Por Leonardo Bispo Santos
Dolores Guerrero nas páginas 33-81 de seu livro La Revolución Haitiana y el fin de
um sueño colonial (1791-1803), tratará sobre as causas internas e externas do contexto da Revolução Haitiana, fazendo então a autora uma análise conjuntural deste que foi um dos marcos mais importantes pela luta por liberdade nas américas. A autora inicia o texto argumentando que é através do
contexto econômico revolucionário que podemos melhor entender “o efeito da
Revolução Francesa no mundo colonial e a influência das colônias nas políticas
metropolitanas”. [1]
Sendo assim, a autora escreve uma narrativa em que retrata a situação da França
na época pré-revolucionária, em que o país era um dos mais povoados da Europa e
que sua burguesia vinha prosperando até os embates da Guerra dos Sete Anos,
ocasionando esse embate em um descontentamento social contra o governo. [2]
Na primeira parte de seu texto, Guerrero
descreve como se deu a riqueza colonial, abordando o período de grande auge
comercial, apontando o crescimento do comércio das Antilhas e a vital
importância que São Domingos tinha para a França. Essa colônia detinha, segundo
a autora, cerca de 77% de todo o comércio colonial francês, tornando-a o grande
mercado do Novo Mundo. [3]
Devido a esse grau de importância atribuído à região, fez-se com que ela se
configurasse em uma zona de disputas para as grandes potências coloniais. Os
impactos desse enriquecimento com o comércio das Antilhas foi inevitável na
sociedade francesa, com o enriquecimento e o fortalecimento da burguesia e o alavancamento do capitalismo que acabariam por levar a um maior questionamento e
necessidade de superar as barreiras do Antigo Regime. [4]
Devido aos “ressentimentos” que outras nações europeias tinham contra a Inglaterra, na Europa perante a situação de separação das Treze Colônias formou-se uma opinião favorável aos cidadãos da mais nova nação. A França tinha
claros interesses nessa ajuda e reconhecimento da jovem nação, objetivando
enfraquecer o grande império Inglês. Nesse contexto, a colônia de São Domingos
desempenhou um papel central de ajuda francesa aos separatistas americanos,
estabelecendo uma relação cada vez mais intensificada entre esses e São
Domingos que para a autora, foi uma relação que guiou o processo de libertação
da colônia francesa. [5]
Com a independência americana, a França
conseguiu pouca vantagem em contraposto ao seu investimento e objetivos que
tinha no evento, ganhando somente algumas poucas concessões e sofrendo ainda
mais uma sangria com custos de guerra. Devido a esses acontecimentos, a autora
ressalta a influência que tais eventos tiveram ao espalharem notícias sobre o
mesmo e seu ideário de luta por direito à vida e a liberdade, formando assim
uma nova linguagem e base para ações revolucionárias seguintes, como a formação
do caráter anticolonial e autonomista de São Domingos e a Revolução Francesa
que fez desmoronar o Antigo Regime francês. [6]
Ao desestabilizar da sociedade francesa
em conjunto com o desestabilizar do mundo colonial, o questionamento e o
conflito se espalham por São Domingos, colônia de contradições sociais ainda
mais profundas devido ao seu histórico de importância primordial no comércio. Os
primeiros protestos foram organizados por colonos brancos, em que reivindicavam
o fim do monopólio sobre a produção e o comércio das colônias, ao cabo que ao
se radicalizar o movimento foi tendo características antirevolucionárias,
combativas ao movimento burguês aliado aos populares na França e ao movimento
de homens livres “de cor” por igualdade na colônia, como também ao movimento de
insurreição de escravos por liberdade. Esses dois últimos apresentavam
diferenças interessantes, como a autora cita, dizendo que apesar desses homens
“de cor” serem livres e serem proprietários, tendo relativos direitos, sofriam
com o preconceito e queriam maior liberdade de produção e comercialização, mas
sem alterar o regime escravista. Com isso, eles se identificavam em muito com
os pequenos burgueses franceses e tiveram apoio de liberais da ilustração
francesa como também de abolicionistas contraditórios. Sobre o movimento dos
escravos, a autora cita o aumento da população escrava ao longo do desenvolvimento
da produção colonial. A população escrava sofria com péssimas condições de
vida, porém utilizava de diversos meios de resistência, em que se ressaltam as
construções de união entre pessoas oriundas de sociedades diferentes, criando
um novo idioma, o créole, como também
uma nova religião, o vodú, estabelecendo assim laços de identidade entre a
população escrava. [7]
Enquanto a crise econômica aprofundava a
revolução, como argumenta Dolores Guerrero, a questão ganhou relevância e houve
diversos debates na metrópole em que as discussões eram permeadas pelos
diversos interesses envolvidos, sejam eles de cunho filosófico ou econômico. A
ilustração teve grande influência, condenando a escravidão, porém legar
igualdade de direitos aos proprietários mulatos apesar de coincidir com os
ideais da revolução seria ruim tanto para os interesses da nobreza quanto para
a burguesia comercial colonial, pois “o abolicionismo de 1789 era
necessariamente anticolonialista”. [8] Em
meio ao aprofundar dos conflitos em França, em São Domingos “um novo ator se
erguia no cenário da colônia: o escravo”. [9]
Os escravos, marginalizados dos debates
coloniais, iniciaram uma grande rebelião em que arrasavam plantações e tudo o
que representava o domínio de seus senhores, incorporando no processo os
princípios de “Liberdade e Igualdade”. A autora ressalta, citando trecho de
Benot, que seria um equívoco eurocêntrico falar que Revolução de São Domingos
foi um simples reflexo da Revolução Francesa. [10]
Aproveitando o momento de fragilidade da França, as potências européias
aproveitam para diminuir ainda mais seu poder na Europa e Antilhas. Nesse
cenário, a Inglaterra que se legava a ser a maior defensora contra a
escravidão, se põe em uma posição de apoio aos colonos franceses e assim, em
apoio ao seu modelo escravista, isso em contraposto à Espanha, que em oposição
à Revolução Francesa apoia e provem instrução militar aos escravos de São
Domingos. Com isso, os escravos puderam se preparar militarmente e organizar a
sua luta. Com um grupo de militares bem organizados a Espanha convoca os
escravos para lutarem por liberdade e, ao a rebelião generalizada ter se
concretizado, chegando também a outras ilhas, a Assembléia Constituinte em 28
de setembro de 1791 libertou os escravos, porém tal decreto não servia para os
domínios ultramarinos da França, mandando assim, missões para terminar com a
rebelião. [11]
A essa altura a ilha já se encontrava
invadida por forças da Espanha e Inglaterra que aproveitaram a oportunidade
para desfechar mais um golpe na França revolucionária. Para se conterem as
tropas do governo republicano na ilha, os colonos e tropas realistas pediram
ajuda aos escravos que eram os únicos com força suficiente para contê-los, que
logo atenderam ao pedido e venceram sem grandes esforços os republicanos e com isso
foi-se reconhecida a abolição da escravidão em São Domingos no dia 29 de agosto
de 1793. Em 1794, tal seria reconhecida pela Convenção e estendida para todos
os domínios franceses sem distinção de cor. Com essa libertação se sucederam
diversas revoltas e lutas em outras ilhas do caribe de domínio inglês e
espanhol, como também em toda Nova Espanha, chamando atenção e causando também
descontentamento nos Estados Unidos que possuía em seus estados do sul o regime
escravista, fazendo assim, com que essas grandes potências tentassem conter
como pudessem os sucessos de São Domingos sob o medo de que tal exemplo
libertador se propagasse. [12]
Logo após esses acontecimentos se sucedeu
a invasão inglesa que aproveitou a conjuntura para tentar abocanhar a mais rica
colônia francesa para si e reimplantar novamente o escravismo, além de impedir
o “contágio rebelde” de libertação dos escravos se espalhar, sobretudo sobre a
sua valiosa colônia da Jamaica, com isso, apresenta-se sobre a ilha o
retrocesso dos movimentos dos escravos e dos mulatos. Com a união de forças
entre as tropas de Toussaint Louverture, líder dos escravos, e as tropas
republicanas francesas, ao final do conflito conseguiram vencer os ingleses.
Com isso, ao se firmarem o tratado de Pointe-Bourgeoisie, o mesmo é considerado
como o primeiro ato de independência de São Domingos. Devido à experiência
obtida nesses combates, São Domingos pôde ainda, resistir mais tarde à frota de
Bonaparte tentando resgatar a ilha para a França. [13]
O medo dos ideários da Revolução dos
escravos de São Domingos e da Revolução Francesa atormentou as grandes
potências que tinham domínios na América, trazendo tal, esforços como o da
Espanha de proibir qualquer notícia sobre França de entrar em seus territórios,
o que não deu muito resultado, pois as idéias revolucionárias acabaram
circulando e eram fortalecidas por Criollos e mestiços de Cuba, Venezuela,
Porto Rico e em especial São Domingos. [14]
Dolores Guerrero termina seu belíssimo e
riquíssimo texto com indagações sobre quem seria o homem surgido dos escravos,
Toussaint Louverture. De ex-chefe de escravos do norte de São Domingos para
líder e organizador do primeiro estado liberto negro e desafiador do poderio
napoleônico, um visionário dos processos políticos da América Latina, regendo
suas ações através da defesa e consolidação da liberdade dos escravos e desejo
de alavancar a autonomia de sua colônia, apoiando potências quando essas
aceitavam reconhecer a liberdade dos escravos... Ideias como essas somente seriam
postas em prática no século mais tarde nas colônias das grandes potências europeias As ações de Louverture e dos movimentos dos escravos representaram
em seu momento, um grande atrevimento no mundo colonial antilhano e as
propostas de extensão dos domínios e projeto colonial da França revolucionária
esbarrariam com as pretensões de autonomia de Toussaint Louverture, o chefe dos
ex-escravos. [15]
Sendo assim, com a riqueza de análises de
causas, do “contexto econômico revolucionário”, como a própria autora inicia
seu texto, nos apresenta valiosas informações por muito apagadas e relegadas ao
esquecimento da memória pela história. Dolores Guerrero nos fornece ferramentas
em muito elucidativas desse acontecimento histórico tão importante para o entendimento
não só dos finais do século XVIII, ou somente dos movimentos de independência
do início dos XIX, ou também dos movimentos por liberdade da África e Ásia ao
longo de todo o XX, mas sim estabelece uma conexão entre todos esses citados
até o nosso tempo. Liberdade, igualdade...
[1]
GUERRERO, Dolores
Hérnandez. La Revolución Haitiana y el
fin de um sueño colonial (1791-1803). Universidad Nacional Autónoma de
México, 1997. P. 33. (Tradução minha).
[2] Ibidem. P.
33-34.
[3] Ibidem. P. 35.
[4] Ibidem. P. 33,
36 e 37.
[5] Ibidem. P. 38,
39 e 40.
[6] Ibidem. P. 40 e
41.
[7] Ibidem. P.
43-48.
[8] Dorigny, “La
revolution française et La question...”, p. 424, apud GUERRERO, Dolores
Hérnandez. La Revolución Haitiana...
P. 52. (Tradução minha).
[9] GUERRERO,
Dolores Hérnandez. La Revolución
Haitiana... P. 54 e 49-52.
[10] Benot, La revolución française et La fin dês
colonies, Paris, Editions La Découverte, 1988, p. 157, apud GUERRERO,
Dolores Hérnandez. La Revolución
Haitiana... P. 54. (Tradução minha).
[11] Dorigny, “La
revolution française et La question...”, p. 424, apud GUERRERO, Dolores
Hérnandez. La Revolución Haitiana...
P. 53-57.
[12] Ibidem. P. 57-58.
[13] Ibidem. P.
58-64.
[14] Ibidem. P. 74.
[15] Ibidem. P.
78-81.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GUERRERO, Dolores
Hérnandez. La Revolución Haitiana y el fin de um sueño colonial
(1791-1803). Universidad Nacional Autónoma de México, 1997. P. 33-81.
REFERÊNCIAS DAS IMAGENS
Imagem 1: “Scene of the Batle of Vertières
during the Haitian Revolution, engraved in 1845 by french anonymous”.
Retirada do seguinte link: http://passapalavra.info/wp-content/uploads/2012/05/haitian_revolution-reduzida.jpg (Acesso em 15/10/2013).
Imagem 2: "Toussaint Louverture, as depicted in an 1802 French engraving". Retirada do seguinte link: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Toussaint_L%27Ouverture.jpg (Acesso em 15/10/2013).
As partes das laterais estão incompletas não da pra mim ler
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