Por Rafael Oliveira e Marcelle Sestare
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O livro “Duque de Caxias: o homem por trás do monumento” foi publicado a partir da tese de doutoramento de Adriana Barreto de Souza. A autora, concluiu seu doutorado em 2004 na UFRJ sob orientação do Prof. Dr. Manoel Salgado Guimarães e do Prof. Dr. Celso Castro (antropólogo especialista em militares). Adriana, desde sua graduação vem tratando, sob orientação do Prof. Manoel Salgado, sobre os militares brasileiros. Em 1997, com o mesmo orientador, apresentou a tese de mestrado intitulada “O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política militar conservadora” na UFRJ, ganhando o Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa do Ano. Acredito que seu interesse em estudar a participação dos militares na formação da sociedade brasileira possa ter surgido por influência de seu orientador, o já citado, Prof. Manoel Salgado Guimarães.
Em sua tese, a autora parte na contramão dos antigos biógrafos do
Duque de Caxias. A primeira biografia sobre Luis Alves de Lima foi escrita pelo
padre Joaquim Pinto de Campos em 1878. A reedição da mesma em 1936 deu-lhe um
caráter oficial, tanto que na década de 1980 – mais de 100 anos depois da
primeira edição – as biografias sobre o Duque em pouco diferenciavam da do
padre. Todas se focavam em sua atuação militar, dando pouca importância a sua
atuação política e aos seus anos iniciais de vida, erguendo assim um monumento
ao Duque.
É através dessas
biografias que a trajetória do duque de Caxias é conhecida. Elas desejavam que
a imagem de herói nacional do duque fosse passada a seus contemporâneos e as
gerações vindouras, o que foi facilitado pelo fato de existirem poucas
pesquisas acerca do tema e sobre o Exército brasileiro no século XIX.
Em sua tese – de
maneira inédita –, a autora pretende decompor essa imagem de “duque-monumento”
e explorar essas regiões de silêncio nas biografias sobre Caxias. O foco do
livro é, nas palavras da própria autora, “decompor o
‘duque-monumento’, contando a história de um oficial brasileiro nascido numa
família de militares portugueses, de origem não nobre, que atravessou o
Atlântico para tentar aumentar suas chances de ascensão social” [1].
Para isso, além de uma vasta lista de documentos, Adriana dialoga com autores
como Walter Spalding para tratar do relacionamento entre Bento Manuel e o
brigadeiro Brito, além de sua definição sobre como teria agido Duque de Caxias
no Rio Grande do Sul, “mais diplomata que soldado”; Ilmar Mattos, ao mostrar
que os conflitos que ocorreram
nas ruas e praças da corte podem ser vistos como chave para compreender a
formação da identidade política daqueles que viviam no império do Brasil.;
Antonio Manoel Espanha, ao usar sua expressão “economia de favores” para
demonstrar como as patentes abaixo do generalato do corpo oficial do Exército
português eram utilizados como moeda de barganha para ampliação de bases
políticas; Thomas Holloway para
analisar a política repressora utilizada para o combate da ameaça de
insurreição social; e Henrique Woderspahn ao tratar do
silencio que ronda as negociações de Caxias com os Farroupilhas; além de
criticar alguns aspectos da historiografia, como os intervalos de tempo entre a
narração, e as limitações da narrativa da Confederação de Pernambuco.
A
autora busca dessa forma, estudar não apenas o Duque de Caxias como militar,
mas também Luis Alves de Lima, como um homem de seu tempo e como um agente
político.
Como já
explicitado na introdução deste trabalho, o principal objetivo da autora é
decompor a imagem do “Duque-Monumento” e contar a história do jovem Luis Alves
de Lima e de sua família na busca por prestígio e ascensão social. Para isso,
ela divide o livro em sete capítulos, cada qual com alguns sub-capítulos, sendo
cada um responsável por demonstrar um aspecto da vida de Luis Alves ou de seus
familiares.
No primeiro
capítulo, intitulado “Para estímulo dos que servem nas colônias: os Lima da
Silva atravessam o Atlântico”, Adriana Barreto tem como objetivo acompanhar a
trajetória dos oficiais Francisco de Lima da Silva e José Joaquim de Lima da
Silva (tio-avô e avô de Luis Alves, respectivamente) para reconstruir, através
de suas motivações
pessoais e experiências institucionais, os meios pelos quais eles negociaram
suas práticas como militares do Império português. Segundo a autora, “desse
modo, o que se propõe é uma inversão no procedimento mais usual entre os
historiadores, que consiste em partir de um contexto geral para situar a
atuação de alguns personagens. Aqui, o contexto será sempre particular,
desenhado em função da circulação dos irmãos Lima da Silva pelo império e dos
episódios em que se envolveram.” [2].
Para a autora, o fato de Francisco
de Lima, ainda jovem, ter servido em uma expedição militar às Índias Orientais,
deve ter sido um importante diferencial em sua ascensão no Exército, pois
catalisava possíveis influências de seu pai ou de um apadrinhamento. Em 1740, a
Coroa mandou organizar uma esquadra com seis naus para defender Goa, sob o
comando do Marquês de Louriçal. A autora acredita que a promoção de Francisco
de Lima a capitão, em 1740, possivelmente ocorreu em função de sua participação
nessa expedição. Em 1746, com a vitória dos portugueses em Alorna, Francisco de
Lima foi promovido a sargento-mor. Segundo Adriana Barreto, é bem provável que,
servindo ao marquês de Louriçal em Goa, o capitão Lima tenha conquistado sua
confiança e amizade, fato que fez com que o marquês lembrasse de seu nome para
coronel, um posto de extrema confiança em um contexto de guerra. E foi assim,
aliando os serviços prestados à Coroa e a amizade com os “grandes do Império”,
que Francisco de Lima ampliou as possibilidades de sua carreira no Exército.
O capítulo dois,
“Os Lima e Silva combatem a hidra da anarquia: os anos de formação de Luiz
Alves de Lima”, tem como objetivo mostrar a precariedade da formação acadêmica
da Academia militar – instituição a qual Luis Alves frequentou – e sugerir duas
outras experiências como mais valiosas na formação militar de
Luiz Alves. A primeira delas foi a sua participação nos combates travados pelo
Batalhão do Imperador na Bahia em 1823, no qual seguia como ajudante de
batalhão do seu tio José Joaquim de Lima e Silva. “A outra era resultado da
passagem de Francisco de Lima por Pernambuco em 1824. O jovem Luiz Alves não
seguiu seu pai nesses combates. No entanto, acredito que o episódio deixaria
profundas marcas em toda a família. Ele evidenciava as dificuldades ainda
enfrentadas pelos Lima para se firmarem na corte, agora de d. Pedro I.” [3].
A Real Academia Militar vinha a
muitos anos sofrendo com escândalos e falta de investimento. Mesmo apresentando
em seu inicio uma grande organização, era praticamente uma instituição
desmilitarizada, onde os alunos saiam mais como intelectuais do que
propriamente militares. Em seu 4º ano na academia, Luiz Alves desistiu do curso.
“De que lhe valeriam as aulas de um estabelecimento em ‘evidente decadência’?” [4]
Ele já era um infante e integrava como alferes o 1º Regimento de Infantaria do
Rio de Janeiro. Declarada a independência, Luiz Alves passou a integrar, sob o
comando de seu tio José Joaquim de Lima, o Batalhão do Imperador. Em 1823, foi
junto com seu tio ao Recôncavo baiano, para coibir uma resistência militar
antilusitana, tendo obtido sucesso. José Joaquim voltou para corte junto com
seu batalhão ainda em 1823.
No terceiro sub-capítulo, a autora
nos conta a história dessa etapa da repressão aos confederados pernambucanos,
examinando a relação do brigadeiro Lima com d. Pedro. Francisco de Lima, ao
combater em Pernambuco, adotava uma estratégia que ia contra as ideias da Coroa,
ao prender e não executar os líderes do movimento opositor. A autora acredita
que ele tinha convicção de que adotava a melhor estratégica de defesa dos
interesses da Coroa em Pernambuco. Porém, isso acabou fatigando a relação do
brigadeiro Francisco de Lima com d. Pedro, fato que fez com que fosse expedida
uma carta de destituição do brigadeiro do cargo, mas ele acabou continuando a
frente da operação. Ao voltar, para o Rio de Janeiro, mesmo sendo vitorioso,
Francisco de Lima foi vítima do descontentamento do imperador, não recebendo
prêmios importantes e sendo praticamente jogado ao ostracismo. Adriana acredita
que o jovem Luiz Alves, mesmo tendo permanecido na corte como capitão do
Batalhão do Imperador, deve ter acompanhado de muito perto todos esses
acontecimentos, seja por troca de correspondências com o pai, ou pelo impacto
de suas atitudes na corte, fato que colaborou bastante para sua formação como
militar.
No capítulo três, chamado “Luiz
Alves no laboratório político da corte: um treinamento intensivo na preservação
das fronteiras sociais”, a autora nos conta a história dos conflitos que
tomaram as ruas do Rio de Janeiro, após a abdicação de D. Pedro, e sua
importância na formação de Luiz Alves. Após a abdicação do Imperador, Francisco
de Lima foi eleito para a Regência Provisória e depois para a Regência
Permanente do Brasil. A essa altura, Luiz Alves via o pai assumir a direção
política do império, e dois de seus tios assumirem os principais postos
militares. Em 1832, o então major Luiz Alves foi nomeado comandante da Guarda
de Municipais Permanentes, força militar criada pela Regência para combater os
levantes que não cessavam na corte. O major ficou nesse cargo por sete anos,
deixando-o apenas para assumir o comando das forças organizadas que combateriam
na Balaiada.
Para Adriana, “ao
participar da repressão a esses levantes ao lado do pai e dos tios, bem como de
figuras como Diogo Antônio Feijó, Evaristo da Veiga e Bernardo Pereira de
Vasconcellos, Luiz Alves de Lima foi submetido a um treinamento intensivo.” [5]
Ao permanecer no comando da Guarda de Permanentes por sete anos, Luiz Alves
passou a ocupar um lugar importante no sistema policial da cidade, e a circular
no meio de vários grupos sociais. A autora se apropria do conceito cunhado por
Ilmar Mattos, e nos diz que esses anos a frente da Guarda, serviu de
laboratório para o major, uma espécie de “estágio” onde ele era treinado para
maiores combates.
Ainda nesse capítulo, a autora nos
conta como, por meio de um casamento “clandestino”, Luiz Alves conseguiu
ampliar sua rede de relacionamento e de status; como uma atitude impensada de
seu irmão mais novo, Carlos Miguel de Lima, pois em risco sua reputação; e sua
aproximação ao seu grande aliado no combate à desordem pública – Eusébio de
Queiroz.
No quarto
capítulo, “Da chaga aberta deve nascer o espírito da ordem: a metamorfose em
nobre e general”, a autora tem a intenção de nos mostrar como na campanha no
Maranhão em 1839, o coronel Luiz Alves “criou uma forma própria
de repressão, combinando sua experiência no comando das Guardas Permanentes,
especialmente a habilidade para lidar com uma sociedade tão estratificada e
reorganizar suas fronteiras sociais, com as estratégias de negociação de seu
pai em Pernambuco.” [6]
A mesma estratégia que culminou no isolamento na corte de Francisco de Lima,
agora era totalmente aceito pelo novo imperador, d. Pedro II. Com a concessão
das anistias aos rebeldes maranhenses, a desarticulação destes se tornou muito
mais fácil. Vale ressaltar também as políticas de intrigas e de espionagem
criadas por Luiz Alves. Ao colocar gente de sua confiança – os espias ou
bombeiros – no meio dos rebeldes para tentar colocá-los um contra o outro, o
coronel causava a desunião dos mesmos. Essa técnica de repressão passou a ser a
marca de Luiz Alves e foi usada em todas as suas outras investidas após 1839.
No Maranhão, Luiz Alves manteve uma
política de neutralidade, ao dizer que não estava interessado na disputa entre
partidos, mas sim na paz e prosperidade do povo. Segundo Adriana, há quem
afirme que essas ideias faziam parte de uma política do Rio de Janeiro,
enquanto outros dizem que essas ideias eram de seu secretário, o poeta
Gonçalves de Magalhães. Porém a autora acredita que, “a política que ele
anuncia, tinha um pouco de cada um desses elementos, e acrescento ainda um
último: a colaboração de Manoel Felizardo.” [7]
Para Adriana, Luiz Alves só pode conhecer melhor os riscos da política
maranhense graças a ajuda de Felizardo, que lhe passou informações por ofícios,
e com quem conviveu por cerca de um mês em São Luis, onde, segundo o próprio
coronel, “tratava particularmente de informar-me com ele”. [8]
Voltando vitorioso ao Rio de Janeiro, Luiz Alves foi agraciado com o posto de
brigadeiro do Exército e com o título de barão da cidade que lhe interessasse,
sendo o primeiro de sua família a conquistar um título de nobreza. Luiz Alves
escolheu Caxias, por causa da importância desta cidade em sua luta no Maranhão.
No capítulo cinco, “Em cena, o
delegado de José Clemente Pereira: Luiz Alves adere aos princípios
conservadores”, a autora tenta nos mostrar como mesmo distante da corte, o
barão de Caxias se manteve informado dos acontecimentos políticos que buscavam
a maioridade de d. Pedro II. A política de neutralidade utilizada no Maranhão
foi extremamente importante para Luiz Alves, pois ao chegar no Rio de Janeiro
encontrou uma situação política onde “predominava a ideia de uma política acima
dos partidos.”[9] A
autora acredita que só quando voltou do Maranhão e foi nomeado para combater os
movimentos liberais de 1842, Luiz Alves aderiu definitivamente aos princípios
da centralização conservadora.
Utilizando-se das mesmas estratégias
do Maranhão, Luiz Alves conseguiu conter os movimentos separatistas de São
Paulo e Minas Gerais. Em menos de três anos entre sua partida para o Maranhão e
sua volta a Corte após Minas Gerais, Luiz Alves se consagrou como o pacificador
de três províncias, marechal dos exércitos reais e barão de Caxias. Confiante
em seu desempenho e em seu talento militar, a Corte lhe deu uma nova
oportunidade em 1842: o comando das forças em operação no Rio Grande do Sul.
No sexto capítulo de seu livro,
“Sangue-Frio, experiência e otimismo: articulações e conflitos nas terras da
fronteira”, a autora procura examinar as alianças que o Barão de Caxias firmou
para conseguir agir no Rio Grande do Sul, cujo interior constituía o primeiro
grande desafio dos oficiais. Adriana nos diz que “Caxias não defendia o que
genericamente se denomina ‘interesse nacional’. Defendia o projeto nacional
conservador, elaborado e sustentado por certos grupos” [10],
sendo a intenção deste capítulo mostrar como essa rede política se consolidou.
A
autora acredita que apesar da liberdade que lhe foi concedida pelo Imperador no
que diz respeito ao plano militar a ser adotado na região, o ministério da
Guerra regulava a capacidade de negociação e de atuação de Caxias. A autora
critica a historiografia e as outras biografias de Caxias por não explorarem
esse aspecto, dando uma ideia de ampla liberdade e de uma autonomia maior do
que ele realmente teve.
Segundo Adriana, o perfil de
“sangue-frio”, “experiência” e otimismo, juntamente com o “espírito
conciliador” se difundiu após a ampla negociação realizada para pacificar a
Farroupilha. É importante ressaltar que Caxias, ao reprimir os rebeldes, não
negava as suas utilidades, mostrando-se disposto a negociar com eles para
aproveitar o conhecimento que possuíam sobre o local, fator importante em sua
atuação no sul, principalmente após a sua aliança com Bento Manoel.
No sétimo e último capítulo,
intitulado “Um conservador firme, mas moderado: da intensa política na guerra
ao ingresso ao Parlamento”, a autora nos mostra como, contando com a sorte e
com incidentes inesperados, Caxias pôde intensificar suas negociações.
Para surpresa do Barão, intrigas e
conflitos começaram a dividir os líderes farrapos, a ponto de alguns deles –
principalmente Bento Manuel – procurarem o Barão para negociarem a rendição.
Porém, uma parte dos farrapos ainda não queria se render, o que fez com que
Caxias tivesse que, mais uma vez, retomar suas negociações. A autora atenta
para o fato de que o barão de Caxias decide considerar as “instruções
imperiais” para entrar em acordo direto com os farroupilhas. Certo grau de
independência teria consequências sobre sua carreira. Esse assunto foi
silenciado nas biografias anteriores de Caxias, sendo destacado apenas seu
“espírito conciliatório”. Depois de muita negociação e de certo afrouxamento
das ordens enviadas pela Coroa, Caxias conseguiu entrar em acordo com os
farrapos no sul. A autora nos conta que devido a esse “jogo”, Walter Spalding
define a atuação de Caxias no Rio Grande do Sul em uma frase: “mais diplomata
que soldado”.
Após a pacificação da província,
Caxias foi eleito presidente do Rio Grande do Sul com apoio dos farrapos. Um
ano depois, Caxias foi eleito como um dos três candidatos ao Senado por aquela
província, sendo escolhido pelo imperador para assumir o cargo.
Adriana Barreto, ao biografar
Caxias, rompe com o procedimento clássico da história social, ao não pensar a
sua trajetória de vida como síntese para muitas outras. Para isso, ela
reformula o conceito de contexto, não pensando-o como um cenário fixo e
invariável, mas sim reconstruindo-o a partir de elementos particulares à
trajetória de Caxias. A autora utilizou o nome “Caxias” para se guiar por um
vasto universo documental de arquivos. Como a mesma nos diz, “foram os nomes
mencionados nos documentos, as cidades que percorreu nas campanhas militares e
os postos assumidos por ele que definiram os maços e coleções de documentos a
ser analisados. Tentava, com isso, recompor a rede social em que Caxias se
achava inscrito em diversos momentos de sua vida.” [11]
Partindo do pressuposto de que todo indivíduo está presente em uma teia de
relações humanas, escrever uma biografia é em parte pensar sobre essas
relações. Portanto, a autora se utiliza de textos laudatórios, escritos em sua
maioria por militares; do diário de Vicente Fontoura; jornais da época;
arquivos do Exército; revistas do IHGB; arquivo do Museu Imperial de
Petrópolis; arquivo do Itamaraty; arquivo do Museu Histórico; de documentos de
colecionadores e de leilões, entre outras fontes,[12]
para tentar reconstruir essas teias. Por exemplo, Adriana usa os ofícios e as cartas
do Duque de Caxias para mostrar como se dava o relacionamento do mesmo com seus
correspondentes. Ela utiliza essas conversas para demonstrar as discussões
políticas do Duque com a Coroa e com seus aliados, as negociações dele com seus
combatentes e também para mostrar o lado do homem Luis Alves, utilizando para
isso suas correspondências pessoais destinadas ao seu pai, seus irmãos e
primos, e sua esposa e filhas. Analisando esses documentos e uma vasta
bibliografia, ela consegue ter uma ideia dos lugares por onde Caxias andou, o
modo como agia e se relacionava com outras pessoas, e sobre o que decidia.
Por
causa disso, diante de tantos dados incompletos, o trabalho da autora é tentar
biografar o Duque unindo esses fragmentos para tentar dar fim ao silêncio que
predomina sobre sua vida. Nas palavras da mesma, “procurei reconstruir – com o
material disponível – os ambientes pelos quais Luiz Alves circulou e as
histórias que provavelmente vivenciou, mesmo sabendo que isso não produzirá
‘provas’ sobre o significado (ou significados) que ele atribuiu a cada uma
delas no momento em que as vivia, ou em fases posteriores de sua vida.”[13]
A autora ainda faz uma análise das estátuas de Duque de Caxias (na Praça da
República) e do General Osório (na Praça XV de Novembro) pra nos mostrar como
houve um trabalho dos militares brasileiros em manter a imagem do Duque como um
estrategista em paralelo a imagem de guerreiro do General.
A
autora se utiliza de alguns conceitos para justificar sua metodologia de
pesquisa, e outros para tentar nos aproximar do contexto em que vivia o Duque e
da vida militar. O conceito de Duque-Monumento explicita a imagem construída do
Duque de Caxias excluindo seu caráter pessoal, vendo-o apenas como um herói
nacional, um exemplo que deve ser seguido. Para explicar sua metodologia de
trabalho, a autora utiliza o conceito de Configuração, onde a mesma a partir do
nome Caxias faz uma busca por documentos, e com esses documentos tenta, da
maneira mais flexível possível, reconstruir seus passos. O conceito de Ação política
dá ênfase na conduta e nas atitudes do Duque, de acordo com seus interesses
pessoais ou coletivos, em cada uma de suas empreitadas. Adriana se apropria do
conceito de Laboratório criado por Ilmar Mattos, para dizer que acredita que a
província fluminense não treinava apenas medidas, mas também pessoas, e que
Luiz Alves passou por esse Laboratório durante os sete anos em que comandou a
Guarda de Permanentes. Os conceitos de Velhaco e Tarimbeiro são conceitos do
campo militar, e são utilizados para aproximar o leitor do contexto e da vida
militar no século XIX.
Adriana Barreto conclui que a
formação militar naquela época não passava pela aquisição de conhecimentos
técnicos e específicos em uma academia militar, nem pela incorporação de
valores orientados por uma disciplina rigorosa, mas sim pelo aprendizado na prática
do combate e da negociação, à moda dos tarimbeiros, atributo fundamental para
um militar brasileiro do século XIX. Luiz Alves é um bom exemplo disso: só
aprendeu a ser militar na prática, indo com seus tios para Bahia, acompanhando
de longe a história de seu pai em Pernambuco e vivendo os conflitos políticos,
alianças locais e intrigas palacianas. Essas experiências e uma boa dose de sorte
foram fundamentais para ele conseguir resolver alguns conflitos, sobretudo no
Rio Grande do Sul.
A autora consegue cumprir seu
principal objetivo: analisar Caxias como homem e militar do século XIX,
retirando-o, para isso, dos postos de patrono do Exército Brasileiro e de herói
nacional. Adriana nos mostra uma versão mais humana de Caxias, começando seu
livro na juventude, quando ele ainda era apenas Luiz Alves de Lima. Para
Maurício Santoro,
“O maior mérito do livro de Adriana de Souza é mostrar como a
excepcional trajetória de Caxias se inseriu no contexto de ampla teia de
relações pessoais e familiares, que se iniciou com a aposta de seu tio-avô,
ainda no século XVIII, de emigrar de Portugal ao Brasil, em busca de
oportunidades de ascensão social que inexistiam na Europa. Foi o início de uma
dinastia militar que galgou passo a passo as principais hierarquias na Colônia
e no jovem império, aproveitando as oportunidades criadas pelas guerras no
Prata, pela vinda da família real, pela Independência e mais tarde pela
necessidade de debelar as rebeliões provinciais durante a Regência.”[14]
Já Thiago Soares nos mostra como Adriana Barreto desconstrói a imagem de
que o Duque de Caixas era avesso à política e estaria interessado apenas nos
interesses nacionais, visto que é “difícil imaginar que alguém que exerceu
tantos cargos [políticos] não gostasse de política.”[15]
Para
Marco Morel,
“Adriana
Barreto partiu de dois eloquentes silêncios de inúmeras biografias anteriores,
ou seja, as origens familiares e a dimensão política da atuação deste militar –
que foi senador e governou províncias. O leitor, pois, tem diante de si um
Duque de Caxias humanizado e que, aliás, ainda nem tinha se tornado duque. Era
conde, em 1845, quando se encerra o livro. A autora está devendo, portanto, a
publicação da segunda e instigante parte da vida do personagem, envolvendo,
entre outros aspectos, a Guerra do Paraguai, a maçonaria e a chegada dele ao
cargo de presidente do Conselho de Ministros, o mais alto depois do imperador.”[16]
Em uma escrita que prende atenção do leitor, Adriana não consegue
apenas dar conta de sua proposta inicial e de ser sucesso de crítica. Ela
consegue também, e talvez o aspecto mais importante do livro em nossa opinião,
escrever de maneira simples e não ser enfadonha, o que permite que qualquer
pessoa, mesmo não sendo acadêmica, possa desfrutar de sua ótima biografia.
*Resenha realizada para a disciplina de História do Brasil II.
BIBLIOGRAFIA:
SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de
Caxias: o homem por trás do monumento – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2008.
SANTORO, Maurício. Duque de Caxias: por trás do monumento. Disponível em: <http://todososfogos.blogspot.com.br/2009/11/duque-de-caxias-por-tras-do-monumento.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:47.
SOARES, Thiago C.. O homem por trás do monumento: Duque de Caxias.
Disponível em: <http://www.descobrindohistoria.com.br/2011/11/o-homem-por-tras-do-monumento-duque-de.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:59.
MOREL, Marco. Um mito humanizado: Historiadora refaz trajetória de Duque de Caxias em análise profunda e cativante. In: Resenha Diária do Jornal O Globo, 11-04-2009. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br/index.php/resenhas-anteriores/category/24-abril-de-2009.html?start=150>. Acesso em: 05 out. 2012.
IMAGEM: http://cdn.b5e8.upx.net.br/imagens/imagem/capas_lg/367/2639367.jpg
[1] SOUZA, Adriana Barreto de. Duque
de Caxias: o homem por trás do monumento – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2008, p.40.
[2] Idem,
p.49
[3] Idem, p.111
[4] Idem, p.124
[5] Idem, p. 182
[6] Idem, p. 283
[7] Idem, p. 291
[8] Idem, p. 293
[9] Idem, p. 352.
[10] Idem, p.406.
[11] Idem, p.39.
[12] Idem, p.579.
[13] Idem, p.111.
[14]SANTORO, Maurício. Duque de Caxias: por trás do monumento. Disponível em: <http://todososfogos.blogspot.com.br/2009/11/duque-de-caxias-por-tras-do-monumento.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:47.
[15] SOARES, Thiago C.. O homem por trás do monumento: Duque de Caxias. Disponível em: <http://www.descobrindohistoria.com.br/2011/11/o-homem-por-tras-do-monumento-duque-de.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:59.
[16] MOREL, Marco. Um mito humanizado: Historiadora refaz trajetória de Duque de Caxias em análise profunda e cativante. In: Resenha Diária do Jornal O Globo, 11-04-2009. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br/index.php/resenhas-anteriores/category/24-abril-de-2009.html?start=150>. Acesso em: 05 out. 2012.
Ótima resenha, mas desejo um livro completo que tenha a guerra do Paraguai. Poderiam indicar? Ou terei que comprar esse que parece ser muito bom e outro sobre a Guerra do Paraguai.
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