sábado, 4 de abril de 2015

Por Vanir Junior

Perry Anderson segue uma linha historiográfica marxista. Entretanto, é um marxismo não ortodoxo. Este historiador buscou liberdade fora do que ficou estabelecido pela teoria marxista mais tradicional, não se limitando a uma cartilha stalinista. Significa dizer que, em alguns momentos de sua narrativa, ele não concorda com as propostas de Marx e Engels. Isso se explica pelo fato de Anderson estar vinculado à historiografia marxista inglesa que, por sua vez, é vinculada à New Left ou movimento neomarxista, que surgiu na década de 60 do século passado e que buscava ter alguma liberdade em suas abordagens frente ao que era estabelecido pelas diretrizes soviéticas.
            Este direcionamento teórico-metodológico fica claro na obra intitulada Linhagens do Estado Absolutista, publicado no de 1974. Para Anderson, o Estado Absolutista surge no século XVI como resultado da crise do feudalismo, bem como do período da Baixa Idade Média, o que possibilitou transformações político-sociais. Entretanto, Anderson discorda, por exemplo, da concepção de Engels a respeito da existência de um equilíbrio entre nobreza e burguesia no processo de centralização do poder. Para ele, a nobreza detinha muito mais influência na empreitada política da centralização.
           Fazendo uma rápida comparação com autores como Norbert Elias, em obras como O Processo Civilizador – Vol. 2: Formação do Estado e Civilização (ver Sumário da Sociedade de Corte), que defende não apenas a formação de um jogo de equilíbrio de poderes entre nobreza e burguesia no processo de centralização, bem como a existência de uma nobreza em progressivo enfraquecimento frente a uma burguesia cada vez mais forte, podemos dizer que a abordagem de Anderson se diferencia não apenas em negar, naquele momento, a existência de um equilíbrio entre nobreza e burguesia, mas também defende que a primeira tinha muito mais poder que a segunda, discordando também, deste modo, sobre a afirmativa de Elias a respeito da nobreza estar quase que completamente enfraquecida.
Perry Anderson também discorda de Marx a respeito da constituição de um Estado Burguês no início do processo da formação dos Estados Modernos. Para ele, o Estado era de natureza aristocrático-feudal, vinculado a uma hegemonia da nobreza.
 Como entender isto de forma mais clara? Para Anderson, ainda não havia dominação política da burguesia, sendo a formação do Estado Absolutista resultado da reação de uma nobreza atemorizada e que buscava manter a ordem contra massas rebeldes, sobretudo, de camponeses. Neste sentido, as relações da burguesia com a nobreza se deram por meio de graduais infiltrações no aparelho de Estado (como, por exemplo, pelo financiamento do Estado na formação dos exércitos ou na compra de cargos), sendo este, prioritariamente, uma carapaça ou instrumento político da nobreza. Em suas palavras, o absolutismo ou o Estado Absolutista foi um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado para conter/sujeitar massas camponesas. Um reagrupamento feudal contra o campesinato. Uma nobreza que, até o fim do absolutismo, nunca foi desalojada de seu domínio. 
Para comprovar sua tese de que o Estado Absolustita é de base aristocrático feudal, Anderson menciona as instituições como o exército, burocracia, direito, tributação, moeda para, em seguida, relativizá-las.
A respeito dos exércitos regulares, o autor os considera, naquele momento, ainda em formato embrionário, bem diferente das tropas do Estado burguês moderno. Eram compostas por mercenários vindos de áreas externas às das monarquias, muito provavelmente pela própria recusa da nobreza armar seus camponeses em longa escala.
Já a burocracia permanente se deu de forma muito gradual. Não era uma burocracia como a de hoje e mantinha caráter pessoal/patrimonial, destoando da concepção weberiana de Estado burocrático (nobreza feudal atuava na aquisição de cargos no Estado Moderno). Havia, assim, uma série de poderes locais/feudais que dificultavam a cobrança de tributos, bem como de ordenações políticas diversas.
Por vezes, era necessário negociar com esses poderes. Anderson, deste modo, transparece a idéia da existência de um poder não tão absoluto como se pensa numa historiografia mais tradicional. Havia vários níveis de poder e isso fica evidente quando ele dá o exemplo de que a Assembléia dos Estados Gerais era constantemente convocada na França, mas acabou sendo bloqueada por uma diversidade de poderes tipicamente feudais, que, muitas vezes, não concordava com as necessidades de apoio político ou fiscal ao rei. Assim, os reis foram convocando cada vez menos os Estados-Gerais.
Autor atenta para a idéia de transição/passagem. Não há ainda um capitalismo consolidado, pois existem fortes permanências feudais, como, por exemplo, a servidão. Houve transformações, mas as mesmas se deram de forma gradual. Passou a existir um exército, mas isto deve ser entendido como uma abstração, pois, para que o mesmo se tornasse satisfatoriamente regular, levou tempo; nem todos os exércitos eram totalmente regulares e ainda existia considerável nº de nobres. A burocracia não se tornou permanente de um dia para o outro, mas foi se ajustando pouco a pouco à forma mais centralizada de poder.
A moeda também não se unificou da noite para o dia e a tributação também demorou a se unificar, até mesmo pela existência de um sistema compósito de poder. No que diz respeito ao direito, Anderson ressalta, por um lado, que o ressurgimento do direito romano trouxe as noções de propriedade privada e quiritária, além de embasamento para maior centralização e uniformidade política nas mãos do monarca. Entretanto, por outro lado, o autor ressalta limitações deste mesmo direito e diz que o direito consuetudinário não foi abandonado e, muitas vezes, o próprio direito romano foi adaptado a demandas locais, de acordo com os interesses da nobreza, havendo a proliferação de emaranhados de instâncias jurídicas diversas.

Referências Bibliográficas:

ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.p. 15-41.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador – Volume 2: Formação do Estado e Civilização, 1993. p.p. 15-22.

2 comentários:

  1. Gostei muito do comentário. Elucidou a complexa interpretação de Anderson, tornando-a clara e compreensível. Obrigada. Agora, ler Perry Anderson ficará mais fácil.

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