Por Vanir Junior e Ícaro Marinho
A obra “As Elites Regionais e a Formação do Estado
Imperial Brasileiro: Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799- 1850)”, de
autoria de Marcos Ferreira de Andrade, corresponde à sua tese de doutorado. A
mesma foi obtida pela Universidade Federal Fluminense e intitulada “Família, fortuna e poder no Império do
Brasil: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850)”, sob orientação da
Profª. Dra. Sheila de Castro Faria, no ano de 2005. O trabalho de Marcos foi
vencedor do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa do mesmo ano, alcançando o
terceiro lugar.
Mas os trabalhos
deste autor, com relação aos estudos históricos de Minas Gerais, não se limitam
à sua tese de doutorado. O interesse em estudar e investigar as relações
familiares da elite do sul de Minas já surgiu, segundo o próprio autor, no seu
trabalho de mestrado, em 1996, de título “Rebeldia
e Resistência: as revoltas escravas na Província de Minas Gerais 1831-840” , sob a orientação do
Prof. Dr. Douglas Cole Libby. Neste
trabalho, o autor tratou da Revolta das Carrancas e fez uma breve análise da
trajetória da família Junqueira em sua ação para suprimir a insurreição
escrava, o que possibilitou um maior entendimento do contexto de uma das
maiores rebeliões de escravos que ocorreu na região sudeste do Império. Entretanto,
em sua tese de doutorado, os Junqueira ganham maior destaque, uma vez que a
problemática do livro gira em torno deles.
Para isso, o autor
analisou a região sul-mineira da Comarca do Rio das Mortes, mais
especificamente a vila da Campanha da Princesa, marcada não só pela mineração,
num primeiro momento, mas também por ser uma região de expressiva produção para
o abastecimento do mercado interno em fins do período colonial, bem como
durante a formação do Império Brasileiro e sua consolidação, ao longo do século
XIX, apresentando notório desenvolvimento econômico e demográfico.
Esta realidade possibilitou,
durante a expansão das vilas do sul de Minas, a formação e sucesso de uma elite
escravista, constituída de poderosas famílias detentoras de fortunas, sendo
estas, em grande parte, resultantes da combinação de uma série de atividades
agropecuárias – como, por exemplo, a produção queijos, fumo, gado – com
atividades de comercialização. Para tais empreendimentos, essas elites contavam
com um grande número de escravos, o que também evidenciava a dependência do
tráfico internacional (a lei Eusébio de Queirós, 1850, é o marco final do
trabalho).
Neste
sentido, o historiador verificou – de forma micro-analítica – os mecanismos de
produção e circulação de mercadorias, e, indo mais além, mostrou também a
inserção política destas famílias da elite escravista na formação do Estado
Imperial, que, em decorrência de suas fortunas amealhadas, tiveram considerável
protagonismo no que diz respeito à defesa de interesse político e econômico. É
dentro deste universo que se inserem os Junqueira, família abastada e ligada a
tais atividades de produção e comércio interno e detentora de um grande número
de cativos.
Especificamente
com relação a esta família – isso após delinear o perfil da elite sul mineira –
o autor buscou analisar sua produção diversificada de alimentos (juntamente com
os destinos de abastecimentos, em grande parte núcleos urbanos e a própria
corte, por meio do comércio) e seu o uso de trabalho escravo para tais
atividades. A partir disso, destacou o conseqüente fortalecimento político
desta família na construção do Estado Imperial, apontando suas estratégias para
conservarem não só poderes políticos (como a ocupação de cargos administrativos
e eclesiásticos), mas também econômicos, de maneira a manterem e aumentarem a
riqueza e o prestígio familiar (por meio de casamentos consangüíneos e
estratégias fora de alianças fora da parentela).
O
trabalho tem como mérito não só evidenciar os núcleos regionais de poder
político no Império – em contato com a estrutura central –, mas também romper
com a visão tradicional, que considera secundária ou de menor importância a
questão de abastecimento interno.
OBJETIVOS E HIPÓTESES:
O
principal objetivo do autor, como já foi mencionado anteriormente, é
identificar a elite escravista do sul de Minas Gerais e suas trajetórias na
acumulação de fortuna, através de atividades agropastoris e comércio de gêneros
voltados para o abastecimento interno. O destino da produção geralmente era a
praça mercantil carioca (em especial com a chegada da Corte), mas também havia
abastecimento de outras áreas urbanas, como, por exemplo, as vilas de São João
Del-Rei. Para isso, era essencial o uso da mão de obra escrava, da qual as
famílias desta elite dependiam para realização de suas atividades econômicas.
O autor traz como hipótese principal
que o fortalecimento econômico propiciado pela diversificação de atividades
agropastoris, mescladas ao comércio de abastecimento interno, possibilitou
considerável participação de famílias aristocráticas na dinâmica de construção
do Estado imperial brasileiro, por meio de estratégias (que serão mais bem
abordadas ao longo desta parte do trabalho) para se manterem influentes na
política do século XIX. Para evidenciar isto, o mesmo reduz a escala de análise
para uma única família, os Junqueira, o que fornece pistas ainda mais claras
sobre as estratégias comuns entre os membros da elite, para consolidarem seus
poderios econômicos e políticos. Mas, antes de ir para este que é o foco
central, é necessário fazer um levantamento dos pontos principais dos cinco
capítulos do livro.
No
primeiro capítulo, intitulado “Campanha
da Princesa: formação e expansão de uma vila no Império”, Marcos Ferreira apresenta
a região[1]
estudada, fazendo levantamentos a respeito da história da fundação da Vila da
Campanha (1795[2])
que, segundo o autor, é “o berço do Sul de Minas”, não só pela importância
político-econômica, mas por ter sido a mais antiga sede da comarca do Rio
Sapucaí, a partir de 1833. Destaca também aspectos referentes à economia com a
Corte e ao povoamento.
O objetivo de Marcos Ferreira neste
capítulo é demonstrar – por meio do mapeamento de inventários referentes ao
grande número de escravos[3] e
das principais atividades/empreendimentos, além de listas nominativas de
habitantes – a relevância que a região adquiriu, sustentando a hipótese de que
isso foi possível graças às várias atividades econômicas[4]
nela desenvolvidas, que a possibilitaram como o mais importante núcleo urbano,
econômico e populacional[5] do
sul de Minas, na primeira metade do XIX.
Desta
forma o autor constatou a importância do termo da Campanha, focando não só a
diversidade das atividades econômicas, como também o crescimento populacional e
urbano proporcionado pelas mesmas, na primeira metade do século XIX.
No
segundo capítulo, “Elite escravista em
Minas Gerais: a fortuna dos sul-mineiros”, o autor dá início à discussão
central do livro. O objetivo neste capítulo é composto por duas partes:
demonstrar o que se designou por elite escravista de Minas Gerais e apontar a
composição das fortunas, além da origem das mesmas. Para isso, Marcos Ferreira
trabalhou com os conceitos de fortuna e elite, expondo a composição das
riquezas acumuladas e definindo quem poderia ser designado como pertencente à
elite escravocrata.
O autor
recorre à extensa análise de informações dos diversos inventários (post mortem) para os 64 maiores
escravistas da área de estudo, considerando que donos de unidades com escravarias
a partir de vinte escravos eram pertencentes à elite, pois – como demonstrado
em parte do capítulo I e exposto na nota de rodapé nº3 –, foi o que
correspondeu às informações das fontes por ele analisadas.
No que
diz respeito à composição das fortunas, é importante primeiramente destacar que
Marcos Ferreira expõe o termo fortuna já na introdução como um conjunto de bens
acumulados por algumas gerações[6]. O
autor – continuando a se utilizar de inventários – constatou que os três ativos[7] de
maior importância dos proprietários sul-mineiros eram os escravos, os imóveis e
as dívidas ativas (em ordem de importância). Num primeiro momento, o valor dos
imóveis superou o de escravos, mas logo estes passaram a valer mais[8].
Assim, o autor comprova sua hipótese de que um indivíduo pertencente à elite
era aquele que detinha não apenas bens diversos acumulados, mas que também
detinha escravos em determinado número (pelo menos 20), já que estes passaram a
ser os bens mais valorizados naquele momento[9].
Quanto maior era o número de escravos, maior a era fortuna e o prestígio
econômico. É importante ressaltar que, embora o autor utilize o parâmetro
econômico como o principal para definir os integrantes da elite, não
desconsidera elementos com o prestígio da família e ocupação de cargos
públicos.
O autor
sustenta que a origem das fortunas esteve ligada à combinação de diversas
atividades[10],
promovidas por grandes fazendeiros que faziam comércio (o
fazendeiro/negociante) com diversos núcleos urbanos e por inúmeras vezes com a
própria Corte no sentido de abastecê-la. Foi a partir da concentração de
atividades voltadas para o abastecimento interno que os proprietários do sul de
Minas fizeram fortuna.
No
terceiro capítulo, “Cultura material e
modos de vida da elite sul-mineira”, o objetivo é demonstrar como que, com
a chegada da Corte, houve certa mudança de comportamento e costumes relativos à
cultura material – modo de se vestir, decoração interior das casas, entre
outros aspectos – das famílias da elite sul mineira, que passou a ser
influenciada pela cultura vigente na Corte, relativizando assim o aspecto de
rusticidade interiorano. O autor sustenta a hipótese de que as trocas
comerciais do sul de Minas com a Corte– e por isso destaca neste capítulo a
importância do tropeirismo – foram importantes para o processo de influência
cultural.
Neste
capítulo, o autor trabalha com o conceito de cultura material[11]
para tentar reconstruir parte do cotidiano das elites, dialogando com nomes
como Peter Burke, Gilberto Freyre e Fernand Braudel. Mas reconhece os problemas
com o termo, levando em conta as afirmações de Richard Bucaille e Jean Marie
Pesez, que consideram um termo demasiadamente impreciso para ser considerado
como conceito, pois possui um significado global, [12].
Marcos Ferreira
continua a se utilizar de inventários, mas apresenta outros tipos de fontes,
como os relatos de viajantes e documentos particulares das famílias. O autor
também atenta para a conjuntura nacional e internacional[13]
da primeira metade do século XIX, afirmando que a mesma interferia nos costumes
da elite interiorana, havendo mudanças de costumes culturais.
Para
demonstrar esta mudança, primeiramente o autor faz um levantamento do cotidiano[14]
da elite sul-mineira, de maneira evidenciar, através da cultura material, sua
diferenciação social. Uma importante fonte utilizada foi o relato do viajante
Saint-Hilaire, que, a respeito dos hábitos e costumes sul-mineiros, os expôs
como sendo totalmente rústicos. Após isso, Marcos Ferreira relativiza esta
questão da rusticidade, por meio do contraste de informações que os inventários
fornecem. O autor verificou uma considerável mudança na cultura material, que
passou a ser influenciada[15]
pela cultura da Corte, que, por sua vez, trouxe para o Brasil um maior nível de
influência européia. Desta forma, refuta a idéia de uma total rusticidade das
elites, como expôs por Hilaire.
No
quarto e principal capítulo, “Fortuna,
Família e Poder na região dos Campos: o caso Junqueira”, o autor aprofundou
o tema central do livro. O objetivo deste capítulo é demonstrar as estratégias
familiares, econômicas e políticas que contribuíram para a consolidação de um
nome do Império: os Junqueira. Esta família – objeto central deste estudo –
oferece pistas a respeito de estratégias existentes entre as elites para
consolidação de seus poderios econômicos e políticos. É neste capítulo que fica
clara a hipótese central do livro, ou seja, a de que houve um importante papel
político ocupado pelas elites regionais na construção do Império. O autor
trabalha especialmente com os Junqueira, que tiveram acesso a cargos políticos
graças à sua consolidação social e econômica, destacando a figura de Gabriel
Francisco Junqueira.
Marcos
Ferreira trabalhou de maneira a associar um conceito já exposto no capítulo dois
do livro (fortuna), com outros dois que definiu na introdução: família e poder.
Quanto ao primeiro, o autor considera como um elemento fundamental na montagem
de empreendimentos econômicos e define, dialogando com Sheila de Castro Faria,
que é pela família, não necessariamente consangüínea, que convergem todos os
elementos da vida pública e privada. Referente a poder, o autor compreende não
só como o domínio privado do senhor (com a família, agregados e escravos), como
também à ocupação de cargos públicos.
Assim, o
autor expõe que o caminho para o enriquecimento da família esteve quase sempre
na combinação das atividades agropastoris e comerciais de abastecimento à praça
carioca, do fortalecimento dos laços familiares (por meio de casamentos
endogâmicos e escolhas estratégicas fora da parentela[16])
e da ocupação de cargos administrativos, civis e eclesiásticos[17].
Isto resultou na concentração de imensa fortuna nas mãos dos Junqueira, como se
pode comprovar nas suas inúmeras propriedades e bens diversos, além de grande
influência política. Para demonstrar isso, Marcos Ferreira reduziu ainda mais a
escala de análise, focando em Gabriel Francisco Junqueira
como principal exemplo desta combinação e personagem de compreensão do papel das
elites regionais na história do Império do Brasil. O mesmo foi deputado da ala
moderada liberal no parlamento nacional e um dos principais líderes políticos
que representaram a província de Minas Gerais no panorama do Estado Imperial.
Embora
a carreira política de Gabriel Junqueira já tivesse se iniciado no fim do
Primeiro Reinado[18],
o autor, utilizando como fontes os anais do parlamento brasileiro, destaca dois
momentos-chave sua atuação: na Regência e em 1842[19]. Desta
forma, Marcos Ferreira, dialogando com nomes como Miriam Dolhnikoff[20] e
José Murilo de Carvalho[21],
afirma que a atuação de Gabriel Junqueira consistiu uma forte evidência para se
entender o papel de participação e interação política das elites regionais na
construção do Estado brasileiro.
No quinto e último capítulo, “Senhores e escravos na região dos Campos”,
Marcos Ferreira demonstra como era a composição[22]
das escravarias e faz considerações a respeito do controle da população escrava
(que podiam ser bem sucedidas ou não). O autor faz um adendo com uma releitura
da Revolta das Carrancas, dando ênfase à punição exemplar dos escravos que se
rebelaram e às ações[23]
tomadas pelas famílias da elite para diminuir a repercussão que a rebelião
significou.
METODOLOGIAS E FONTES:
Marcos
Ferreira de Andrade utiliza diferentes tipos de fontes como: documentos
paroquiais, listas nominativas, registro de sesmarias, atas do parlamento
nacional, inventários do termo da Campanha da Princesa, correspondências
pessoais, genealogias das famílias sul mineiras.
O autor
destaca que as fontes de caráter massivo são os assentos paroquiais, listas
nominativas e os inventários do termo da Campanha. Tais fontes são trabalhadas
com o intuito de chegar à obtenção de dados gerais e específicos acerca da
estrutura social, econômica e demográfica da região analisada, além de se obter
dados sobre a concentração da posse de escravos sob as mãos dos proprietários,
da produção econômica, da composição das riquezas das famílias, percentuais de
população escrava, percentuais de africanos e o estado conjugal dos cativos,
entre vários outros dados.
As genealogias
das famílias foram utilizadas, segundo Marcos de Andrade, como fonte auxiliar
para o levantamento e na confrontação das informações sobre as famílias. Ele
faz as análises das fontes e as discussões metodológicas são incorporadas ao
longo do texto na medida em que os documentos são utilizados.
O autor
trabalha em seu livro com dois tipos de abordagens metodológicas: utiliza o
método quantitativo – próprio de nomes como Fernand Braudel[24] –
nos três primeiros capítulos e, nos dois últimos, trabalha com os campos comuns
às abordagens da micro-história, dialogando com nomes como Giovanni Levi.
No que
diz respeito aos métodos quantitativos, Marcos Ferreira analisa os dados de
modo agregado e buscando elucidar a complexidade socioeconômica e populacional
da área estudada, lançando mão de tabelas com porcentagens de escravos, valores
de fortunas, proprietários por unidade produtiva, fortuna acumulada (como faz
com os principais proprietários) e composição das mesmas, entre outros. Mas é
importante relativizar esta divisão teórica, pois nos três primeiros capítulos,
o autor, ainda que tenha feito uma análise predominantemente econômica, já dá
mostras do uso da micro-história, quando, por exemplo, aborda detalhes da vida
social e política dos proprietários.
Nos
dois últimos capítulos, que são referentes à trajetória da família Junqueira e
às relações entre senhores de engenhos e escravos, há essencialmente o uso da
micro-história, devido à necessidade de se reduzir a escala de observação para
explicitar questões referentes à origem da família, sua chegada ao Brasil, à
consolidação econômica e os bens da família, e a atuação política regional, que,
numa visão mais ampla, ficariam obscurecidas. O autor, através inúmeros rastros,
traça um fio condutor[25]
de um universo mais geral da elite sul-mineira até chegar ao nível
micro-analítico de estudo da família Junqueira e membros.
Assim,
como um trabalho que dialoga com a micro-historia, é possível perceber a
preocupação de Marcos Ferreira não somente em reduzir a escala de análise, mas
em construir uma abordagem sistematizada, de maneira a estabelecer – como diz
Jacques Revel[26]
– um trabalho de integração da escala macro com uma escala micro.
Desta
forma, num primeiro momento foi feito todo um trabalho de detalhes mais gerais a
respeito de indícios ligados ao universo da elite sul mineira, mapeando não
apenas a região estudada, mas também o que o autor designou como elite, as
composições das fortunas, principais atividades econômicas e levantamentos da
cultura material. Em seguida, o autor foi reduzindo progressivamente a escala
de análise, partindo para o nível micro-analítico da família Junqueira,
identificando sua origem e trajetória, formas de acumulação de fortuna,
estratégias políticas e econômicas para consolidação de seu nome e sua a
influência a nível regional na consolidação do Estado Imperial Brasileiro, fato
constatado no estudo da atuação política de Gabriel Francisco Junqueira.
Para
melhor exemplificar o trabalho do autor com as fontes, utilizaremos um
inventário que é abordado no livro, referente à fortuna de Joaquim Severino de
Paiva e Silva (página 85, tabela 11), para que seja identificada a forma que o
autor trabalha identificando as formas de enriquecimento e de composição das
fortunas e atividades econômicas. Marcos Ferreira se utiliza não só de método
quantitativo para expor a porcentagem de cada bem que compunha a fortuna, como
também de microanálise para identificar detalhes da vida do proprietário (como idade
e estado civil). O autor demonstra que o mesmo foi qualificado como negociante
e não como fazendeiro ou pecuarista. Mas, em seguida, demonstra que a riqueza
acumulada foi possibilitada pelo consórcio de atividades – o que comprova a
hipótese do autor a respeito da origem das fortunas –, de maneira que
complementou o mundo agrário com o mundo mercantil.
O autor se pergunta, ao abordar a
fonte no que diz respeito à extensão dos empreendimentos agrícolas e
comerciais, se Joaquim Severino era um comerciante que se tornou fazendeiro,
dono de propriedades e escravos, posteriormente. Entretanto, o que se pode afirmar
é que grande parte de sua fortuna estava nas atividades agrárias (imóveis
rurais, escravos, animais e plantações). Marcos ferreira detalha em tabela a
porcentagem de cada um dos bens, sendo que somente escravos e imóveis somavam
quase 70% de toda sua fortuna. Mas há indícios de que as atividades comerciais
eram exercidas continuamente, pelo valor que é indicado nas dívidas ativas,
totalizando 20%.
Assim,
o autor conclui que a estratégia de ampliação do proprietário consistiu na
diversificação de atividades (também verificada na fonte, que consta um rebanho
composto de 78 cabeças de gado, 57 equinos e 121 porcos, além de plantações de
tabaco e de mantimentos como o milho), mas especialmente na integração entre o
setor agropastoril e as atividades de comercialização, corroborando para
abordagem do autor a respeito do tipo social nomeado como
fazendeiro-negociante.
QUADRO TEÓRICO:
O autor Marcos Ferreira de Andrade
trabalhou com uma série de conceitos – que não devem ser compreendidos não de
forma dissociada – que serviram para a melhor estruturação de seu trabalho.
Fortuna: Marcos Ferreira afirma que o termo tem
sentido de bens e riqueza acumulada por algumas gerações, associando a origem e
aumento das fortunas à prática de consórcio de atividades diversificadas, a
partir do que ele concebe como “fazendeiro-negociante”, que além de se dedicar
às várias atividades agropastoris, combinava as mesmas com atividades de
comercialização para abastecimento interno. No que diz respeito à composição
dessas fortunas, o autor destaca que os principais ativos eram os escravos, os
imóveis e as dívidas ativas (em ordem de importância).
Família: O autor define a família como elemento
fundamental para a criação e funcionamento de empreendimentos econômicos.
Dialogando com Sheila de Castro Faria, afirma que é na família, não
necessariamente consangüínea, que todos os elementos da vida privada e pública
se originam ou convergem. Desta forma, é importante ressaltar que as relações
familiares podem ser classificadas como estratégias[27]
econômicas – como trabalhado no quarto capítulo – para conservarem ou
aumentarem as riquezas. Muitos dos casamentos eram endogâmicos para evitar
fracionamento de bens e, quando feitos fora da parentela, buscavam promover a
ampliação dos bens. A respeito do patriarcalismo, o autor fala que é uma
herança ibérica e trabalha com a idéia de que o mesmo estava assentado num
núcleo central (chefe de família, esposa e descendentes legítimos) e um
periférico (filhos ilegítimos, afilhados, agregados e escravos). Entretanto, o
autor busca relativizar o modelo de família patriarcal idealizado e estático,
abordado por nomes como Antônio Cândido. Para isso, dialoga com Mariza Corrêa,
Silvia Brugger, Ronaldo Vainfas e Gilberto Freyre, dando foco para uma maior
diversidade da família brasileira, como as parapatriarcais, semipatriarcais e
antipatriarcais.
Poder: O autor reconhece que faz uma abordagem do
conceito em sentido amplo. Define poder como referente ao domínio tanto privado
do senhor, com relação à sua família, agregados e escravos, como referente à
ocupação de cargos administrativos, eclesiásticos e públicos. As famílias da
elite escravocrata, em virtude de suas fortunas acumuladas, possuíam destaque
social e acesso à política, podendo assim defender seus interesses, como
ocorreu com Gabriel Francisco Junqueira que, ocupando o cargo de deputado, teve
importante atuação nas relações políticas imperiais, defendendo não só os
interesses econômicos de sua família, como também contestando a ordem
conservadora na Revolta Liberal de 1842, com a articulação da Coluna Junqueira.
O autor dialoga com nomes como José Murilo de Carvalho, Ilmar Rohloff de Mattos
e Miriam Dolhnikoff para demonstrar a ação e relação de poder das elites com o
Estado Imperial em processo de consolidação.
Elite: Marcos Ferreira afirma que a definição mais
adequada é a de “boa sociedade”, proposto por Ilmar Rohloff de Mattos,
utilizado para designar a elite econômica, política e cultural do Império.
Entretanto, o autor reconhece que se trata de um termo amplo. Por isso,
dialogando com Douglas Cole Libby, designa como critério para definir como
pertencente à elite o proprietário que não apenas tivesse bens acumulados, mas
que detivesse pelo menos unidades escravistas com o mínimo de vinte escravos,
que estava diretamente vinculado com a pesquisa das fontes. Nos inventários da
campanha a maioria das unidades escravista oscilava em torno desse número (os
64 maiores proprietários). Com as imposições anti-tráfico, os escravos passaram
a valer cada vez mais. Logo, quanto mais escravos um proprietário tivesse,
maior era sua fortuna.
Cultura Material: O autor se embasa em nomes como
Peter Burke, Gilberto Freyre e Fernand Braudel para expor o que está definindo
como cultura material. Com base nestes autores, o autor tem em mente os
pormenores da vida cotidiana, como informações de costume, dos hábitos
alimentares, vestuário, exterior e interior das casas, entre outros. Entretanto,
Marcos Ferreira não deixa de ressaltar dificuldade de trabalhar com o termo,
conforme afirmações de outros autores como Richard Bucaille e Jean-Marie Pesez,
pois o mesmo é impreciso em demasia para ser considerado um conceito, possuindo
um significado global. Estes autores definem apenas cultura material como uma
noção, que pode não estar identificada com a vida cotidiana.
CONCLUSÃO:
Marcos Ferreira de
Andrade conclui que a economia do sul de minas se caracterizou por um número
considerável de atividades, destacando-se as agropastoris consorciadas com as
de comercialização para abastecimento a nível regional e interprovincial, que
se utilizava essencialmente de mão-de-obra escrava. Um homem da elite poderia
ser um proprietário escravista, bem como dono de um engenho, pecuarista,
produtor de alimentos, dono de lavras, comercializar sua produção em vários
locais, especialmente no Rio de Janeiro, com a chegada da corte. Era nesta
prática – ou seja, o consórcio de diversas atividades econômicas – que estava a
origem de suas fortunas, uma vez que quase sempre um grande fazendeiro era
também um negociante.
O contato com a praça mercantil
carioca contribuiu de forma considerável para produzir mudanças de hábitos
nesta elite escravista, graças a tradição do tropeirismo, que possibilitou o
contato da elite sul-mineira com os produtos utilizados pela elite cortesã
carioca. Houve, desta forma, uma difusão de influências culturais e políticas,
por meio da articulação e interação de Minas Gerais com Rio de Janeiro.
O prestígio
econômico possibilitou o acesso à vida política das elites regionais na
formação do Estado imperial Brasileiro. O autor comprova isto, dando conta de
seu objetivo, não só demonstrando a trajetória e consolidação de uma família,
os Junqueira, que, consorciando atividades econômicas, estabelecendo uma
importante rede de relação familiar (com alianças endogâmicas e com famílias
outras famílias de prestígio e posses) e ocupando cargos públicos, pôde
participar de forma considerável da dinâmica política imperial. Isto foi
possível com a atuação de Gabriel Francisco Junqueira, sendo ele um importante
exemplo de como essa correlação funcionou. O mesmo alcançou cargo de deputado da
ala liberal moderada, tornando-se uma das principais lideranças a representar
os interesses políticos e econômicos da região do sul de Minas Gerais.
Este estudo permitiu pensar o lugar ocupado
pelas elites regionais na formação do Estado Imperial e suas atuações,
especialmente durante a Regência e início do Segundo Reinado. Elas impunham
suas demandas e poderiam se tornar ou não aliadas políticas do Estado que
estava em processo de consolidação nacional. Gabriel Francisco Junqueira foi a
expressão de uma liderança regional possibilitada pela combinação de uma
expressiva fortuna, de uma família de nome forte e de atuação política no
parlamento brasileiro. Sua trajetória ofereceu pistas a respeito do papel
desempenhado por muitos líderes políticos regionais, que impuseram suas
demandas frente ao poder Imperial.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
ANDRADE, Marcos Ferreira. Elites Regionais e a Formação
do Estado Imperial Brasileiro. Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799-1850).
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008.
BURKE, Peter. A Escola
dos Annales 1929 – 1989. A
Revolução Francesa da Historiografia. 2. ed. São Paulo: UNESP, 1991
ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte – Investigação Sobre
a Sociologia da Realeza e da Aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1996
GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros. Verdadeiro, Falso,
Fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007
HEVEL, Jacques. Jogos de Escalas – A Experiência da
Microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.
MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa: A Inconfidência
Mineira: Brasil-Portugal, 1750-1808. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000.
Site da Imagem: http://www.skoob.com.br/livro/235641
[1] “A noção de região estabelecida pelo
autor dialoga com a concepção de Ciro Flamarion Cardoso, sendo fixada de acordo
com certas variáveis e hipóteses, sem pretender que a opção adotada seja a
única maneira ‘correto’ de recortar o espaço e de definir blocos regionais, uma
vez que toda delimitação geográfica acaba simplificando uma realidade mais
complexa e mutável, já que a relação do homem com o espaço produz contínua
transformação.” ANDRADE, Marcos Ferreira. Elites Regionais e a Formação do Estado Imperial Brasileiro. Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008, p. 27.
[2] O autor faz um levantamento detalhado de informações
a respeito de como a Vila da Campanha foi formada. Ibidem. p.p 28-32.
[3]
A enorme
quantidade de escravos listada pelo autor serve para revelar a importância
econômica da região, que dependia muito do trabalho escravos para as atividades
de comércio interno. Os índices das unidades escravistas se aproximavam das
áreas voltadas para agro-exportação. Os mais importantes senhores eram aqueles
que detinham mais escravos. O autor baseia-se em Douglas Cole Libby
para definir a elite local do sistema escravista (define que como pertencente à
elite o indivíduo que detivesse pelo menos 20 escravos), já que o escravo
estava se tornando cada vez mais caro, em decorrências das imposições
anti-tráfico feitas pela Inglaterra ao longo do século XIX. Assim, conforme
informações das fontes vinculadas à pesquisa (como os inventários da Campanha,
por exemplo) a maioria das unidades escravistas oscilava em torno desse número
(os 64 maiores proprietários). Ibidem. p.p 36-37.
[4] Entre as atividades, o autor destaca como as
mais importantes a produção de alimentos (milho, feijão, mandioca), pecuária (com
a criação de gado e porcos). Fala também da existência de engenhos de açúcar
(que também produziam aguardente para o comércio), tabaco. O comércio
interprovincial era uma atividade, de certo modo, ligada a todas às outras,
representada por casas de negócio, vendas ou tabernas. Uma boa parte dos
fazendeiros fazia comércio de seus produtos em beiras de estradas. Mas muitos
também mantinham estabelecimentos comerciais mais sortidos que ficavam em áreas
urbanas, além de vendas em beiras de estradas (esta última atendendo
tropeiros). Podiam ser de “secos” (linho, seda, roupas) ou “molhados”
(alimentos). Quanto à mineração, o autor diz que ainda era relevante,
entretanto recusa que tenha sido uma atividade isolada, uma vez que é marcante
nas fazendas o consórcio de atividades. Ibidem. p.p 41-55
[5] No que diz
respeito aos aspectos demográficos e econômicos, pouco a pouco, a Campanha se
tornou um pólo de atração de pessoas, o que se verifica por um aumento no nº de
batizados na região, conforme os registros paroquiais da Campanha e listas
nominativas de habitantes, que apontam para o crescimento populacional, já na
segunda metade do século XVIII e, em especial, na primeira metade do século
XIX, em decorrência do aumento – e combinação – de determinadas atividades
econômicas, já mencionadas na quarta nota, voltadas para o abastecimento
interno e que promoviam ligações mercantis com núcleos urbanos variados e,
especialmente, com a Corte. Embasando-se em Kenneth Maxwell ,
em sua obra, A Devassa da Devassa, o
autor menciona que um fazendeiro poderia combinar uma série de atividades
econômicas. Maxwell já destaca este aspecto como algo comum na região de Minas
já no século XVIII. Ibidem. p.p 33-40.
[7] Não que não existissem
outros componentes desta fortuna (como jóias, metais preciosos, ações,
comércio, entre outros), mas os mais importantes são os três em destaque. Ibidem. p. 73.
[8] Marcos Ferreira discorre a respeito de como os
escravos passaram a ter um peso maior na composição das fortunas, considerando
três subperíodos, a partir do início das imposições anti-tráfico feitas pela
Inglaterra, e como esta conjuntura propiciou a valorização do escravo subir,
pois se tornava cada vez mais difícil conseguir comprar escravos. Ibidem. p. 69-71.
[9] Ibidem. p. 69.
[10] O plantio de
cana, a produção de açúcar, rapadura, aguardente, tabaco, alimentos e a criação
de animais (para tração e alimentação) e até mesmo o café estavam entre as
principais atividades que garantiam o enriquecimento dos proprietários, já que
havia também a comercialização de parte da produção em mercados locais ou casas
de negócio. O autor fala que, quase sempre, um grande fazendeiro era também um
negociante, sendo possível falar de uma articulação do setor produtivo com o
comércio. Só na Vila da Campanha existiam 55 casas de negócio (lojas de
fazendas secas, gêneros importados e aguardente), além de uma série de
estabelecimentos à beira das estradas que interligavam as fazendas, arraiais,
vilas e também nos caminhos para o Rio e Janeiro e São Paulo. Muitos engenhos
mineiros comercializavam com essas casas de negócio e estabelecimentos
diversos, que, por sua vez, estabeleciam comércio com a praça carioca, graças à
ação de tropeiros, comboeiros ou mascates, que traziam para o sul de Minas os
produtos importados que circulavam na Corte. O autor destaca que uma parte
considerável dos negociantes grossistas analisados da região era formada por
fazendeiros (12 de 31), pois eram proprietários de imóveis rurais, o que
confirma a figura do “fazendeiro negociante”, bem representada na análise do
inventário de Francisco de Paula Bueno da Costa. Havia, assim, uma relação de
complementaridade das atividades diversas nas unidades produtivas, sendo a
produção das fazendas diversificada e tendo parte de sua produção voltada ao
comércio local, regional e interprovincial, o que permitia grande acumulação de
fortunas, como no caso do inventário de Luís Gonzaga Branquinho, que fez
fortuna não só com o cultivo de açúcar, mas também comercializando derivados do
açúcar. Ibidem. p.p 75-87.
[11] Marcos Ferreira de Andrade se baseia em cultura material dentro das concepções
compreendidas por Peter Burke, ao analisar o pioneirismo de Gilberto Freire e
sua obras como Casa-Grande e Senzala e Sobrados
e Mocambos e Ingleses no Brasil, considerando também as proposições de Fernand
Braudel, com sua obra clássica Civilização
Material e Capitalismo: séculos XV e XVIII. Ibidem. p. 115.
[12]
Estes autores definem cultura material como uma noção,
que pode não estar identificada com a vida cotidiana. Ibidem. p. 115.
[14]
Demonstra a existência de benfeitorias nas
propriedades, que produziam queijos, moíam alimentos como a cana e o milho.
Toda esta estrutura estava relacionada não somente com o que se comercializava,
mas também com o que se consumia. Assim, o autor destaca alimentos como o milho
(essencial para alimentar os animais e também era parte da dieta de escravos e
muitos senhores, além de servir para a produção de farinha), o feijão, o arroz,
a mandioca, o que evidencia também as principais culturas agrícolas praticadas
pelos mesmos. Havia preferência pela carne de porco, enquanto bois eram
utilizados tocar engenhos e transportar mercadorias. O toucinho representava,
junto com o queijo, um dos ramos de maior importância do comércio com a Corte.
Depois, o autor discorre sobre as habitações, falando das casas de vivenda e
casas de morada, que constituíam as sedes das propriedades. Para isso, se
embasa em Sheila de Castro Faria para falar da pluralidade de habitações em
torno dessas casas sedes, marcadas pela existência de unidades agrárias
produtoras de alimentos, gado e cana-de-açúcar. É justamente o que o autor
encontra ao analisar os inventários, que não detalham profundamente a descrição
das fazendas, mas mencionam as benfeitorias, como casas de tropas e de queijos,
engenhos, moinhos, entre outras. Algumas sedes de fazenda, como a dos
Junqueira, mantinham a estrutura arquitetônica oitocentista, tendo um
pavimento, grandes portas e várias janelas, além de terem diversas
benfeitorias. O autor destaca os indícios de opulência, como, por exemplo, os
portais trabalhados em pedra-sabão ou os telhados em estilo europeu. Na análise
do espaço íntimo, o autor destacou a importância dos retratos de família,
geralmente feitos em pintura a óleo (que são elementos de representação social,
com uma imagem no retrato que não foge aos padrões da elite do sudeste), que
destacavam a figura masculina (o que reflete os valores de uma sociedade
patriarcal), a indumentária (que passava uma idéia de seriedade). O autor
continuou a se utilizar dos relatos e Saint-Hilaire, que afirma que os
interiores eram marcados pela rusticidade e simplicidade. Entretanto, Marcos
Ferreira relativiza esta questão, dizendo que a chegada da corte produziu
consideráveis mudanças culturais e, conseqüentemente, novos hábitos e costumes
puderam ser percebidos na forma de mobiliar as residências, de vestimentas e
alimentação. As famílias começaram a ter contato com os produtos
industrializados, europeus que circulavam amplamente na corte, em especial nas
regiões mais próximas do Rio de Janeiro. Estes são indicativos de mudança, que
podem ser percebidos se verificados nos inventários, que quebram o caráter
totalmente rústico fornecido por Saint-Hilaire. Ibidem. p.p 117-128.
[15] Nos inventários, verificam-se o aumento de artigos quase sempre
franceses ou ingleses – que evidenciam a mudança de costumes –, como os relógios
de algibeira, bocetas de prata, estante para livros (algumas habitações tinham
bibliotecas), pianos, relógios de paredes, objetos de decoração como castiçais,
utensílios domésticos (como talheres de prata e aparelhos de chá/louça, bules,
cafeteiras, mantegueiras, açucareiras). O uso de talheres (encontrados em
grande proporção nos inventários) indica a introdução de “boas maneiras” de se
comportar à mesa, certamente pela observação dos costumes em vigência na Corte.
Marcos, tendo como base as informações de Norbert Elias, diz que o ideal de civilização foi interpretado como
estratégia para se distanciar do mundo da escravidão. Segundo Elias, o termo
começou a ser usado na França no século XVIII para diferenciar a nobreza da
burguesia em ascensão e dos camponeses. O autor destaca, por exemplo, o
progressivo aumento do uso de manuais de boas maneiras e higiene, bons modos à
mesa e formas adequadas de se vestir. O vestuário também foi marcado pelo
exagero do sentimento aristocrático, como o autor descreve no caso da fazenda
Pessegueiros. Um hábito que também marcou a influência da Corte foi referente
ao divertimento das elites. As caçadas foi o passatempo preferido de alguns
proprietários, em especial, os Junqueira. Francisco Antônio Junqueira tinha o hábito
de participar de caçadas na Corte, juntamente com D. Pedro I, o que revela a
ligação das elites com o governo imperial. Ibidem. p.p. 131-151.
[17] Francisco Antônio Junqueira foi ordenado sacerdote na
arquidiocese de Mariana. Era proprietário da fazenda do Jardim e requereu
sesmarias na paragem de Rio das Antas e Três Barras. O sacerdote podia exercer
suas funções eclesiásticas e cuidar de suas fazendas. Era comum a existência de
padres fazendeiros e donos de escravos. Muitos alcançaram projeção na política
regencial. José Custódio Dias era pertencente à facção liberal e foi eleito
deputado para as Cortes e para a Constituinte. Em 1835 foi eleito senador.
Outro exemplo disso é José Bento Ferreira, que pertencia ao Colégio Eleitoral e
também foi eleito deputado para a Assembléia Geral do Império em 1826. Embora
Francisco Antônio Junqueira não tenha ocupado nenhum cargo político, ser padre
naquele momento conquistava grande respeito da população regional e, assim,
capital político para que a família ampliasse a influência de seu nome. Ibidem. p. 216.
[18] Gabriel Junqueira se tornou um dos principais
representantes da facção liberal moderada já em 1830, estando ligado a
acontecimentos que antecederam à abdicação de D. Pedro, quando este empreendeu
viagem política a Minas Gerais para tentar recuperar prestígio político e
patrocinar a reeleição de seu candidato, Silva Maia. Entretanto, o assassinato
de Líbero Badaró resultou em uma recepção fria a D. Pedro e a resposta dos
mineiros veio com a eleição de Gabriel Francisco Junqueira. Inicia-se a
trajetória política de Gabriel Junqueira. Ibidem. p.p. 222-228.
[19] No primeiro momento, entre 1831 e 1836, atuando
basicamente nos bastidores parlamentares, com apresentação de emendas a
projetos de lei. Uma delas representa justamente um exemplo de ação política em
defesa de privilégios de sua família e de parte da elite mineira, que buscava
reduzir em 50% a tributação sobre porcos e carneiros. O segundo momento é
referente à reação política frente às medidas regressistas tomadas por D. Pedro
II, na Revolta Liberal de 1842, comandando a coluna Junqueira. Ibidem. p. 229.
[20] Esta autora defende que as elites regionais tiveram
papel decisivo na construção do Estado, ao imporem suas demandas, mas, que ao
mesmo tempo, assumia o compromisso com a preservação do Estado. Na página 226,
Marcos Ferreira menciona considerações feitas por esta autora a respeito do
destaque que a mesma dá para a relação os governos provinciais com o Estado. A
autora destaca que a autonomia concedida pelo ato adicional não foi
substancialmente alterada com a lei interpretativa do Ato Adiconal. Mesmo após
a subida dos Saquaremas ao poder, as províncias ainda mantiveram autonomia
tributária para atender às demandas regionais. Ibidem. p. 232.
[21] José Murilo de Carvalho também aborda a questão da
relação entre elite e Estado ao final da década de 1830. Para ele, o período
regencial constituiu a melhor indicação dos limites de um sistema nacional de
dominação monárquica. Na página 232, Carvalho entra em convergência com as
proposições de Dolhnikoff. O autor atenta para o poder ilusório da
centralização política do Estado, manifestada por uma ritualística monárquica
marcada pelo carisma do Imperador. Carvalho diz que a burocracia do Estado era
macroencefálica, com cabeça grande e braços muito curtos. Assim, não alcançava
as municipalidades. Como estratégia para cooptar as elites, D. Pedro II
distribuiu vários títulos de Barão aos proprietários que se distinguiam por
suas riquezas. Foi assim que Gabriel Junqueira se tornou barão posteriormente.
Isso evidencia o quanto as elites eram influentes no panorama político
imperial. Ibidem. p. 225.
[22] Para identificar as estratégias de composição, o
autor continuou a se utilizar de inventários. O mesmo verifica a criação de
oportunidades para a reprodução natural (crioulização) das escravarias (como no
caso de João Francisco Junqueira) e recusa que a composição estivesse
circunscrita à dependência do tráfico internacional. Mas também expõe a
existência de proprietários (Como Gabriel de Souza Diniz e André Martins de
Andrade) que tinham suas escravarias compostas majoritariamente por africanos,
havendo, nestes casos, uma maior dependência do tráfico em suas escravarias. O
autor identifica a relação entre senhor e escravo como marcada pela tensão e
temor, até mesmo pela existência de um pesadelo senhorial representado pelo
haitianismo (p. 303). A transformação de desavença em solidariedade no meio
escravo foi algo presente (ainda que seus recursos tenham sido pouco estudados
ou analisados, como atestam Manolo Florentino e José Roberto Góes). Neste
sentido, as estratégias de controle consistiam em investimento de dissensões e
disputas entre os cativos, buscando impedir que se associassem, dividindo
escravos por ocupações e castigando os insubordinados. A Revolta das Carrancas
representou justamente a possibilidade de articulação dos escravos. O autor
dialoga com Hebe Matos (p. 303) a respeito da re-significação do conceito de
“parceiro”, o que contribuiu para o surgimento de rebeliões. Ibidem. p.p. 286-303.
[23] Foi enviado projeto à Câmara dos Deputados referente aos crimes
e julgamento dos escravos. A lei nefanda de 10 de junho de 1835 estabeleceu
pena de morte para escravos envolvidos. Os cativos foram exemplarmente punidos
e quanto à repercussão gerada pela revolta, as autoridades políticas,
parlamentares, proprietários e suas famílias atemorizadas se utilizaram de estratégias
de desinformação e censura, como se pode perceber, por exemplo, no discurso de
Bernardo Pereira de Vasconcelos que, em resposta a Montezuma sobre as
perseguições que muitos proprietários, não se referiu nem à Revolta das
Carrancas. Embora tivesse mencionado as mortes ocorridas na família Junqueira,
omitiu o fato de se tratar da família de um colega do parlamento. Ibidem. p.p. 310-314.
[24] BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929 – 1989. A Revolução Francesa
da Historiografia. 2. ed. São Paulo: UNESP, 1991, p.p. 46-54.
[25] Ginzburg, utilizando como metáfora o mito grego de Teseu, que
traçou um fio para se guiar pelo labirinto e matar o minotauro, afirma que a
lenda não fala dos rastros que Teseu deixou pelo labirinto. Ginzburg diz que,
para a compreensão da realidade, é necessário haver uma relação entre o fio
condutor e os rastros. Esta é a sua proposição com relação ao que diz respeito
à microhistória e o que ele trabalha nesta obra a respeito do “paradigma
indiciário”. Para ele, a compreensão microhistórica da realidade não significa
a produção de uma história menor, mas sim localizar e ligar diversos rastros de
maneira que os mesmos dialoguem e se integrem com fatos de um universo mais
geral. GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros. Verdadeiro, Falso, Fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.p. 7-8.
[26] HEVEL, Jacques. Jogos de
Escalas – A Experiência da Microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação
Getúlio Vargas, 1996, p.p. 16-38.
[27] Elias, discorrendo a respeito das relações familiares da nobreza européia,
aborta justamente a respeito de como o casamento no meio aristocrático
consistia numa estratégia para manter a estabilidade político-econômica de uma
determinada Casa, buscando o máximo aumento de prestígio social. O mesmo
destaca que o matrimônio aristocrático, ao contrário do matrimônio burguês, não
tinha como propósito a formação de uma “vida familiar”. É possível notar uma
considerável semelhança nas relações familiares das elites escravistas
sul-mineiras (ainda que elas estivessem ligadas a um universo econômico
burguês, com a prática de comercialização e diversificação de atividades
econômicas), que também utilizam as relações familiares, em especial o
matrimônio, como estratégia para manterem e aumentarem suas fortunas. ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte – Investigação Sobre a Sociologia da Realeza e da Aristocracia de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 72.
Olá, gostaria de saber onde consigo comprar esse livro... estou bastante interessado! Grato
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