Por Vanir Junior
Após o esfacelamento do Império Romano, a Igreja foi a única instituição romana a se manter de pé. Com o estabelecimento de bárbaros dentro do território ocidental da Europa, logo se constituíram monarquias germânicas, como o Reino Visigodo de Toledo e o Reino Franco, que mais tarde se tornou o Império Carolíngio. É importante ressaltar que, segundo Maria Sonsoles Guerras, os germânicos careciam de uma idéia de Estado. E quem irá transferir tal ideal aos bárbaros será justamente a Igreja Católica, que em meio à crise romana, irá protagonizar grande parte do poder político da época. Vale destacar a atuação do Papa Leão I, que enfrentará Hunos e Vândalos para defender Roma, enquanto o próprio imperador do Ocidente não residia mais em Roma, preferindo Ravena ou Milão.
Além disso, ganhou força a teoria política dos Dois Poderes do Papa Gelásio, que afirmava que o poder pontifício era maior que o imperial, uma vez que o segundo vinha de Deus, mas antes, passava pela esfera pontifícia. A partir daí, a Igreja passou a difundir tal ideologia, divulgando entre os monarcas germânicos que se receberam todo o poder terreno, é porque deveriam utilizá-lo a serviço do plano celeste. Ou seja, segundo Sonsoles Guerras, deveriam “exercer a justiça cristã, fazendo respeitar a ordem exigida pela outra autoridade, a do papado” (1992, p.p 41). É importante ressaltar nesse período a figura de Gregório, O Magno, que atuou na conversão dos visigodos e anglo-saxões, dentro de um contexto político em que a Igreja ganhava cada vez mais poderes, e tratava assim de moldar um aparelho estatal favorável à sua política.
A Igreja não pretendia restringir o Estado, mas também reivindicava a não submissão ao mesmo. Segundo Alderi Souza de Mattos, Professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie, “o Estado era universalmente considerado uma instituição cristã, tendo a obrigação de sustentar, proteger e difundir a fé”. A Igreja promovia uma interação cada vez maior com os reinos, que passaram a ajudá-la de diversas formas, como no caso dos Francos da Dinastia Carolíngia. Tanto Pepino, O Breve, quanto Carlos Magno lutaram contra diversos povos, entre eles, os Lombardos, Saxões e Avaros, defendendo a Igreja de possíveis ameaças, doando terras à mesma (como no caso do Patrimônio de São Pedro – Estados Pontifícios - doado por Pepino) e aumentando a Cristandade.
Embora houvesse um estreitamento nas relações da Igreja com o Estado e a intenção da primeira fosse consolidar um aparelho político no qual ela própria tivesse a primazia política (especialmente a partir da elaboração de teologias políticas que visavam cada vez mais um aprofundamento da cristianização do poder politico), num primeiro momento, o Estado procurou se impor à Igreja, controlando-a de certa forma, pois, já que prestou serviços à mesma, também se sentiu livre para controlá-la, conforme sua vontade. Os monarcas carolíngios se colocaram como protetores da Igreja e, segundo Hilário Franco Jr., efetuaram “uma reforma eclesiástica no seu reino, vinculando o episcopado ao poder real”. (2001, p.p 71). Mesmo que a política de controle estatal sobre a Igreja no ocidente não tenha sido tão forte como em Bizâncio, que manteve o Cesaropapismo – deixando a Igreja subordinada ao Estado em grau muito maior do que na parte ocidental da Europa e focando no Imperador também o poder espiritual – pode-se dizer que os monarcas carolíngios se sobrepuseram em seus reinados o poder da Igreja.
No entanto, após a morte de Carlos Magno, segundo Mattos, por não haver “herdeiros hábeis que dessem continuidade às suas políticas”, o episcopado buscou novamente aumentar seu poder político, dessa vez, buscando afirmação através do Agostianismo Político, que renovava as propostas agostiniana e gelasiana de superioridade do poder espiritual, perpetrado pela Igreja, sobre o poder temporal. É importante ressaltar que, de certo modo, o objetivo da Igreja era a não intervenção dos monarcas em seus assuntos. Exemplo disso é quando há a entrega do Patrimônio de São Pedro por Pepino, a Igreja forja um falso documento, chamado “Doação de Constantino”, que afirmava que o Imperador Constantino havia doado a posse dos territórios ocidentais para a Igreja. Dessa forma, Pepino apenas estaria devolvendo o que já era de direito da Igreja.
Por outro lado, os governantes reivindicavam o direito de manter a Igreja submissa ao poder temporal. Isso ficou evidente a partir da formação do Sacro Império Romano Germânico, no século X, quando o Império, na figura de Otão, passou a intervir na investidura dos clérigos, buscando, semelhantemente a Carlos Magno, submeter a Igreja ao poder temporal. O conflito de poderes políticos se agravava, sendo uma das características marcantes do período medieval.
A Igreja, desde o lançamento da política agostiniana, enfrentava o agravamento do problema de seu enfeudamento, pois, embora a mesma não desejasse enfraquecer a monarquia – apenas desejava subordiná-la, tendo o forte poder imperial ao seu favor –, a teoria política fortaleceu a nobreza, e, segundo Franco Jr., houve a “generalização do sistema de Igreja própria” (2001 p.p 73). Ou seja, um senhor feudal que tivesse uma igreja no feudo poderia se apropriar das arrecadações da mesma. A Igreja irá reagir, não só por este motivo, mas também devido à tendência corrupta que o Clero estava tomando, com a venda de cargos eclesiásticos, a simonia, que tomou maior grau desde a subida de Otão ao poder, com a investidura leiga. A simonia também agravou o problema do nicolaísmo, o concubinato de clérigos, uma vez que grande parte das pessoas que compravam cargos na Igreja não estava em busca do compromisso religioso, mas sim da segurança oferecida pela Igreja. Assim, viviam em desacordo com as regras clericais. Além disso, não era interessante para Igreja que os senhores feudais se apropriassem das doações feitas às Igrejas de seus feudos.
Contra esta série de acontecimentos, se levantará uma reforma eclesiástica, impulsionada por Cluny e liderada por Hildebrando, que em 1073 sobe ao poder papal como Gregório VII. Ele iniciará a Reforma Gregoriana, que visava combater o nicolaísmo, livrar a igreja de seu enfeudamento, além de afirmar novamente o poder papal sobre o temporal, visando acabar com a investidura leiga. Essa série de medidas entrará em choque com a política de Henrique IV, Imperador do Sacro Império, que não aceitará o seu veto nas escolhas dos clérigos. Isso desencadeará um conflito que ficou conhecido como “Querela das Investiduras”. O imperador irá depor o Papa e este irá excomungar o Imperador, que irá pedir perdão ao primeiro, indo à Canossa, norte da Itália, pois parte da nobreza não concordou com sua atitude e ele temia perder apoio político. O Papa retirará a excomunhão e Henrique investirá novamente contra o Papa. Grergório fugirá para a Sicília, onde morrerá.
A Querela das Investiduras somente se resolverá em 1122, com a Concordata de Worms. Contudo, a resolução dos problemas entre poder temporal e papal se dá de maneira parcial, pois novas disputas surgiram, como na Inglaterra, onde ocorreu o assassinato do Bispo Tomás Becket a mando de Henrique II, que pretendia a diminuição dos poderes e privilégios clericais, em 1170. Além disso, as disputas políticas no Sacro Império se agravaram a partir da formação de facções políticas, como a dos Guelfos, favoráveis à esfera papal, e dos Gibelinos, favoráveis ao Imperador. Os concílios de Latrão serão, em parte, desdobramentos das disputas entre Igreja e Estado. Mas houve, em grande parte dos casos, a proeminência da Igreja sobre os monarcas, situação na qual muitos, como, por exemplo, Frederico Barbaroxa e Frederico II dos Hohenstaufen, foram depostos e excomungados por tentarem dominar a Igreja. Dentre as figuras fortes da Igreja nessa época, vale destacar Inocêncio III, quando o papado atingiu o ápice, colocando-se acima de toda a sociedade, enfrentando diversos monarcas, como ocorreu na Inglaterra, por exemplo, com a imposição da Magna Carta contra João Sem Terra.
A Igreja adquiria grande influência social a partir do século XI. Jacques Le Goff afirma que “a Igreja encarnaria assim o verdadeiro poder, subempreitando a gestão temporal ao poder subordinado, menos eminente, dos leigos reduzidos ao papel de “braço secular””. (2003, p.p 74). Havia, assim, grande impulso à cristandade, que desembocará, mais especificamente a partir de Latrão IV (1215) – que teve Inocêncio III como um de seus elaboradores –, num movimento repressivo “que pretende guardar a pureza da reforma (condenação dos hereges, dos judeus, dos homossexuais, dos leprosos). Abre as portas da Inquisição.” (2003. LE GOFF, Jacques, p.p 75).
No período de Baixa Idade Média, os conflitos Realeza-Papa continuaram. Dessa vez, o problema envolveu Bonifácio VIII, que não aceitava as taxações sobre os bens da Igreja. Como resposta, Felipe IV, O Belo, em uma França em processo de centralização monárquica, protestou contra o Papa, além de prendê-lo e, alguns anos depois, transferir a sede da Igreja para Avignon, em 1309, na França (o Papa Clemente V é levado para a França). Em 1378 Gregório XI retorna a Roma, uma vez que a França enfrentava sérios problemas políticos referentes à Guerra dos Cem anos, além da distância impor sérios obstáculos ao controle dos territórios da Igreja em Roma. A partir desse momento, ocorre o que ficou conhecido como Cisma do Ocidente, pois, devido às divergências entre os clérigos, foi eleito um novo Papa para a França, enquanto Gregório XI permanecia em Roma. O problema do Cisma somente será resolvido no Concílio de Constança, em 1417, que estabeleceu o papado novamente em Roma. Mas afirmou o poder dos Concílios sobre o dos Papas.
Tais manobras políticas afetaram fortemente a imagem da Igreja, enfraquecendo seu poder frente ao poder temporal. Ocorria concomitantemente em vários territórios europeus o processo de formação das monarquias modernas, em que os reis, impulsionados em partes pela burguesia que ganhava força, buscavam reduzir o poder da Igreja e subordiná-la à autoridade real. Além disso, um novo desdobramento religioso estava por vir e também se oporia à Igreja Católica em 1517: a Reforma Protestante.
Referências Bibliográficas:
FRANCO JR, Hilário. A Idade Média Nascimento do Ocidente. Edição 2ª. Brasiliense: São Paulo, 2006
FRANCO JR, Hilário e RUY O, Andrade. O Império Bizantino. Brasiliense: São Paulo, 1986
GUERRAS, Maria Sonsoles. Textos Didáticos IFCS: Romanismo, Germanismo e Cristianismo no século V-VI – Programas de Estudos Medievais. IFCS-Publicações: Rio de Janeiro, 1992.
LE GOFF, Jacques. Em Busca da Idade Média. Edição 3ª. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2003
MATOS, Alderi de Souza. A Igreja e Estado: Uma Visão Panorâmica. In: http://www.mackenzie.br/7113.html, consultado em 28/03/2011, às 00:05.
MCEVEDY, Colin. Atlas de História Medieval. Companhia das Letras: São Paulo, 2007
Site da imagem da coroação de Carlos Magno: http://josmaelbardourblogspotcom.blogspot.com/2010/08/carlos-magno.html
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