundamente diferente da liberdade liberal vigente até
então nos EUA.
Segundo
Eric Foner[16], a
aplicação do New Deal, com F. D. Roosevelt, redefiniu o conceito de liberdade
estadunidense. A grande depressão inaugurou um prolongado período que prezou
por proporcionar um sistema de seguridade social à população. Mas que novo
conceito de liberdade era este?
O novo conceito se caracterizou pela seguridade
econômica e pessoal[17],
resultando na constituição do Estado de Bem Estar Social[18]
(Welfare State). Em nome de maior
liberdade dos cidadãos, o governo assumia a responsabilidade de garantir a
seguridade econômica e social, ampliando o bem estar americano, que foi
fortemente atingido com a crise.
Com
o New Deal, plano econômico elaborado por diversos economistas que se embasaram
nas teses de John Maynard Keynes, buscou-se recuperar a economia americana
através da intervenção estatal na mesma. As idéias de Adam Smith iam cedendo
lugar à concepção da intervenção estatal para garantir bem estar social aos
cidadãos. A liberdade passava a ser garantida e protegida pelo Estado. Deveria
haver a liberação de toda a inseguridade material causada pela crise. Esta era
o novo conceito de liberdade estadunidense.
Em
resumo, outra corrente ganha relevo: a da política-econômica não liberal, mas,
sim, regulacionista. Isto ocorreu nos EUA, na Europa e países latino-americanos
(países de periferia do capitalismo). A crise derrubou a crença no liberalismo
econômico e trouxe uma liberdade que passou a se definir pela garantia de
seguridade econômica e social via Estado. A liberdade passava a ser
protegida/garantida pelo Estado[19], sendo conceitualmente atrelada cada vez mais à garantia do mínimo social, de emprego e seguridade no mesmo, liberdade da
insegurança material, recuperação da economia, condições de vida
minimamente satisfatórias à população e uma melhor distribuição da
prosperidade. E isso, em meio à crise, somente o Estado poderia garantir.
Deste
modo, o programa implementado pelo New Deal deixou em evidência, através de suas
medidas, este novo conceito de liberdade. É possível mencionar que o mesmo foi
dividido em duas partes: o 1º New Deal (1933) e o 2º New Deal (1935). Com
relação ao primeiro, as bandeiras foram: estímulo às obras públicas, redução da
jornada de trabalho e aumento do número de empregos[20]
(surgindo a idéia de pleno emprego), regulação do mercado financeiro, defesa da
subvenção/subsídios aos agricultores[21],
cortes no funcionamento público, pacote de ajuda ao sistema financeiro para
recuperar a credibilidade bancária (o que rendeu um controle pelo governo
federal do poder bancário[22]),
entre outros.
Com
relação ao segundo é possível falar do imposto de renda progressivo: quem ganha
mais, paga mais[23].
Neste sentido, as camadas mais ricas das população passaram a pagar muitos
impostos. Buscou-se fazer a seguridade chegar a todos, por meio da assinatura
da Lei da Seguridade Social[24],
que assistia os trabalhadores com uma série de recursos, como seguro
desemprego, salário mínimo, aposentadoria[25]
e o mínimo de estabilidade. Além disso, a política de Roosevelt fortaleceu
também os sindicatos nas negociações com o governo em prol dos trabalhadores.
Entretanto, esta concepção de
liberade não foi aceita por todos. Segundo Foner[26],
se a liberdade foi invocada por Roosevelt para sustentar o New Deal, os oponentes políticos do presidente fizeram o mesmo para sustentar suas oposições ao plano de governo. Os setores mais ricos não consideraram o New Deal como
liberdade, mas, pelo contrário, o consideraram como restritivo à verdadeira
liberdade. As associações de empresários e políticos da oposição faziam extensa
propaganda de Roosevelt como comunista e defendiam que a verdadeira liberdade
era individual, a liberdade de empresa. Se opuseram à intervenção estatal na
economia e seu modelo planificado. Foram contra a regulação que garantia
direitos aos trabalhadores.
A oposição a Roosevelt considerava o
New Deal uma ameaça à liberdade dos EUA. Hoover[27]
fez várias críticas a Roosevelt, acusando o mesmo de estar contra as liberdades
fundamentais americanas, dizendo que todos tinham que ter oportunidades
econômicas ilimitadas para poder empreender, mas que o programa de Roosevelt
estava longe disso, transformado os americanos em parasitas dependentes do
Estado. Entretanto, a reeleição de Roosevelt, em 1936, comprovou que a maioria da população dos EUA havia aceitado a sua idéia de
liberdade, na qual a seguridade garantida pelo Estado era a principal
característica.
Referências Bibliográficas:
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Weimar. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p.p. 112-114. (Coleção a Vida
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Contemporânea Através de Textos. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2004.p.p.
147-149.
MARQUES, Adhemar et al.
História Contemporânea Através de Textos. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2004.
Imagem: http://en.wikipedia.org/wiki/File:FDR_in_1933.jpg
[1] FONER, Eric. La Historia de la
libertad en EE.UU. Barcelona: Ediciones Península, 2010, p.46
[2] Ibidem. P.46
[3] BOSCH, Aurora. Historia de
Estados Unidos (1776-1945). Barcelona: Crítica. 2010, p.280.
[4] Ibidem. p. 279.
[5] Ibidem. p. 279.
[6] Ibidem. p. 360.
[7] KARNAL,
Leandro et Al. História dos Estados Unidos. São Paulo: Contexto, 2008. p. 205
[8] MARQUES,
Adhemar et al. História Contemporânea Através de Textos. 10 ed. São Paulo:
Contexto, 2004. p.155.
[9] Ibidem p. 155.
[10]GALBRAITH, J. K. Dias de Boom e
de Desastre. In: Roberts, Op. Cit., p.p. 1331-1332. Apud MARQUES,
Adhemar et al. História Contemporânea Através de Textos. 10 ed. São Paulo:
Contexto, 2004.p.p. 156-159.
[11] KARNAL,
Leandro et Al. Op. Cit. p.p 207-208.
[12] Ibidem p. 206.
[13] CROUZET, Maurice. A Grande
Depressão. In: História Geral das Civilizações. VII – A Época Contemporânea.
São Paulo, Difel, 1977, p.p. 128-130. Apud. MARQUES,
Adhemar et al. História Contemporânea Através de Textos. 10 ed. São Paulo:
Contexto, 2004.p.p.159-160.
[14] LIONEL, Richard. A República de
Weimar. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p.p. 112-114. (Coleção a Vida
Cotidiana). Apud. MARQUES, Adhemar et al. História
Contemporânea Através de Textos. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2004.p.p.
147-149.
[15] HOBSBAWN,
Eric. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.p. 113-144
[16]
FONER, Eric. Op. Cit. p.319.
[17] Ibidem p. 319.
[18] Ibidem p. 320.
[19] Ibidem p. 322.
[20] ALONSO, Juan José. Herbert C. Hoover y Franklin
D. Roosevelt: Depresión y New Deal. In: Los Estados Unidos de América:
Historia y Cultura. Salamanca: Almar, 2002, p. 353
[21] Ibidem.
p.p. 335-336.
[23] Ibidem.
p. 337.
[25] KARNAL, Leandro et Al. Op. Cit.210
[26]
FONER, Eric. Op. Cit. p. 331.
[27] Ibidem.
p. 332.
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