Por Gabriel Araújo
Uma sociedade democrática de alicerces
escravistas
Durante o processo de colonização, a
sociedade colonizadora por vezes entrava em contato com uma sociedade já
existente. Se os colonizadores empregavam um método de produção escravista, era
de suma importância justificar a prática para legitimar tal submissão perante
as forças contrárias ao processo de escravização. No Brasil colonial, tais
forças contrárias eram compostas pelos nativos, que possuíam cultura própria,
resistente à colonizadora; pelos jesuítas, que buscavam o controle do acesso à
mão de obra cativa sob o respaldo da bula papal de 1537; e pela própria Coroa
portuguesa, que em diversas ocasiões demonstrava um caráter ambíguo em relação
à política indigenista, buscando agradar tanto os interesses dos colonos quanto
de Roma.
Durante o século XVI, segundo John Monteiro
(1994), os colonos demonstravam uma mentalidade de caráter progressista a favor
da escravidão indígena. As fontes da época sugeriam que o colono que não
fizesse o uso de tal força de trabalho, viveria uma vida primitiva e sem
contribuição para o progresso e desenvolvimento da colônia. O autor afirma que “sem os índios para abrir
as roças, plantar as searas e carregar os produtos, os portugueses de São Paulo
mal conseguiriam manter suas próprias famílias, tamanho era o desdém pelo
trabalho manual”[1].
A sociedade paulista foi gradativamente estruturada sobre a necessidade de uma produção de subsistência da própria colônia,
principalmente quanto à produção e transporte de alimentos, que eram enviados
para os povoamentos do litoral. Assim, existia a necessidade de mão de obra
barata para que o excedente fosse produzido. O primeiro século de colonização
foi o período de instituição e adequação da prática escravista na sociedade
colonial brasileira.
No século XVII, o uso da mão de obra
escrava cativa gradativamente tornava-se uma tradição na sociedade colonial,
onde a dominação necessária para a escravização de um povo era reforçada pela
imposição da cultura colonizadora e dizimação da sociedade e da tradição
indígena. A imposição da cultura era reforçada através da evangelização dos
índios nos aldeamentos, como diz John Monteiro: “É difícil estabelecer até que
ponto os paulistas procuravam doutrinar os índios na Fé católica. Com certeza,
porém, a religião dos senhores reafirmava as relações de dominação e servia
como arma para a manipulação dos mesmos” [2]. Os colonos buscavam “introduzir os índios no mundo católico
através do batismo e da adoção de nomes cristãos” como uma forma de
estabelecer uma dominação de caráter paternalista [3].
Os portugueses logo de início também buscaram eliminar os indivíduos
responsáveis pela perpetuação da religião e tradição dos nativos, como os pajés e os caraíbas.
Com a expulsão dos jesuítas em 1759, o controle da mão de obra cativa passou inteiramente para a administração dos colonos, que através das Câmaras Municipais buscavam agora legitimar a escravidão indígena perante a Coroa. Claramente, os paulistas administravam os índios como escravos, mas não aplicavam essa terminologia, e sim a de administrados, como menciona John Monteiro: “Os Paulistas, posto que não davam aos índios domesticados o nome de cativos, ou escravos, mas só o de administrados, contudo dispunham deles como tais, dando-os em dotes de casamentos, e a seus credores em pagamento de dívidas” [4]. Conclui-se assim, que controlar a terminologia, a descrição de um determinado termo, é possível criar os contornos sociais para a instituição de uma determinada prática de dominação, transformando-a assim em costume.
Com a expulsão dos jesuítas em 1759, o controle da mão de obra cativa passou inteiramente para a administração dos colonos, que através das Câmaras Municipais buscavam agora legitimar a escravidão indígena perante a Coroa. Claramente, os paulistas administravam os índios como escravos, mas não aplicavam essa terminologia, e sim a de administrados, como menciona John Monteiro: “Os Paulistas, posto que não davam aos índios domesticados o nome de cativos, ou escravos, mas só o de administrados, contudo dispunham deles como tais, dando-os em dotes de casamentos, e a seus credores em pagamento de dívidas” [4]. Conclui-se assim, que controlar a terminologia, a descrição de um determinado termo, é possível criar os contornos sociais para a instituição de uma determinada prática de dominação, transformando-a assim em costume.
Segundo o autor, as gerações
nascidas já inseridas na sociedade colonial eram muito mais adequadas a esse
processo de dominação, sendo de maior valor do que os cativos vindos das
missões de descimento, como diz o autor:
“pode-se destacar uma variação relacionada à diversidade e à especialização
ocupacional. A distinção fundamental situava-se entre os índios
recém-introduzidos e aqueles nascidos no povoado (crioulos) ou plenamente
adaptados ao regime (ladinos)”[5]. Tal
distinção, somada à diminuição demográfica da população nativa para dar vazão à
necessidade de mão de obra, fazia com que o colono buscasse mecanismos de
reprodução e manutenção dessa sociedade escravista na colônia, que não
estivessem vinculados diretamente às expedições de descimento[6].
Segundo John Monteiro, “diante das vicissitudes do apresamento, procurava-se
(os colonos) forjar estruturas no interior da própria sociedade colonial,
fomentando a preservação do sistema” [7]. Também
era incentivado o apadrinhamento, de caráter paternalista, como imposição da
superioridade[8].
O autor também destaca que “os registros de batismo, ao sugerir a existência de
um padrão hierarquizado, podem expressar estratégias de socialização”[9], e
”o compadrio representava um passo significativo na integração dos índios à
sociedade paulista” [10].
Na medida em que a sociedade se
adequava em torno do modo de produção escravista de monocultura, a população
nativa se transformava de acordo com esses moldes. Monteiro diz que “nas
unidades coloniais, os índios mantinham roças para seu próprio sustento, o que
podia possibilitar a manutenção de um elo entre formas pré-coloniais e
coloniais de organização de produção” [11]. O
colono buscava de maneira legal suprimir as tentativas de integração da
sociedade indígena ao comércio colonial, para que não houvesse uma competição e
assim desvalorização da produção, e que se perpetuasse a mentalidade de
dominação e dependência à sociedade escravista. Para John Monteiro, “diversas
vezes ao longo do século XVII, as autoridade da Colônia lançaram ofensivas
contra esta economia informal movimentada pelos índios”[12]. Também surge a problemática de atividades
caracterizadas como criminosas por parte dos índios na sociedade colonial,
“tais atividades se tornaram corriqueiras”[13] ,
e “esta onda de atividades “criminosas” refletia os padrões de ajustamento do
índio à sociedade escravista” [14].
Concluindo, através de contornos
jurídicos, práticas sociais e definições terminológicas, foi possível ao colono
português legitimar a prática da escravidão durante o processo de colonização
do Brasil, bem como criar os mecanismos de reprodução e perpetuação da prática,
algo que se reflete até os dias atuais numa sociedade que se denomina
democrática, porém fundamentada em alicerces escravistas.
Notas:
[1]
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra:
índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994. p. 136
[2] Ibiden
p. 159
[3] Ibiden
p. 159
[4] Ibiden
p. 147
[5] Ibiden
p. 156
[6] Ibiden
p. 167
[7] Ibiden p. 168
[8] Ibiden p. 161
[9] Ibiden p. 162
[10] Ibiden
p. 163
[11] Ibiden
p. 171
[12] Ibiden
p. 173
[13] Ibiden
p.173
[14] Ibiden
p. 174
Referências Bibliográficas:
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994
Site da Imagem: http://www.anovademocracia.com.br/no-65/2798-indios-latifundio-segue-matando-e-invadindo-
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