O objetivo desse artigo é explicar a formação dos estados de Cabo Verde e Guiné-Bissau, partindo de um entendimento que essas antigas colônias portuguesas em África estão conectadas até o momento das suas independências. A articulação da independência estava diretamente ligada com um sistema de resistência cultural e suas práticas na fomentação política de seus partidos de libertação e uso da formação política de duas nações contra a repressão colonial.
Essas duas colônias começaram com um processo de exploração colonial diferente, Cabo Verde era um arquipélago desabitado próximo a costa atlântica da África – subsaariana onde está localizada Guiné-Bissau. O marco da chegada portuguesa na costa da África – subsaariana é em 1434 com o navegador Gil Eanes que ultrapassou o Cabo Bojador, a partir daí as navegações vão fazer o reconhecimento da parte costeira da África Negra chegando até Serra Leoa e depois o golfo da Guiné.1
A descoberta das ilhas de Cabo Verde ou redescoberta é datada vinte anos depois da travessia do Cabo Bojador entre 1455 e 1456 e estão atribuídos a diferentes navegadores do processo de expansão ultramarino português como a Cadamosto, ora Antônio de Noli e ainda Diogo Gomes.2 O povoamento de Cabo Verde ou inicio da exploração colonial neste arquipélago tem uma relação direta com a Guiné ou terra dos pretos no entendimento dos exploradores portugueses daquela época. Esse povoamento das ilhas em sua maioria foi de escravos africanos de origem da Guiné, o inicio do tráfico negreiro começou com expedição de Antão Gonçalves no ano de 1441 levando escravos para o reino português.3 A diferença da exploração de Cabo Verde e Guiné-Bissau é que uma funcionava como entreposto da metrópole como é o caso do arquipélago e outra era basicamente a exploração do tráfico negreiro nos seus anos iniciais de opressão portuguesa.
Ao longo dos séculos Portugal criou seus mecanismos de domínio sobre as terras das colônias como criação de fortes, de articulação com os chefes locais das sociedades nativas e o controle das rotas comerciais dessas populações. O império ultramarino português construiu sua economia com as colônias da África e América e seu poder como potência ultramarina européia. O império português começa a perder força no século XIX com perca da maior colônia no território sul-americano, o Brasil e o fim do tráfico de escravo. Com o fim da exploração colonial do Brasil e o tráfico negreiro a economia colonial começa a passar por dificuldades e Portugal inicia o seu processo de decadência em relação às outras potências colônias européia. A decadência portuguesa diante das potências é reconhecida quando ocorre a revolução industrial na qual Portugal não faz parte e assim sendo reconhecido como um país atrasado, mais a situação que colocou o império português como inferior aos outros foi na Conferência de Berlim 1884 onde houve a partilha do continente africano para as potenciais européias daquele período, Portugal foi o que menos ganhou com essa partilha no continente africano. O estado português inicia um processo de “ocupação efetiva” das suas colônias em África partindo para um novo sistema colonial mais opressão, com o intuído de dominação total dessas populações africanas, uma colonização mental, cultural e uma política de assimilação. Depois desta contextualização do inicio do processo de colonização de Cabo Verde e da Guiné-Bissau e um novo sistema colonial que vai ser vigente até a década de 1970 nesses territórios africanos e a influência deste sistema, quem vem direto da metrópole como forma de dominação que tem seu ápice no sistema conhecido como salazarismo, que gerou conflitos dentro da própria metrópole e nas colônias africanas. Assim se viu articulações e formações políticas e o aparecimento de revolucionários e partidos de libertação nas colônias contra essa dura política aplicada pelo salazarismo.
Salazarismo “fomento” para libertação
Em meados de 1926, Portugal inicia sua ditadura militar junto com a ascensão do movimento nacionalista que tentava resgatar a identidade da nação portuguesa e sua valorização no continente europeu. Reconstruindo uma ideia de nação expansionista no intuído imperialista em relação a suas colônias.
Um dos mentores dessa ideia de reconstrução da identidade portuguesa é Antonio de Oliveira Salazar, construindo a noção de imperialismo português. Com a chegada de Salazar ao poder do estado português junto com a ditadura militar formula políticas de dominação opressora. A principal política promulgada por Salazar em 1930 foi o Acto Colonial cito um estudioso em salazarismo Valentim Alexandre “Acto Colonial procurava marcar da forma mais solene a determinação do regime em preservar o império”,4 analisando essa citação fica clara a ideia de um regime de opressão as colônias com intervenções seja qual fosse para manter o tal “imperialismo” português sobre seus domínios colônias.
O grande momento de Salazar no poder é a partir do fim do regime militar em 1933 e a criação da ditadura fascista do Estado Novo, e se inicia oficialmente o regime salazarista. Com características principais parecidas com as dos séculos iniciais da chegada portuguesa em África como uma missão colonizadora e evangelizadora sempre com o apoio da igreja católica, mas trazendo novos conceitos como anticomunismo, conservador, autoritário, repressão, para compreender o sistema opressor salazarista nas colônias africanas cito Perry Anderson:
Trabalho forçado em massa: leis transmitidas de facto: capital estrangeiro onipresente: um conjunto de proletariado branco incendiário: uma superestrutura de magia: uma máquina social e econômica funcionando num vazio, impulsionada pelo terror puro. Esse era o sistema do imperialismo português [...] o mais primitivo, o mais deficiente e o mais cruelmente exploratório regime colonial da África.
ANDERSON, Perry. Portugal e o fim do Ultracolonialismo. Editora: Civilização brasileira S.A. RJ. p.99
Esse contexto de opressão do regimento salazarista vai se perpetua até as independências das colônias em África em meados da década 1970.
O cenário internacional pós- segunda guerra mundial proporcionou uma divisão política no globo terrestre dividindo e os países numa bipolaridade que se entendia aqueles apoiados pelo bloco socialista (comunismo) e o bloco capitalista, as divergências entre a parte socialista e a capitalista coloca no cenário mundial o inicio da guerra fria que vai muda o contexto das colônias africanas em relação ao regime salazarista. Com influência do bloco socialista nas lideranças africanas contra o salazarismo, inicia na década de 1950 os partidos para a libertação nacional nas colônias dominada por Portugal. O império português anticomunista começou a reprimir com violência as revoltas nessas colônias que na década de 1960 com o apoio do bloco socialista começa a se revolta com armas e técnicas de guerrilha usadas pelos partidos de libertação.
A articulação para a libertação do Cabo Verde e Guiné-Bissau diante do regime salazarista proporcionou o enfraquecimento deste mesmo regime culminando na Revolução dos Cravos na metrópole opressora. O partido que fez essa mudança foi o PAIGC liderado por Amilcar Cabral e suas articulações e concepções novas para a formação cultural em prol da libertação de uma doutrina colonial.
A construção da libertação e o militante nº 1
As independências de Guiné-Bissau (1973) e Cabo Verde (1975) são datadas do inicio da década de 70, a construção da libertação começou pela literatura de autores desses países mostrando o sofrimento diário dos autóctones, principalmente no caso da Guiné-Bissau. A questão de ser ou não um autóctones em Cabo Verde gerou grande embate na formação da identidade na construção da libertação deste país.
A população cabo-verdiana participou intensamente de um processo de crioulização ou mistura de culturais dentro do arquipélago. O seu processo de colonização gerou essa crioulização ocorreu entre as populações portuguesas e pelas migrações involuntárias principalmente dos escravos africanos que formou a maior parte das populações das ilhas.
A literatura fomentou a conscientização das pessoas que sabiam ler e escrever em português, porque ao longo do processo colonial não teve um processo intenso de letramento dos autóctones na língua portuguesa construindo assim uma população analfabeta na língua do colonizador.
Parte da elite local que tinha acesso à educação feita para uma política de assimilação no caso de Cabo Verde, essa elite se considerava mestiça fugindo de uma tida raiz “tribal” de seus ancestrais escravos que colocariam como inferiores. Muitos integrantes dessa elite mestiça concluíam seus estudos em Portugal. Esse contato da elite mestiça com as populações da metrópole gerou conflitos na questão da dita identidade mestiça, construída pelas políticas de assimilação.
O conflito de identidade desses ditos mestiços estimulou em alguns intelectuais da elite mestiça a busca de uma resistência contra opressão sofrida na metrópole, assim suscitando neles suas raízes africanas. Os intelectuais passaram a compreender que construindo uma literatura valorizando as origens africanas iriam combate e se opor a opressão colonial vivenciada na metrópole.
Todo esse embate e uma nova construção ideológica fez surgir lideranças em prol da libertação de Cabo Verde e Guiné-Bissau no caso específico desses dois países, ganha destaque o papel da luta exercida por Amilcar Cabral como militante nº 1.
A vivência de Amilcar Cabral na metrópole fez com que, ele conhecesse outros militantes na luta pela libertação e o obras de autores contra a colonização e o racismo. A condição de negro vivendo na metrópole e ainda oriundo de uma colônia faz Cabral refletir sobre a condição humana em que as populações negras vivem, seja ela em África ou nos outros países onde há uma população negra oriunda de uma migração involuntária através da escravidão no processo colonial. Essas reflexões do militante nº 1 afloraram com o conhecimento de autores negros da diáspora e o movimento negritude no qual era formado por intelectuais como Aimé Cesaire.5
Sua formação política foi em teorias marxistas, mas para introduzir uma ação intelectual nos povos contra o poder colonial, Cabral preferiu trabalhar a questão da cultural “Na nossa situação concreta temos que dar grande atenção à resistência cultural”,6 se impondo culturalmente contra o colonizador e seu sistema vigente opressor fará um embate sobre a questão em que a colônia ver o colonizado como inferior. A ação cultural coloca em igualdade o negro colonizado e o branco colonizador assim mostrando ao opressor que cultura do colonizado não é inferior e nem pior, construindo pilares para a formação intelectual dos povos na luta de libertação.
A luta pela independência tomou maiores proporções com a fundação do Partido da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no ano de 1956 tendo como seu líder Amilcar Cabral. Caracterizando uma unidade entre o arquipélago e a Guiné-Bissau na luta de libertação, essa unidade faz pensar a origem do Cabo Verde ligada as suas raízes africanas e de como o sistema colonial tentou apagar e criar um estilo cultural para essa população visto como mestiça formado por um passado europeu e deixando de lado o africano, Cabral explica o porquê da assimilação imposta pelo estado colonial:
Para fugir...ao dilema da resistência cultural – a dominação colonial imperialista tem tentado criar teorias que, na realidade, são grosseiras formulações de racismo e que na prática se traduzem num permanente estado de sítio para as populações aborígenes...na base da ditadura racista (ou democracia). Isto, por exemplo, é o caso da suposta teoria da assimilação progressista das populações nativas, que não é mais do que uma tentativa menos violenta para negar a cultura do povo em questão.
CABRAL, AMILCAR. “National Liberation and Culture”. In: Unity and Struggle; Speeches and Wiritings of Amílicar Cabral.
As estruturas do sistema colonial na sua forma, mas cruel pode ser compreendida no que se refere à dominação mental dos indivíduos. Com uma formação política e cultural e o desenvolvimento da resistência cultural o sistema colonial opressor passara a sentir a força da luta, mas no caso de Cabo Verde e Guiné-Bissau a força cultural não vai ser suficiente para se livra do domínio português e sim a luta armada.
A primeira insurreição será em 1963 com participação de todos do movimento de libertação entres eles o PAIGC, que com ajuda soviética de armas e treinamento de guerrilha, vão luta até suas independências inicio de 1970.
O maior expoente da luta e o militante nº 1 do movimento libertação Amílcar Cabral não chegou ver a libertação dos países, foi assassinado em 20 de janeiro de 1973 pela polícia política (PIDE).
Todo o sistema opressor faz o seu fim, no caso visto nesse trabalho onde as teias da opressão se formaram no século XV e só caíram no século XX. As feridas deixadas pelo sistema colonial português não saíram fácil daquelas populações que tiveram um grande atraso econômico causado por anos de exploração predatória das riquezas oriunda daquelas terras.
A consciência e a formação política dos seus líderes contribuíram de uma forma sólida para refazer os estados e a resistência cultural fez com quem suas populações revisassem seu passado e suas resistências anteriores ao longo do processo colonial.
O fim do sistema colonial e a “libertação” destes países não significaram numa melhora rápida e nem uma consciência mutua em prol do desenvolvimento. A economia já enfraquecida pela exploração colonial e o inicio de divergências políticas para uma consolidação dos sistemas nacionais, pós-regime colonial dificultando as melhorias necessárias. Em suma, os movimentos de libertação trouxeram de volta a ideia que tudo pode ser alterado mesmo num sistema opressor tão forte e violento.
4 ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil Novas Áfricas; Portugal e o Império (1808-1975). Editora Afrontamento. P.215
5 Intelectual e uns dos principais líderes do movimento negritude.
5 Intelectual e uns dos principais líderes do movimento negritude.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON, Perry. Portugal e o fim do Ultracolonialismo. Editora Civilização Brasileira S.A. RJ.
ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil novas Áfricas: Portugal e o Império (1808-1975). Editora Afrontamento.
CABRAL, Amílcar. P.A.I.G.C. Unidade e Luta. Textos Amilcar Cabral/ nº2. Lisboa-1974.
CABRAL, Amílcar. “National Liberation and Culture”. In Unity and Struggle: Speeches and Writings of Amílcar Cabral. Monthly Press. 1979.
JORDAN, Josehp. Cabral no cruzamento de Épocas; Cabral solidariedade e a Diáspora Africana nas Américas.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Tomo I A Época Colonial: Volume 1 Do descobrimento à expansão territorial. 16ª edição. Editora Bertrand Brasil.
MENDY, Peter Karibe. Revista de estudos guineenses Soronda: A herença colonial e o desafio da integração. Nº 16. Julho. 1993.
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