terça-feira, 15 de outubro de 2013

Por Leonardo Bispo Santos


      Dolores Guerrero nas páginas 33-81 de seu livro La Revolución Haitiana y el fin de um sueño colonial (1791-1803), tratará sobre as causas internas e externas do contexto da Revolução Haitiana, fazendo então a autora uma análise conjuntural deste que foi um dos marcos mais importantes pela luta por liberdade nas américas. A autora inicia o texto argumentando que é através do contexto econômico revolucionário que podemos melhor entender “o efeito da Revolução Francesa no mundo colonial e a influência das colônias nas políticas metropolitanas”. [1] Sendo assim, a autora escreve uma narrativa em que retrata a situação da França na época pré-revolucionária, em que o país era um dos mais povoados da Europa e que sua burguesia vinha prosperando até os embates da Guerra dos Sete Anos, ocasionando esse embate em um descontentamento social contra o governo. [2]
      Na primeira parte de seu texto, Guerrero descreve como se deu a riqueza colonial, abordando o período de grande auge comercial, apontando o crescimento do comércio das Antilhas e a vital importância que São Domingos tinha para a França. Essa colônia detinha, segundo a autora, cerca de 77% de todo o comércio colonial francês, tornando-a o grande mercado do Novo Mundo. [3] Devido a esse grau de importância atribuído à região, fez-se com que ela se configurasse em uma zona de disputas para as grandes potências coloniais. Os impactos desse enriquecimento com o comércio das Antilhas foi inevitável na sociedade francesa, com o enriquecimento e o fortalecimento da burguesia e o alavancamento do capitalismo que acabariam por levar a um maior questionamento e necessidade de superar as barreiras do Antigo Regime. [4]
      Devido aos “ressentimentos” que outras nações europeias tinham contra a Inglaterra, na Europa perante a situação de separação das Treze Colônias formou-se uma opinião favorável aos cidadãos da mais nova nação. A França tinha claros interesses nessa ajuda e reconhecimento da jovem nação, objetivando enfraquecer o grande império Inglês. Nesse contexto, a colônia de São Domingos desempenhou um papel central de ajuda francesa aos separatistas americanos, estabelecendo uma relação cada vez mais intensificada entre esses e São Domingos que para a autora, foi uma relação que guiou o processo de libertação da colônia francesa. [5] 
      Com a independência americana, a França conseguiu pouca vantagem em contraposto ao seu investimento e objetivos que tinha no evento, ganhando somente algumas poucas concessões e sofrendo ainda mais uma sangria com custos de guerra. Devido a esses acontecimentos, a autora ressalta a influência que tais eventos tiveram ao espalharem notícias sobre o mesmo e seu ideário de luta por direito à vida e a liberdade, formando assim uma nova linguagem e base para ações revolucionárias seguintes, como a formação do caráter anticolonial e autonomista de São Domingos e a Revolução Francesa que fez desmoronar o Antigo Regime francês. [6]
      Ao desestabilizar da sociedade francesa em conjunto com o desestabilizar do mundo colonial, o questionamento e o conflito se espalham por São Domingos, colônia de contradições sociais ainda mais profundas devido ao seu histórico de importância primordial no comércio. Os primeiros protestos foram organizados por colonos brancos, em que reivindicavam o fim do monopólio sobre a produção e o comércio das colônias, ao cabo que ao se radicalizar o movimento foi tendo características antirevolucionárias, combativas ao movimento burguês aliado aos populares na França e ao movimento de homens livres “de cor” por igualdade na colônia, como também ao movimento de insurreição de escravos por liberdade. Esses dois últimos apresentavam diferenças interessantes, como a autora cita, dizendo que apesar desses homens “de cor” serem livres e serem proprietários, tendo relativos direitos, sofriam com o preconceito e queriam maior liberdade de produção e comercialização, mas sem alterar o regime escravista. Com isso, eles se identificavam em muito com os pequenos burgueses franceses e tiveram apoio de liberais da ilustração francesa como também de abolicionistas contraditórios. Sobre o movimento dos escravos, a autora cita o aumento da população escrava ao longo do desenvolvimento da produção colonial. A população escrava sofria com péssimas condições de vida, porém utilizava de diversos meios de resistência, em que se ressaltam as construções de união entre pessoas oriundas de sociedades diferentes, criando um novo idioma, o créole, como também uma nova religião, o vodú, estabelecendo assim laços de identidade entre a população escrava. [7]
      Enquanto a crise econômica aprofundava a revolução, como argumenta Dolores Guerrero, a questão ganhou relevância e houve diversos debates na metrópole em que as discussões eram permeadas pelos diversos interesses envolvidos, sejam eles de cunho filosófico ou econômico. A ilustração teve grande influência, condenando a escravidão, porém legar igualdade de direitos aos proprietários mulatos apesar de coincidir com os ideais da revolução seria ruim tanto para os interesses da nobreza quanto para a burguesia comercial colonial, pois “o abolicionismo de 1789 era necessariamente anticolonialista”. [8] Em meio ao aprofundar dos conflitos em França, em São Domingos “um novo ator se erguia no cenário da colônia: o escravo”. [9]
      Os escravos, marginalizados dos debates coloniais, iniciaram uma grande rebelião em que arrasavam plantações e tudo o que representava o domínio de seus senhores, incorporando no processo os princípios de “Liberdade e Igualdade”. A autora ressalta, citando trecho de Benot, que seria um equívoco eurocêntrico falar que Revolução de São Domingos foi um simples reflexo da Revolução Francesa. [10] Aproveitando o momento de fragilidade da França, as potências européias aproveitam para diminuir ainda mais seu poder na Europa e Antilhas. Nesse cenário, a Inglaterra que se legava a ser a maior defensora contra a escravidão, se põe em uma posição de apoio aos colonos franceses e assim, em apoio ao seu modelo escravista, isso em contraposto à Espanha, que em oposição à Revolução Francesa apoia e provem instrução militar aos escravos de São Domingos. Com isso, os escravos puderam se preparar militarmente e organizar a sua luta. Com um grupo de militares bem organizados a Espanha convoca os escravos para lutarem por liberdade e, ao a rebelião generalizada ter se concretizado, chegando também a outras ilhas, a Assembléia Constituinte em 28 de setembro de 1791 libertou os escravos, porém tal decreto não servia para os domínios ultramarinos da França, mandando assim, missões para terminar com a rebelião. [11]
      A essa altura a ilha já se encontrava invadida por forças da Espanha e Inglaterra que aproveitaram a oportunidade para desfechar mais um golpe na França revolucionária. Para se conterem as tropas do governo republicano na ilha, os colonos e tropas realistas pediram ajuda aos escravos que eram os únicos com força suficiente para contê-los, que logo atenderam ao pedido e venceram sem grandes esforços os republicanos e com isso foi-se reconhecida a abolição da escravidão em São Domingos no dia 29 de agosto de 1793. Em 1794, tal seria reconhecida pela Convenção e estendida para todos os domínios franceses sem distinção de cor. Com essa libertação se sucederam diversas revoltas e lutas em outras ilhas do caribe de domínio inglês e espanhol, como também em toda Nova Espanha, chamando atenção e causando também descontentamento nos Estados Unidos que possuía em seus estados do sul o regime escravista, fazendo assim, com que essas grandes potências tentassem conter como pudessem os sucessos de São Domingos sob o medo de que tal exemplo libertador se propagasse. [12]
      Logo após esses acontecimentos se sucedeu a invasão inglesa que aproveitou a conjuntura para tentar abocanhar a mais rica colônia francesa para si e reimplantar novamente o escravismo, além de impedir o “contágio rebelde” de libertação dos escravos se espalhar, sobretudo sobre a sua valiosa colônia da Jamaica, com isso, apresenta-se sobre a ilha o retrocesso dos movimentos dos escravos e dos mulatos. Com a união de forças entre as tropas de Toussaint Louverture, líder dos escravos, e as tropas republicanas francesas, ao final do conflito conseguiram vencer os ingleses. Com isso, ao se firmarem o tratado de Pointe-Bourgeoisie, o mesmo é considerado como o primeiro ato de independência de São Domingos. Devido à experiência obtida nesses combates, São Domingos pôde ainda, resistir mais tarde à frota de Bonaparte tentando resgatar a ilha para a França. [13]
     O medo dos ideários da Revolução dos escravos de São Domingos e da Revolução Francesa atormentou as grandes potências que tinham domínios na América, trazendo tal, esforços como o da Espanha de proibir qualquer notícia sobre França de entrar em seus territórios, o que não deu muito resultado, pois as idéias revolucionárias acabaram circulando e eram fortalecidas por Criollos e mestiços de Cuba, Venezuela, Porto Rico e em especial São Domingos. [14]
   

      Dolores Guerrero termina seu belíssimo e riquíssimo texto com indagações sobre quem seria o homem surgido dos escravos, Toussaint Louverture. De ex-chefe de escravos do norte de São Domingos para líder e organizador do primeiro estado liberto negro e desafiador do poderio napoleônico, um visionário dos processos políticos da América Latina, regendo suas ações através da defesa e consolidação da liberdade dos escravos e desejo de alavancar a autonomia de sua colônia, apoiando potências quando essas aceitavam reconhecer a liberdade dos escravos... Ideias como essas somente seriam postas em prática no século mais tarde nas colônias das grandes potências europeias  As ações de Louverture e dos movimentos dos escravos representaram em seu momento, um grande atrevimento no mundo colonial antilhano e as propostas de extensão dos domínios e projeto colonial da França revolucionária esbarrariam com as pretensões de autonomia de Toussaint Louverture, o chefe dos ex-escravos. [15]

      Sendo assim, com a riqueza de análises de causas, do “contexto econômico revolucionário”, como a própria autora inicia seu texto, nos apresenta valiosas informações por muito apagadas e relegadas ao esquecimento da memória pela história. Dolores Guerrero nos fornece ferramentas em muito elucidativas desse acontecimento histórico tão importante para o entendimento não só dos finais do século XVIII, ou somente dos movimentos de independência do início dos XIX, ou também dos movimentos por liberdade da África e Ásia ao longo de todo o XX, mas sim estabelece uma conexão entre todos esses citados até o nosso tempo. Liberdade, igualdade...




[1] GUERRERO, Dolores Hérnandez. La Revolución Haitiana y el fin de um sueño colonial (1791-1803). Universidad Nacional Autónoma de México, 1997. P. 33. (Tradução minha).
[2] Ibidem. P. 33-34.
[3] Ibidem. P. 35.
[4] Ibidem. P. 33, 36 e 37.
[5] Ibidem. P. 38, 39 e 40.
[6] Ibidem. P. 40 e 41.
[7] Ibidem. P. 43-48.
[8] Dorigny, “La revolution française et La question...”, p. 424, apud GUERRERO, Dolores Hérnandez. La Revolución Haitiana... P. 52. (Tradução minha).
[9] GUERRERO, Dolores Hérnandez. La Revolución Haitiana... P. 54 e 49-52.
[10] Benot, La revolución française et La fin dês colonies, Paris, Editions La Découverte, 1988, p. 157, apud GUERRERO, Dolores Hérnandez. La Revolución Haitiana... P. 54. (Tradução minha).
[11] Dorigny, “La revolution française et La question...”, p. 424, apud GUERRERO, Dolores Hérnandez. La Revolución Haitiana... P. 53-57.
[12]  Ibidem. P. 57-58.
[13] Ibidem. P. 58-64.
[14] Ibidem. P. 74.
[15] Ibidem. P. 78-81.




REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GUERRERO, Dolores Hérnandez. La Revolución Haitiana y el fin de um sueño colonial (1791-1803). Universidad Nacional Autónoma de México, 1997. P. 33-81.


REFERÊNCIAS DAS IMAGENS
Imagem 1: “Scene of the Batle of Vertières during the Haitian Revolution, engraved in 1845 by french anonymous”. Retirada do seguinte link: http://passapalavra.info/wp-content/uploads/2012/05/haitian_revolution-reduzida.jpg (Acesso em 15/10/2013).
Imagem 2: "Toussaint Louverture, as depicted in an 1802 French engraving". Retirada do seguinte link: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Toussaint_L%27Ouverture.jpg (Acesso em 15/10/2013).



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

GT de Gênero - ANPUH RJ

O Evento ocorrerá no Auditório Paulo Freire  da UNIRIO, inscrições na hora.