Por Vanir Junior
Perry
Anderson segue uma linha historiográfica marxista. Entretanto, é um marxismo
não ortodoxo. Este historiador buscou liberdade fora do que ficou estabelecido
pela teoria marxista mais tradicional, não se limitando a uma cartilha
stalinista. Significa dizer que, em alguns momentos de sua narrativa, ele não
concorda com as propostas de Marx e Engels. Isso se explica pelo fato de
Anderson estar vinculado à historiografia marxista inglesa que, por sua vez, é vinculada à New Left ou movimento neomarxista, que surgiu na década de 60 do século passado e que buscava ter alguma
liberdade em suas abordagens frente ao que era estabelecido pelas
diretrizes soviéticas.
Este direcionamento teórico-metodológico fica claro na
obra intitulada Linhagens do Estado
Absolutista, publicado no de 1974. Para Anderson, o Estado Absolutista
surge no século XVI como resultado da crise do feudalismo, bem como do período
da Baixa Idade Média, o que possibilitou transformações político-sociais. Entretanto,
Anderson discorda, por exemplo, da concepção de Engels a respeito da existência
de um equilíbrio entre nobreza e burguesia no processo de centralização do
poder. Para ele, a nobreza detinha muito mais influência na empreitada política
da centralização.
Fazendo uma rápida comparação com autores como Norbert
Elias, em obras como O Processo Civilizador – Vol. 2: Formação
do Estado e Civilização (ver Sumário
da Sociedade de Corte), que defende não apenas a formação de um jogo de
equilíbrio de poderes entre nobreza e burguesia no processo de centralização, bem
como a existência de uma nobreza em progressivo enfraquecimento frente a uma
burguesia cada vez mais forte, podemos dizer que a abordagem de Anderson se diferencia
não apenas em negar, naquele momento, a existência de um equilíbrio entre
nobreza e burguesia, mas também defende que a primeira tinha muito mais poder que a
segunda, discordando também, deste modo, sobre a afirmativa de Elias a respeito
da nobreza estar quase que completamente enfraquecida.
Perry
Anderson também discorda de Marx a respeito da constituição de um Estado
Burguês no início do processo da formação dos Estados Modernos. Para ele, o
Estado era de natureza aristocrático-feudal, vinculado a uma hegemonia da
nobreza.
Como entender isto de forma mais clara? Para
Anderson, ainda não havia dominação política da burguesia, sendo a formação do
Estado Absolutista resultado da reação de uma nobreza atemorizada e que buscava
manter a ordem contra massas rebeldes, sobretudo, de camponeses. Neste sentido,
as relações da burguesia com a nobreza se deram por meio de graduais
infiltrações no aparelho de Estado (como, por exemplo, pelo financiamento do
Estado na formação dos exércitos ou na compra de cargos), sendo este,
prioritariamente, uma carapaça ou instrumento político da nobreza. Em suas
palavras, o absolutismo ou o Estado Absolutista foi um aparelho de dominação
feudal recolocado e reforçado para conter/sujeitar massas camponesas. Um
reagrupamento feudal contra o campesinato. Uma nobreza que, até o fim do
absolutismo, nunca foi desalojada de seu domínio.
Para
comprovar sua tese de que o Estado Absolustita é de base aristocrático feudal,
Anderson menciona as instituições como o exército, burocracia, direito,
tributação, moeda para, em seguida, relativizá-las.
A
respeito dos exércitos regulares, o autor os considera, naquele momento, ainda
em formato embrionário, bem diferente das tropas do Estado burguês moderno.
Eram compostas por mercenários vindos de áreas externas às das monarquias,
muito provavelmente pela própria recusa da nobreza armar seus camponeses em
longa escala.
Já
a burocracia permanente se deu de forma muito gradual. Não era uma burocracia
como a de hoje e mantinha caráter pessoal/patrimonial, destoando da concepção
weberiana de Estado burocrático (nobreza feudal atuava na aquisição de cargos
no Estado Moderno). Havia, assim, uma série de poderes locais/feudais que
dificultavam a cobrança de tributos, bem como de ordenações políticas diversas.
Por
vezes, era necessário negociar com esses poderes. Anderson, deste modo,
transparece a idéia da existência de um poder não tão absoluto como se pensa
numa historiografia mais tradicional. Havia vários níveis de poder e isso fica
evidente quando ele dá o exemplo de que a Assembléia dos Estados Gerais era
constantemente convocada na França, mas acabou sendo bloqueada por uma
diversidade de poderes tipicamente feudais, que, muitas vezes, não concordava
com as necessidades de apoio político ou fiscal ao rei. Assim, os reis foram
convocando cada vez menos os Estados-Gerais.
Autor
atenta para a idéia de transição/passagem. Não há ainda um capitalismo
consolidado, pois existem fortes permanências feudais, como, por exemplo, a
servidão. Houve transformações, mas as mesmas se deram de forma gradual. Passou
a existir um exército, mas isto deve ser entendido como uma abstração, pois,
para que o mesmo se tornasse satisfatoriamente regular, levou tempo; nem todos
os exércitos eram totalmente regulares e ainda existia considerável nº de
nobres. A burocracia não se tornou permanente de um dia para o outro, mas foi
se ajustando pouco a pouco à forma mais centralizada de poder.
A
moeda também não se unificou da noite para o dia e a tributação também demorou
a se unificar, até mesmo pela existência de um sistema compósito de poder. No
que diz respeito ao direito, Anderson ressalta, por um lado, que o ressurgimento
do direito romano trouxe as noções de propriedade privada e quiritária, além de
embasamento para maior centralização e uniformidade política nas mãos do
monarca. Entretanto, por outro lado, o autor ressalta limitações deste mesmo
direito e diz que o direito consuetudinário não foi abandonado e, muitas vezes,
o próprio direito romano foi adaptado a demandas locais, de acordo com os
interesses da nobreza, havendo a proliferação de emaranhados de instâncias
jurídicas diversas.
Referências
Bibliográficas:
ANDERSON, Perry.
Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.p. 15-41.
ELIAS, Norbert. O
Processo Civilizador – Volume 2: Formação do Estado e Civilização, 1993. p.p. 15-22.
Muito claro, muito bom!!!
ResponderExcluirGostei muito do comentário. Elucidou a complexa interpretação de Anderson, tornando-a clara e compreensível. Obrigada. Agora, ler Perry Anderson ficará mais fácil.
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