No
texto A Revolução Francesa, excerto de A Era das Revoluções
(1962), Eric Hobsbawm traz o conceito de “dupla revolução”, entendendo que, por
trás da consolidação do capitalismo liberal, bem como do mundo contemporâneo,
no século XIX, existiram duas importantíssimas transformações: a revolução
industrial sendo esta o “braço econômico”, e a revolução francesa sendo o
“braço político”, atuando ambas em um processo de complementaridade para o estabelecimento de tal modelo.
Enquanto
a Revolução Industrial seria responsável pelas mudanças das estruturas
econômicas e tecnológicas (como fábricas e ferrovias), que representam o início
do processo de consolidação do capitalismo, a Revolução Francesa seria a
responsável por espalhar as ideias de democracia, nacionalismo e liberalismo,
ou seja, a ideologia de base iluminista, tendo, portanto, a responsabilidade
pela completude de tal processo de consolidação, ao derrubar o ideário do
Antigo Regime.
Mas,
por que exatamente a Revolução Francesa é indicada pelo autor como fundadora
política da modernidade capitalista e não outros movimentos que também
ocorreram no final do século XVIII? Pelo seguinte: segundo o autor, a Revolução
Francesa foi o mais fundamental movimento pelo fato de ter ocorrido no Estado
mais populoso e poderoso da Europa, além de também ter sido um incomparável
movimento de massa e mais radical que qualquer outro, e, por possuir caráter ecumênico,
buscou revolucionar o mundo, gerando enorme influência em vários outros
processos revolucionários posteriores.
Já no início do texto, o autor aponta que as origens do movimento devem ser
procuradas na situação específica da França, que apresentava um agudo conflito
entre a estrutura oficial do Antigo Regime e as forças ascendentes. Lá, as
reformas despótico-esclarecidas fracassaram mais rapidamente por conta,
principalmente, de uma fortíssima reação feudal, com uma nobreza que, para
manter seus privilégios em meio à crise, exasperou o máximo possível as
denominadas classes médias (noblesse de robe e burguesia – tanto a alta,
quanto a baixa) e o campesinato, buscando afirmar ainda mais seus direitos
feudais, o que forneceu a centelha para explodir o barril de pólvora da
revolução, uma vez que tal situação promoveu um surpreendente consenso de grupo
na burguesia.
Contudo,
essa burguesia, baseando-se em um ideário no qual “povo” era identificado com
“nação”, trouxe algo mais revolucionário do que seu programa liberal pretendia,
pois isso acabou indo de encontro com os interesses e anseios de mudança da
população, ou seja, de toda a maioria do terceiro estamento. Isso levará, na
década de 90 do século XVIII, a uma sucessão de governos com projetos políticos
diferentes, numa verdadeira briga de tendências moderada/reacionária e radical
(girondinos e jacobinos) e, apesar do projeto girondino ter sido o vencedor de
tal briga política, com a formação do Império Napoleônico, o mito jacobino foi
o que permaneceu e inspirou novas revoluções de cunho popular na
posteridade.
Assim,
para Hobsbawm, a Revolução Francesa seria a fundadora política do mundo
contemporâneo capitalista ou do que se compreende como modernidade, uma vez que forneceu tanto a sua ideologia de
sustentação, mas, também, sua contradição, que é o mito jacobino, ou seja, o cerne
popular evidente em diversas revoluções dos séculos XIX e XX.
Referências Bibliográficas:
HOBSBAWM, Eric J.. A
Revolução Francesa. 6ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.