domingo, 26 de maio de 2013

Por Vanir Junior e Ícaro Marinho

INTRODUÇÃO:

A obra “As Elites Regionais e a Formação do Estado Imperial Brasileiro: Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799- 1850)”, de autoria de Marcos Ferreira de Andrade, corresponde à sua tese de doutorado. A mesma foi obtida pela Universidade Federal Fluminense e intitulada “Família, fortuna e poder no Império do Brasil: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850)”, sob orientação da Profª. Dra. Sheila de Castro Faria, no ano de 2005. O trabalho de Marcos foi vencedor do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa do mesmo ano, alcançando o terceiro lugar.
Mas os trabalhos deste autor, com relação aos estudos históricos de Minas Gerais, não se limitam à sua tese de doutorado. O interesse em estudar e investigar as relações familiares da elite do sul de Minas já surgiu, segundo o próprio autor, no seu trabalho de mestrado, em 1996, de título “Rebeldia e Resistência: as revoltas escravas na Província de Minas Gerais 1831-840”, sob a orientação do Prof. Dr. Douglas Cole Libby.  Neste trabalho, o autor tratou da Revolta das Carrancas e fez uma breve análise da trajetória da família Junqueira em sua ação para suprimir a insurreição escrava, o que possibilitou um maior entendimento do contexto de uma das maiores rebeliões de escravos que ocorreu na região sudeste do Império. Entretanto, em sua tese de doutorado, os Junqueira ganham maior destaque, uma vez que a problemática do livro gira em torno deles.
Para isso, o autor analisou a região sul-mineira da Comarca do Rio das Mortes, mais especificamente a vila da Campanha da Princesa, marcada não só pela mineração, num primeiro momento, mas também por ser uma região de expressiva produção para o abastecimento do mercado interno em fins do período colonial, bem como durante a formação do Império Brasileiro e sua consolidação, ao longo do século XIX, apresentando notório desenvolvimento econômico e demográfico.
Esta realidade possibilitou, durante a expansão das vilas do sul de Minas, a formação e sucesso de uma elite escravista, constituída de poderosas famílias detentoras de fortunas, sendo estas, em grande parte, resultantes da combinação de uma série de atividades agropecuárias – como, por exemplo, a produção queijos, fumo, gado – com atividades de comercialização. Para tais empreendimentos, essas elites contavam com um grande número de escravos, o que também evidenciava a dependência do tráfico internacional (a lei Eusébio de Queirós, 1850, é o marco final do trabalho). 
Neste sentido, o historiador verificou – de forma micro-analítica – os mecanismos de produção e circulação de mercadorias, e, indo mais além, mostrou também a inserção política destas famílias da elite escravista na formação do Estado Imperial, que, em decorrência de suas fortunas amealhadas, tiveram considerável protagonismo no que diz respeito à defesa de interesse político e econômico. É dentro deste universo que se inserem os Junqueira, família abastada e ligada a tais atividades de produção e comércio interno e detentora de um grande número de cativos.
Especificamente com relação a esta família – isso após delinear o perfil da elite sul mineira – o autor buscou analisar sua produção diversificada de alimentos (juntamente com os destinos de abastecimentos, em grande parte núcleos urbanos e a própria corte, por meio do comércio) e seu o uso de trabalho escravo para tais atividades. A partir disso, destacou o conseqüente fortalecimento político desta família na construção do Estado Imperial, apontando suas estratégias para conservarem não só poderes políticos (como a ocupação de cargos administrativos e eclesiásticos), mas também econômicos, de maneira a manterem e aumentarem a riqueza e o prestígio familiar (por meio de casamentos consangüíneos e estratégias fora de alianças fora da parentela).
O trabalho tem como mérito não só evidenciar os núcleos regionais de poder político no Império – em contato com a estrutura central –, mas também romper com a visão tradicional, que considera secundária ou de menor importância a questão de abastecimento interno.

OBJETIVOS E HIPÓTESES:

O principal objetivo do autor, como já foi mencionado anteriormente, é identificar a elite escravista do sul de Minas Gerais e suas trajetórias na acumulação de fortuna, através de atividades agropastoris e comércio de gêneros voltados para o abastecimento interno. O destino da produção geralmente era a praça mercantil carioca (em especial com a chegada da Corte), mas também havia abastecimento de outras áreas urbanas, como, por exemplo, as vilas de São João Del-Rei. Para isso, era essencial o uso da mão de obra escrava, da qual as famílias desta elite dependiam para realização de suas atividades econômicas.
            O autor traz como hipótese principal que o fortalecimento econômico propiciado pela diversificação de atividades agropastoris, mescladas ao comércio de abastecimento interno, possibilitou considerável participação de famílias aristocráticas na dinâmica de construção do Estado imperial brasileiro, por meio de estratégias (que serão mais bem abordadas ao longo desta parte do trabalho) para se manterem influentes na política do século XIX. Para evidenciar isto, o mesmo reduz a escala de análise para uma única família, os Junqueira, o que fornece pistas ainda mais claras sobre as estratégias comuns entre os membros da elite, para consolidarem seus poderios econômicos e políticos. Mas, antes de ir para este que é o foco central, é necessário fazer um levantamento dos pontos principais dos cinco capítulos do livro.
No primeiro capítulo, intitulado “Campanha da Princesa: formação e expansão de uma vila no Império”, Marcos Ferreira apresenta a região[1] estudada, fazendo levantamentos a respeito da história da fundação da Vila da Campanha (1795[2]) que, segundo o autor, é “o berço do Sul de Minas”, não só pela importância político-econômica, mas por ter sido a mais antiga sede da comarca do Rio Sapucaí, a partir de 1833. Destaca também aspectos referentes à economia com a Corte e ao povoamento.
            O objetivo de Marcos Ferreira neste capítulo é demonstrar – por meio do mapeamento de inventários referentes ao grande número de escravos[3] e das principais atividades/empreendimentos, além de listas nominativas de habitantes – a relevância que a região adquiriu, sustentando a hipótese de que isso foi possível graças às várias atividades econômicas[4] nela desenvolvidas, que a possibilitaram como o mais importante núcleo urbano, econômico e populacional[5] do sul de Minas, na primeira metade do XIX.
Desta forma o autor constatou a importância do termo da Campanha, focando não só a diversidade das atividades econômicas, como também o crescimento populacional e urbano proporcionado pelas mesmas, na primeira metade do século XIX.
No segundo capítulo, “Elite escravista em Minas Gerais: a fortuna dos sul-mineiros”, o autor dá início à discussão central do livro. O objetivo neste capítulo é composto por duas partes: demonstrar o que se designou por elite escravista de Minas Gerais e apontar a composição das fortunas, além da origem das mesmas. Para isso, Marcos Ferreira trabalhou com os conceitos de fortuna e elite, expondo a composição das riquezas acumuladas e definindo quem poderia ser designado como pertencente à elite escravocrata.
O autor recorre à extensa análise de informações dos diversos inventários (post mortem) para os 64 maiores escravistas da área de estudo, considerando que donos de unidades com escravarias a partir de vinte escravos eram pertencentes à elite, pois – como demonstrado em parte do capítulo I e exposto na nota de rodapé nº3 –, foi o que correspondeu às informações das fontes por ele analisadas.
No que diz respeito à composição das fortunas, é importante primeiramente destacar que Marcos Ferreira expõe o termo fortuna já na introdução como um conjunto de bens acumulados por algumas gerações[6]. O autor – continuando a se utilizar de inventários – constatou que os três ativos[7] de maior importância dos proprietários sul-mineiros eram os escravos, os imóveis e as dívidas ativas (em ordem de importância). Num primeiro momento, o valor dos imóveis superou o de escravos, mas logo estes passaram a valer mais[8]. Assim, o autor comprova sua hipótese de que um indivíduo pertencente à elite era aquele que detinha não apenas bens diversos acumulados, mas que também detinha escravos em determinado número (pelo menos 20), já que estes passaram a ser os bens mais valorizados naquele momento[9]. Quanto maior era o número de escravos, maior a era fortuna e o prestígio econômico. É importante ressaltar que, embora o autor utilize o parâmetro econômico como o principal para definir os integrantes da elite, não desconsidera elementos com o prestígio da família e ocupação de cargos públicos.
O autor sustenta que a origem das fortunas esteve ligada à combinação de diversas atividades[10], promovidas por grandes fazendeiros que faziam comércio (o fazendeiro/negociante) com diversos núcleos urbanos e por inúmeras vezes com a própria Corte no sentido de abastecê-la. Foi a partir da concentração de atividades voltadas para o abastecimento interno que os proprietários do sul de Minas fizeram fortuna.
No terceiro capítulo, “Cultura material e modos de vida da elite sul-mineira”, o objetivo é demonstrar como que, com a chegada da Corte, houve certa mudança de comportamento e costumes relativos à cultura material – modo de se vestir, decoração interior das casas, entre outros aspectos – das famílias da elite sul mineira, que passou a ser influenciada pela cultura vigente na Corte, relativizando assim o aspecto de rusticidade interiorano. O autor sustenta a hipótese de que as trocas comerciais do sul de Minas com a Corte– e por isso destaca neste capítulo a importância do tropeirismo – foram importantes para o processo de influência cultural.
Neste capítulo, o autor trabalha com o conceito de cultura material[11] para tentar reconstruir parte do cotidiano das elites, dialogando com nomes como Peter Burke, Gilberto Freyre e Fernand Braudel. Mas reconhece os problemas com o termo, levando em conta as afirmações de Richard Bucaille e Jean Marie Pesez, que consideram um termo demasiadamente impreciso para ser considerado como conceito, pois possui um significado global, [12].
Marcos Ferreira continua a se utilizar de inventários, mas apresenta outros tipos de fontes, como os relatos de viajantes e documentos particulares das famílias. O autor também atenta para a conjuntura nacional e internacional[13] da primeira metade do século XIX, afirmando que a mesma interferia nos costumes da elite interiorana, havendo mudanças de costumes culturais.
Para demonstrar esta mudança, primeiramente o autor faz um levantamento do cotidiano[14] da elite sul-mineira, de maneira evidenciar, através da cultura material, sua diferenciação social. Uma importante fonte utilizada foi o relato do viajante Saint-Hilaire, que, a respeito dos hábitos e costumes sul-mineiros, os expôs como sendo totalmente rústicos. Após isso, Marcos Ferreira relativiza esta questão da rusticidade, por meio do contraste de informações que os inventários fornecem. O autor verificou uma considerável mudança na cultura material, que passou a ser influenciada[15] pela cultura da Corte, que, por sua vez, trouxe para o Brasil um maior nível de influência européia. Desta forma, refuta a idéia de uma total rusticidade das elites, como expôs por Hilaire.
No quarto e principal capítulo, “Fortuna, Família e Poder na região dos Campos: o caso Junqueira”, o autor aprofundou o tema central do livro. O objetivo deste capítulo é demonstrar as estratégias familiares, econômicas e políticas que contribuíram para a consolidação de um nome do Império: os Junqueira. Esta família – objeto central deste estudo – oferece pistas a respeito de estratégias existentes entre as elites para consolidação de seus poderios econômicos e políticos. É neste capítulo que fica clara a hipótese central do livro, ou seja, a de que houve um importante papel político ocupado pelas elites regionais na construção do Império. O autor trabalha especialmente com os Junqueira, que tiveram acesso a cargos políticos graças à sua consolidação social e econômica, destacando a figura de Gabriel Francisco Junqueira. 
Marcos Ferreira trabalhou de maneira a associar um conceito já exposto no capítulo dois do livro (fortuna), com outros dois que definiu na introdução: família e poder. Quanto ao primeiro, o autor considera como um elemento fundamental na montagem de empreendimentos econômicos e define, dialogando com Sheila de Castro Faria, que é pela família, não necessariamente consangüínea, que convergem todos os elementos da vida pública e privada. Referente a poder, o autor compreende não só como o domínio privado do senhor (com a família, agregados e escravos), como também à ocupação de cargos públicos.
Assim, o autor expõe que o caminho para o enriquecimento da família esteve quase sempre na combinação das atividades agropastoris e comerciais de abastecimento à praça carioca, do fortalecimento dos laços familiares (por meio de casamentos endogâmicos e escolhas estratégicas fora da parentela[16]) e da ocupação de cargos administrativos, civis e eclesiásticos[17]. Isto resultou na concentração de imensa fortuna nas mãos dos Junqueira, como se pode comprovar nas suas inúmeras propriedades e bens diversos, além de grande influência política. Para demonstrar isso, Marcos Ferreira reduziu ainda mais a escala de análise, focando em Gabriel Francisco Junqueira como principal exemplo desta combinação e personagem de compreensão do papel das elites regionais na história do Império do Brasil. O mesmo foi deputado da ala moderada liberal no parlamento nacional e um dos principais líderes políticos que representaram a província de Minas Gerais no panorama do Estado Imperial.
Embora a carreira política de Gabriel Junqueira já tivesse se iniciado no fim do Primeiro Reinado[18], o autor, utilizando como fontes os anais do parlamento brasileiro, destaca dois momentos-chave sua atuação: na Regência e em 1842[19]. Desta forma, Marcos Ferreira, dialogando com nomes como Miriam Dolhnikoff[20] e José Murilo de Carvalho[21], afirma que a atuação de Gabriel Junqueira consistiu uma forte evidência para se entender o papel de participação e interação política das elites regionais na construção do Estado brasileiro. 
               No quinto e último capítulo, “Senhores e escravos na região dos Campos”, Marcos Ferreira demonstra como era a composição[22] das escravarias e faz considerações a respeito do controle da população escrava (que podiam ser bem sucedidas ou não). O autor faz um adendo com uma releitura da Revolta das Carrancas, dando ênfase à punição exemplar dos escravos que se rebelaram e às ações[23] tomadas pelas famílias da elite para diminuir a repercussão que a rebelião significou.

METODOLOGIAS E FONTES:

Marcos Ferreira de Andrade utiliza diferentes tipos de fontes como: documentos paroquiais, listas nominativas, registro de sesmarias, atas do parlamento nacional, inventários do termo da Campanha da Princesa, correspondências pessoais, genealogias das famílias sul mineiras.
O autor destaca que as fontes de caráter massivo são os assentos paroquiais, listas nominativas e os inventários do termo da Campanha. Tais fontes são trabalhadas com o intuito de chegar à obtenção de dados gerais e específicos acerca da estrutura social, econômica e demográfica da região analisada, além de se obter dados sobre a concentração da posse de escravos sob as mãos dos proprietários, da produção econômica, da composição das riquezas das famílias, percentuais de população escrava, percentuais de africanos e o estado conjugal dos cativos, entre vários outros dados.
As genealogias das famílias foram utilizadas, segundo Marcos de Andrade, como fonte auxiliar para o levantamento e na confrontação das informações sobre as famílias. Ele faz as análises das fontes e as discussões metodológicas são incorporadas ao longo do texto na medida em que os documentos são utilizados.
O autor trabalha em seu livro com dois tipos de abordagens metodológicas: utiliza o método quantitativo – próprio de nomes como Fernand Braudel[24] – nos três primeiros capítulos e, nos dois últimos, trabalha com os campos comuns às abordagens da micro-história, dialogando com nomes como Giovanni Levi.
No que diz respeito aos métodos quantitativos, Marcos Ferreira analisa os dados de modo agregado e buscando elucidar a complexidade socioeconômica e populacional da área estudada, lançando mão de tabelas com porcentagens de escravos, valores de fortunas, proprietários por unidade produtiva, fortuna acumulada (como faz com os principais proprietários) e composição das mesmas, entre outros. Mas é importante relativizar esta divisão teórica, pois nos três primeiros capítulos, o autor, ainda que tenha feito uma análise predominantemente econômica, já dá mostras do uso da micro-história, quando, por exemplo, aborda detalhes da vida social e política dos proprietários.
Nos dois últimos capítulos, que são referentes à trajetória da família Junqueira e às relações entre senhores de engenhos e escravos, há essencialmente o uso da micro-história, devido à necessidade de se reduzir a escala de observação para explicitar questões referentes à origem da família, sua chegada ao Brasil, à consolidação econômica e os bens da família, e a atuação política regional, que, numa visão mais ampla, ficariam obscurecidas. O autor, através inúmeros rastros, traça um fio condutor[25] de um universo mais geral da elite sul-mineira até chegar ao nível micro-analítico de estudo da família Junqueira e membros. 
Assim, como um trabalho que dialoga com a micro-historia, é possível perceber a preocupação de Marcos Ferreira não somente em reduzir a escala de análise, mas em construir uma abordagem sistematizada, de maneira a estabelecer – como diz Jacques Revel[26] – um trabalho de integração da escala macro com uma escala micro.
Desta forma, num primeiro momento foi feito todo um trabalho de detalhes mais gerais a respeito de indícios ligados ao universo da elite sul mineira, mapeando não apenas a região estudada, mas também o que o autor designou como elite, as composições das fortunas, principais atividades econômicas e levantamentos da cultura material. Em seguida, o autor foi reduzindo progressivamente a escala de análise, partindo para o nível micro-analítico da família Junqueira, identificando sua origem e trajetória, formas de acumulação de fortuna, estratégias políticas e econômicas para consolidação de seu nome e sua a influência a nível regional na consolidação do Estado Imperial Brasileiro, fato constatado no estudo da atuação política de Gabriel Francisco Junqueira.
Para melhor exemplificar o trabalho do autor com as fontes, utilizaremos um inventário que é abordado no livro, referente à fortuna de Joaquim Severino de Paiva e Silva (página 85, tabela 11), para que seja identificada a forma que o autor trabalha identificando as formas de enriquecimento e de composição das fortunas e atividades econômicas. Marcos Ferreira se utiliza não só de método quantitativo para expor a porcentagem de cada bem que compunha a fortuna, como também de microanálise para identificar detalhes da vida do proprietário (como idade e estado civil). O autor demonstra que o mesmo foi qualificado como negociante e não como fazendeiro ou pecuarista. Mas, em seguida, demonstra que a riqueza acumulada foi possibilitada pelo consórcio de atividades – o que comprova a hipótese do autor a respeito da origem das fortunas –, de maneira que complementou o mundo agrário com o mundo mercantil. 
            O autor se pergunta, ao abordar a fonte no que diz respeito à extensão dos empreendimentos agrícolas e comerciais, se Joaquim Severino era um comerciante que se tornou fazendeiro, dono de propriedades e escravos, posteriormente. Entretanto, o que se pode afirmar é que grande parte de sua fortuna estava nas atividades agrárias (imóveis rurais, escravos, animais e plantações). Marcos ferreira detalha em tabela a porcentagem de cada um dos bens, sendo que somente escravos e imóveis somavam quase 70% de toda sua fortuna. Mas há indícios de que as atividades comerciais eram exercidas continuamente, pelo valor que é indicado nas dívidas ativas, totalizando 20%.
Assim, o autor conclui que a estratégia de ampliação do proprietário consistiu na diversificação de atividades (também verificada na fonte, que consta um rebanho composto de 78 cabeças de gado, 57 equinos e 121 porcos, além de plantações de tabaco e de mantimentos como o milho), mas especialmente na integração entre o setor agropastoril e as atividades de comercialização, corroborando para abordagem do autor a respeito do tipo social nomeado como fazendeiro-negociante.

QUADRO TEÓRICO:

            O autor Marcos Ferreira de Andrade trabalhou com uma série de conceitos – que não devem ser compreendidos não de forma dissociada – que serviram para a melhor estruturação de seu trabalho.  

Fortuna: Marcos Ferreira afirma que o termo tem sentido de bens e riqueza acumulada por algumas gerações, associando a origem e aumento das fortunas à prática de consórcio de atividades diversificadas, a partir do que ele concebe como “fazendeiro-negociante”, que além de se dedicar às várias atividades agropastoris, combinava as mesmas com atividades de comercialização para abastecimento interno. No que diz respeito à composição dessas fortunas, o autor destaca que os principais ativos eram os escravos, os imóveis e as dívidas ativas (em ordem de importância).

Família: O autor define a família como elemento fundamental para a criação e funcionamento de empreendimentos econômicos. Dialogando com Sheila de Castro Faria, afirma que é na família, não necessariamente consangüínea, que todos os elementos da vida privada e pública se originam ou convergem. Desta forma, é importante ressaltar que as relações familiares podem ser classificadas como estratégias[27] econômicas – como trabalhado no quarto capítulo – para conservarem ou aumentarem as riquezas. Muitos dos casamentos eram endogâmicos para evitar fracionamento de bens e, quando feitos fora da parentela, buscavam promover a ampliação dos bens. A respeito do patriarcalismo, o autor fala que é uma herança ibérica e trabalha com a idéia de que o mesmo estava assentado num núcleo central (chefe de família, esposa e descendentes legítimos) e um periférico (filhos ilegítimos, afilhados, agregados e escravos). Entretanto, o autor busca relativizar o modelo de família patriarcal idealizado e estático, abordado por nomes como Antônio Cândido. Para isso, dialoga com Mariza Corrêa, Silvia Brugger, Ronaldo Vainfas e Gilberto Freyre, dando foco para uma maior diversidade da família brasileira, como as parapatriarcais, semipatriarcais e antipatriarcais.

Poder: O autor reconhece que faz uma abordagem do conceito em sentido amplo. Define poder como referente ao domínio tanto privado do senhor, com relação à sua família, agregados e escravos, como referente à ocupação de cargos administrativos, eclesiásticos e públicos. As famílias da elite escravocrata, em virtude de suas fortunas acumuladas, possuíam destaque social e acesso à política, podendo assim defender seus interesses, como ocorreu com Gabriel Francisco Junqueira que, ocupando o cargo de deputado, teve importante atuação nas relações políticas imperiais, defendendo não só os interesses econômicos de sua família, como também contestando a ordem conservadora na Revolta Liberal de 1842, com a articulação da Coluna Junqueira. O autor dialoga com nomes como José Murilo de Carvalho, Ilmar Rohloff de Mattos e Miriam Dolhnikoff para demonstrar a ação e relação de poder das elites com o Estado Imperial em processo de consolidação.

Elite: Marcos Ferreira afirma que a definição mais adequada é a de “boa sociedade”, proposto por Ilmar Rohloff de Mattos, utilizado para designar a elite econômica, política e cultural do Império. Entretanto, o autor reconhece que se trata de um termo amplo. Por isso, dialogando com Douglas Cole Libby, designa como critério para definir como pertencente à elite o proprietário que não apenas tivesse bens acumulados, mas que detivesse pelo menos unidades escravistas com o mínimo de vinte escravos, que estava diretamente vinculado com a pesquisa das fontes. Nos inventários da campanha a maioria das unidades escravista oscilava em torno desse número (os 64 maiores proprietários). Com as imposições anti-tráfico, os escravos passaram a valer cada vez mais. Logo, quanto mais escravos um proprietário tivesse, maior era sua fortuna.

Cultura Material: O autor se embasa em nomes como Peter Burke, Gilberto Freyre e Fernand Braudel para expor o que está definindo como cultura material. Com base nestes autores, o autor tem em mente os pormenores da vida cotidiana, como informações de costume, dos hábitos alimentares, vestuário, exterior e interior das casas, entre outros. Entretanto, Marcos Ferreira não deixa de ressaltar dificuldade de trabalhar com o termo, conforme afirmações de outros autores como Richard Bucaille e Jean-Marie Pesez, pois o mesmo é impreciso em demasia para ser considerado um conceito, possuindo um significado global. Estes autores definem apenas cultura material como uma noção, que pode não estar identificada com a vida cotidiana.   

CONCLUSÃO:

            Marcos Ferreira de Andrade conclui que a economia do sul de minas se caracterizou por um número considerável de atividades, destacando-se as agropastoris consorciadas com as de comercialização para abastecimento a nível regional e interprovincial, que se utilizava essencialmente de mão-de-obra escrava. Um homem da elite poderia ser um proprietário escravista, bem como dono de um engenho, pecuarista, produtor de alimentos, dono de lavras, comercializar sua produção em vários locais, especialmente no Rio de Janeiro, com a chegada da corte. Era nesta prática – ou seja, o consórcio de diversas atividades econômicas – que estava a origem de suas fortunas, uma vez que quase sempre um grande fazendeiro era também um negociante.
            O contato com a praça mercantil carioca contribuiu de forma considerável para produzir mudanças de hábitos nesta elite escravista, graças a tradição do tropeirismo, que possibilitou o contato da elite sul-mineira com os produtos utilizados pela elite cortesã carioca. Houve, desta forma, uma difusão de influências culturais e políticas, por meio da articulação e interação de Minas Gerais com Rio de Janeiro.       
            O prestígio econômico possibilitou o acesso à vida política das elites regionais na formação do Estado imperial Brasileiro. O autor comprova isto, dando conta de seu objetivo, não só demonstrando a trajetória e consolidação de uma família, os Junqueira, que, consorciando atividades econômicas, estabelecendo uma importante rede de relação familiar (com alianças endogâmicas e com famílias outras famílias de prestígio e posses) e ocupando cargos públicos, pôde participar de forma considerável da dinâmica política imperial. Isto foi possível com a atuação de Gabriel Francisco Junqueira, sendo ele um importante exemplo de como essa correlação funcionou. O mesmo alcançou cargo de deputado da ala liberal moderada, tornando-se uma das principais lideranças a representar os interesses políticos e econômicos da região do sul de Minas Gerais.   
             Este estudo permitiu pensar o lugar ocupado pelas elites regionais na formação do Estado Imperial e suas atuações, especialmente durante a Regência e início do Segundo Reinado. Elas impunham suas demandas e poderiam se tornar ou não aliadas políticas do Estado que estava em processo de consolidação nacional. Gabriel Francisco Junqueira foi a expressão de uma liderança regional possibilitada pela combinação de uma expressiva fortuna, de uma família de nome forte e de atuação política no parlamento brasileiro. Sua trajetória ofereceu pistas a respeito do papel desempenhado por muitos líderes políticos regionais, que impuseram suas demandas frente ao poder Imperial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ANDRADE, Marcos Ferreira. Elites Regionais e a Formação do Estado Imperial Brasileiro. Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008.

BURKE, Peter.  A Escola dos Annales 1929 – 1989. A Revolução Francesa da Historiografia. 2. ed. São Paulo: UNESP, 1991

ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte – Investigação Sobre a Sociologia da Realeza e da Aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996

GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros. Verdadeiro, Falso, Fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007

HEVEL, Jacques. Jogos de Escalas – A Experiência da Microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.

MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa: A Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal, 1750-1808. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.




[1] “A noção de região estabelecida pelo autor dialoga com a concepção de Ciro Flamarion Cardoso, sendo fixada de acordo com certas variáveis e hipóteses, sem pretender que a opção adotada seja a única maneira ‘correto’ de recortar o espaço e de definir blocos regionais, uma vez que toda delimitação geográfica acaba simplificando uma realidade mais complexa e mutável, já que a relação do homem com o espaço produz contínua transformação.”  ANDRADE, Marcos Ferreira. Elites Regionais e a Formação do Estado Imperial Brasileiro. Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008, p. 27. 
[2] O autor faz um levantamento detalhado de informações a respeito de como a Vila da Campanha foi formada. Ibidem. p.p 28-32. 
[3] A enorme quantidade de escravos listada pelo autor serve para revelar a importância econômica da região, que dependia muito do trabalho escravos para as atividades de comércio interno. Os índices das unidades escravistas se aproximavam das áreas voltadas para agro-exportação. Os mais importantes senhores eram aqueles que detinham mais escravos. O autor baseia-se em Douglas Cole Libby para definir a elite local do sistema escravista (define que como pertencente à elite o indivíduo que detivesse pelo menos 20 escravos), já que o escravo estava se tornando cada vez mais caro, em decorrências das imposições anti-tráfico feitas pela Inglaterra ao longo do século XIX. Assim, conforme informações das fontes vinculadas à pesquisa (como os inventários da Campanha, por exemplo) a maioria das unidades escravistas oscilava em torno desse número (os 64 maiores proprietários). Ibidem. p.p 36-37. 
[4] Entre as atividades, o autor destaca como as mais importantes a produção de alimentos (milho, feijão, mandioca), pecuária (com a criação de gado e porcos). Fala também da existência de engenhos de açúcar (que também produziam aguardente para o comércio), tabaco. O comércio interprovincial era uma atividade, de certo modo, ligada a todas às outras, representada por casas de negócio, vendas ou tabernas. Uma boa parte dos fazendeiros fazia comércio de seus produtos em beiras de estradas. Mas muitos também mantinham estabelecimentos comerciais mais sortidos que ficavam em áreas urbanas, além de vendas em beiras de estradas (esta última atendendo tropeiros). Podiam ser de “secos” (linho, seda, roupas) ou “molhados” (alimentos). Quanto à mineração, o autor diz que ainda era relevante, entretanto recusa que tenha sido uma atividade isolada, uma vez que é marcante nas fazendas o consórcio de atividades. Ibidem. p.p 41-55
[5] No que diz respeito aos aspectos demográficos e econômicos, pouco a pouco, a Campanha se tornou um pólo de atração de pessoas, o que se verifica por um aumento no nº de batizados na região, conforme os registros paroquiais da Campanha e listas nominativas de habitantes, que apontam para o crescimento populacional, já na segunda metade do século XVIII e, em especial, na primeira metade do século XIX, em decorrência do aumento – e combinação – de determinadas atividades econômicas, já mencionadas na quarta nota, voltadas para o abastecimento interno e que promoviam ligações mercantis com núcleos urbanos variados e, especialmente, com a Corte. Embasando-se em Kenneth Maxwell, em sua obra, A Devassa da Devassa, o autor menciona que um fazendeiro poderia combinar uma série de atividades econômicas. Maxwell já destaca este aspecto como algo comum na região de Minas já no século XVIII. Ibidem. p.p 33-40.
[6] Ibidem. p. 21
[7] Não que não existissem outros componentes desta fortuna (como jóias, metais preciosos, ações, comércio, entre outros), mas os mais importantes são os três em destaque.  Ibidem. p. 73.
[8] Marcos Ferreira discorre a respeito de como os escravos passaram a ter um peso maior na composição das fortunas, considerando três subperíodos, a partir do início das imposições anti-tráfico feitas pela Inglaterra, e como esta conjuntura propiciou a valorização do escravo subir, pois se tornava cada vez mais difícil conseguir comprar escravos. Ibidem. p. 69-71. 
[9] Ibidem. p. 69.
[10] O plantio de cana, a produção de açúcar, rapadura, aguardente, tabaco, alimentos e a criação de animais (para tração e alimentação) e até mesmo o café estavam entre as principais atividades que garantiam o enriquecimento dos proprietários, já que havia também a comercialização de parte da produção em mercados locais ou casas de negócio. O autor fala que, quase sempre, um grande fazendeiro era também um negociante, sendo possível falar de uma articulação do setor produtivo com o comércio. Só na Vila da Campanha existiam 55 casas de negócio (lojas de fazendas secas, gêneros importados e aguardente), além de uma série de estabelecimentos à beira das estradas que interligavam as fazendas, arraiais, vilas e também nos caminhos para o Rio e Janeiro e São Paulo. Muitos engenhos mineiros comercializavam com essas casas de negócio e estabelecimentos diversos, que, por sua vez, estabeleciam comércio com a praça carioca, graças à ação de tropeiros, comboeiros ou mascates, que traziam para o sul de Minas os produtos importados que circulavam na Corte. O autor destaca que uma parte considerável dos negociantes grossistas analisados da região era formada por fazendeiros (12 de 31), pois eram proprietários de imóveis rurais, o que confirma a figura do “fazendeiro negociante”, bem representada na análise do inventário de Francisco de Paula Bueno da Costa. Havia, assim, uma relação de complementaridade das atividades diversas nas unidades produtivas, sendo a produção das fazendas diversificada e tendo parte de sua produção voltada ao comércio local, regional e interprovincial, o que permitia grande acumulação de fortunas, como no caso do inventário de Luís Gonzaga Branquinho, que fez fortuna não só com o cultivo de açúcar, mas também comercializando derivados do açúcar. Ibidem. p.p 75-87.
[11] Marcos Ferreira de Andrade se baseia em cultura material dentro das concepções compreendidas por Peter Burke, ao analisar o pioneirismo de Gilberto Freire e sua obras como Casa-Grande e Senzala  e Sobrados e Mocambos e Ingleses no Brasil,  considerando também as proposições de Fernand Braudel, com sua obra clássica Civilização Material e Capitalismo: séculos XV e XVIIIIbidem. p. 115. 
[12]  Estes autores definem cultura material como uma noção, que pode não estar identificada com a vida cotidiana. Ibidem. p. 115.
[13] Ibidem. p. 116.
[14] Demonstra a existência de benfeitorias nas propriedades, que produziam queijos, moíam alimentos como a cana e o milho. Toda esta estrutura estava relacionada não somente com o que se comercializava, mas também com o que se consumia. Assim, o autor destaca alimentos como o milho (essencial para alimentar os animais e também era parte da dieta de escravos e muitos senhores, além de servir para a produção de farinha), o feijão, o arroz, a mandioca, o que evidencia também as principais culturas agrícolas praticadas pelos mesmos. Havia preferência pela carne de porco, enquanto bois eram utilizados tocar engenhos e transportar mercadorias. O toucinho representava, junto com o queijo, um dos ramos de maior importância do comércio com a Corte. Depois, o autor discorre sobre as habitações, falando das casas de vivenda e casas de morada, que constituíam as sedes das propriedades. Para isso, se embasa em Sheila de Castro Faria para falar da pluralidade de habitações em torno dessas casas sedes, marcadas pela existência de unidades agrárias produtoras de alimentos, gado e cana-de-açúcar. É justamente o que o autor encontra ao analisar os inventários, que não detalham profundamente a descrição das fazendas, mas mencionam as benfeitorias, como casas de tropas e de queijos, engenhos, moinhos, entre outras. Algumas sedes de fazenda, como a dos Junqueira, mantinham a estrutura arquitetônica oitocentista, tendo um pavimento, grandes portas e várias janelas, além de terem diversas benfeitorias. O autor destaca os indícios de opulência, como, por exemplo, os portais trabalhados em pedra-sabão ou os telhados em estilo europeu. Na análise do espaço íntimo, o autor destacou a importância dos retratos de família, geralmente feitos em pintura a óleo (que são elementos de representação social, com uma imagem no retrato que não foge aos padrões da elite do sudeste), que destacavam a figura masculina (o que reflete os valores de uma sociedade patriarcal), a indumentária (que passava uma idéia de seriedade). O autor continuou a se utilizar dos relatos e Saint-Hilaire, que afirma que os interiores eram marcados pela rusticidade e simplicidade. Entretanto, Marcos Ferreira relativiza esta questão, dizendo que a chegada da corte produziu consideráveis mudanças culturais e, conseqüentemente, novos hábitos e costumes puderam ser percebidos na forma de mobiliar as residências, de vestimentas e alimentação. As famílias começaram a ter contato com os produtos industrializados, europeus que circulavam amplamente na corte, em especial nas regiões mais próximas do Rio de Janeiro. Estes são indicativos de mudança, que podem ser percebidos se verificados nos inventários, que quebram o caráter totalmente rústico fornecido por Saint-Hilaire. Ibidem. p.p 117-128. 
[15] Nos inventários, verificam-se o aumento de artigos quase sempre franceses ou ingleses – que evidenciam a mudança de costumes –, como os relógios de algibeira, bocetas de prata, estante para livros (algumas habitações tinham bibliotecas), pianos, relógios de paredes, objetos de decoração como castiçais, utensílios domésticos (como talheres de prata e aparelhos de chá/louça, bules, cafeteiras, mantegueiras, açucareiras). O uso de talheres (encontrados em grande proporção nos inventários) indica a introdução de “boas maneiras” de se comportar à mesa, certamente pela observação dos costumes em vigência na Corte. Marcos, tendo como base as informações de Norbert Elias, diz que o ideal de civilização foi interpretado como estratégia para se distanciar do mundo da escravidão. Segundo Elias, o termo começou a ser usado na França no século XVIII para diferenciar a nobreza da burguesia em ascensão e dos camponeses. O autor destaca, por exemplo, o progressivo aumento do uso de manuais de boas maneiras e higiene, bons modos à mesa e formas adequadas de se vestir. O vestuário também foi marcado pelo exagero do sentimento aristocrático, como o autor descreve no caso da fazenda Pessegueiros. Um hábito que também marcou a influência da Corte foi referente ao divertimento das elites. As caçadas foi o passatempo preferido de alguns proprietários, em especial, os Junqueira. Francisco Antônio Junqueira tinha o hábito de participar de caçadas na Corte, juntamente com D. Pedro I, o que revela a ligação das elites com o governo imperial. Ibidem. p.p. 131-151.
[16] Ibidem. p. 211.
[17] Francisco Antônio Junqueira foi ordenado sacerdote na arquidiocese de Mariana. Era proprietário da fazenda do Jardim e requereu sesmarias na paragem de Rio das Antas e Três Barras. O sacerdote podia exercer suas funções eclesiásticas e cuidar de suas fazendas. Era comum a existência de padres fazendeiros e donos de escravos. Muitos alcançaram projeção na política regencial. José Custódio Dias era pertencente à facção liberal e foi eleito deputado para as Cortes e para a Constituinte. Em 1835 foi eleito senador. Outro exemplo disso é José Bento Ferreira, que pertencia ao Colégio Eleitoral e também foi eleito deputado para a Assembléia Geral do Império em 1826. Embora Francisco Antônio Junqueira não tenha ocupado nenhum cargo político, ser padre naquele momento conquistava grande respeito da população regional e, assim, capital político para que a família ampliasse a influência de seu nome. Ibidem. p. 216.
[18] Gabriel Junqueira se tornou um dos principais representantes da facção liberal moderada já em 1830, estando ligado a acontecimentos que antecederam à abdicação de D. Pedro, quando este empreendeu viagem política a Minas Gerais para tentar recuperar prestígio político e patrocinar a reeleição de seu candidato, Silva Maia. Entretanto, o assassinato de Líbero Badaró resultou em uma recepção fria a D. Pedro e a resposta dos mineiros veio com a eleição de Gabriel Francisco Junqueira. Inicia-se a trajetória política de Gabriel Junqueira.  Ibidem. p.p. 222-228. 
[19] No primeiro momento, entre 1831 e 1836, atuando basicamente nos bastidores parlamentares, com apresentação de emendas a projetos de lei. Uma delas representa justamente um exemplo de ação política em defesa de privilégios de sua família e de parte da elite mineira, que buscava reduzir em 50% a tributação sobre porcos e carneiros. O segundo momento é referente à reação política frente às medidas regressistas tomadas por D. Pedro II, na Revolta Liberal de 1842, comandando a coluna Junqueira. Ibidem. p. 229. 
[20] Esta autora defende que as elites regionais tiveram papel decisivo na construção do Estado, ao imporem suas demandas, mas, que ao mesmo tempo, assumia o compromisso com a preservação do Estado. Na página 226, Marcos Ferreira menciona considerações feitas por esta autora a respeito do destaque que a mesma dá para a relação os governos provinciais com o Estado. A autora destaca que a autonomia concedida pelo ato adicional não foi substancialmente alterada com a lei interpretativa do Ato Adiconal. Mesmo após a subida dos Saquaremas ao poder, as províncias ainda mantiveram autonomia tributária para atender às demandas regionais. Ibidem. p. 232. 
[21] José Murilo de Carvalho também aborda a questão da relação entre elite e Estado ao final da década de 1830. Para ele, o período regencial constituiu a melhor indicação dos limites de um sistema nacional de dominação monárquica. Na página 232, Carvalho entra em convergência com as proposições de Dolhnikoff. O autor atenta para o poder ilusório da centralização política do Estado, manifestada por uma ritualística monárquica marcada pelo carisma do Imperador. Carvalho diz que a burocracia do Estado era macroencefálica, com cabeça grande e braços muito curtos. Assim, não alcançava as municipalidades. Como estratégia para cooptar as elites, D. Pedro II distribuiu vários títulos de Barão aos proprietários que se distinguiam por suas riquezas. Foi assim que Gabriel Junqueira se tornou barão posteriormente. Isso evidencia o quanto as elites eram influentes no panorama político imperial. Ibidem. p. 225. 
[22] Para identificar as estratégias de composição, o autor continuou a se utilizar de inventários. O mesmo verifica a criação de oportunidades para a reprodução natural (crioulização) das escravarias (como no caso de João Francisco Junqueira) e recusa que a composição estivesse circunscrita à dependência do tráfico internacional. Mas também expõe a existência de proprietários (Como Gabriel de Souza Diniz e André Martins de Andrade) que tinham suas escravarias compostas majoritariamente por africanos, havendo, nestes casos, uma maior dependência do tráfico em suas escravarias. O autor identifica a relação entre senhor e escravo como marcada pela tensão e temor, até mesmo pela existência de um pesadelo senhorial representado pelo haitianismo (p. 303). A transformação de desavença em solidariedade no meio escravo foi algo presente (ainda que seus recursos tenham sido pouco estudados ou analisados, como atestam Manolo Florentino e José Roberto Góes). Neste sentido, as estratégias de controle consistiam em investimento de dissensões e disputas entre os cativos, buscando impedir que se associassem, dividindo escravos por ocupações e castigando os insubordinados. A Revolta das Carrancas representou justamente a possibilidade de articulação dos escravos. O autor dialoga com Hebe Matos (p. 303) a respeito da re-significação do conceito de “parceiro”, o que contribuiu para o surgimento de rebeliões. Ibidem. p.p. 286-303.
[23] Foi enviado projeto à Câmara dos Deputados referente aos crimes e julgamento dos escravos. A lei nefanda de 10 de junho de 1835 estabeleceu pena de morte para escravos envolvidos. Os cativos foram exemplarmente punidos e quanto à repercussão gerada pela revolta, as autoridades políticas, parlamentares, proprietários e suas famílias atemorizadas se utilizaram de estratégias de desinformação e censura, como se pode perceber, por exemplo, no discurso de Bernardo Pereira de Vasconcelos que, em resposta a Montezuma sobre as perseguições que muitos proprietários, não se referiu nem à Revolta das Carrancas. Embora tivesse mencionado as mortes ocorridas na família Junqueira, omitiu o fato de se tratar da família de um colega do parlamento. Ibidem. p.p. 310-314. 
[24] BURKE, Peter.  A Escola dos Annales 1929 – 1989. A Revolução Francesa da Historiografia. 2. ed. São Paulo: UNESP, 1991, p.p. 46-54.
[25] Ginzburg, utilizando como metáfora o mito grego de Teseu, que traçou um fio para se guiar pelo labirinto e matar o minotauro, afirma que a lenda não fala dos rastros que Teseu deixou pelo labirinto. Ginzburg diz que, para a compreensão da realidade, é necessário haver uma relação entre o fio condutor e os rastros. Esta é a sua proposição com relação ao que diz respeito à microhistória e o que ele trabalha nesta obra a respeito do “paradigma indiciário”. Para ele, a compreensão microhistórica da realidade não significa a produção de uma história menor, mas sim localizar e ligar diversos rastros de maneira que os mesmos dialoguem e se integrem com fatos de um universo mais geral. GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros. Verdadeiro, Falso, Fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.p. 7-8.
[26] HEVEL, Jacques. Jogos de Escalas – A Experiência da Microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996, p.p. 16-38.
[27] Elias, discorrendo a respeito das relações familiares da nobreza européia, aborta justamente a respeito de como o casamento no meio aristocrático consistia numa estratégia para manter a estabilidade político-econômica de uma determinada Casa, buscando o máximo aumento de prestígio social. O mesmo destaca que o matrimônio aristocrático, ao contrário do matrimônio burguês, não tinha como propósito a formação de uma “vida familiar”. É possível notar uma considerável semelhança nas relações familiares das elites escravistas sul-mineiras (ainda que elas estivessem ligadas a um universo econômico burguês, com a prática de comercialização e diversificação de atividades econômicas), que também utilizam as relações familiares, em especial o matrimônio, como estratégia para manterem e aumentarem suas fortunas.  ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte – Investigação Sobre a Sociologia da Realeza e da Aristocracia de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 72. 

sábado, 25 de maio de 2013

Por Rafael Oliveira e Marcelle Sestare
Capa do Livro 

O livro “Duque de Caxias: o homem por trás do monumento” foi publicado a partir da tese de doutoramento de Adriana Barreto de Souza. A autora, concluiu seu doutorado em 2004 na UFRJ sob orientação do Prof. Dr. Manoel Salgado Guimarães e do Prof. Dr. Celso Castro (antropólogo especialista em militares). Adriana, desde sua graduação vem tratando, sob orientação do Prof. Manoel Salgado, sobre os militares brasileiros. Em 1997, com o mesmo orientador, apresentou a tese de mestrado intitulada “O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política militar conservadora” na UFRJ, ganhando o Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa do Ano. Acredito que seu interesse em estudar a participação dos militares na formação da sociedade brasileira possa ter surgido por influência de seu orientador, o já citado, Prof. Manoel Salgado Guimarães.  

Em sua tese, a autora parte na contramão dos antigos biógrafos do Duque de Caxias. A primeira biografia sobre Luis Alves de Lima foi escrita pelo padre Joaquim Pinto de Campos em 1878. A reedição da mesma em 1936 deu-lhe um caráter oficial, tanto que na década de 1980 – mais de 100 anos depois da primeira edição – as biografias sobre o Duque em pouco diferenciavam da do padre. Todas se focavam em sua atuação militar, dando pouca importância a sua atuação política e aos seus anos iniciais de vida, erguendo assim um monumento ao Duque.
            É através dessas biografias que a trajetória do duque de Caxias é conhecida. Elas desejavam que a imagem de herói nacional do duque fosse passada a seus contemporâneos e as gerações vindouras, o que foi facilitado pelo fato de existirem poucas pesquisas acerca do tema e sobre o Exército brasileiro no século XIX.
            Em sua tese – de maneira inédita –, a autora pretende decompor essa imagem de “duque-monumento” e explorar essas regiões de silêncio nas biografias sobre Caxias. O foco do livro é, nas palavras da própria autora, “decompor o ‘duque-monumento’, contando a história de um oficial brasileiro nascido numa família de militares portugueses, de origem não nobre, que atravessou o Atlântico para tentar aumentar suas chances de ascensão social” [1]. Para isso, além de uma vasta lista de documentos, Adriana dialoga com autores como Walter Spalding para tratar do relacionamento entre Bento Manuel e o brigadeiro Brito, além de sua definição sobre como teria agido Duque de Caxias no Rio Grande do Sul, “mais diplomata que soldado”; Ilmar Mattos, ao mostrar que os conflitos que ocorreram nas ruas e praças da corte podem ser vistos como chave para compreender a formação da identidade política daqueles que viviam no império do Brasil.; Antonio Manoel Espanha, ao usar sua expressão “economia de favores” para demonstrar como as patentes abaixo do generalato do corpo oficial do Exército português eram utilizados como moeda de barganha para ampliação de bases políticas; Thomas Holloway para analisar a política repressora utilizada para o combate da ameaça de insurreição social; e Henrique Woderspahn ao tratar do silencio que ronda as negociações de Caxias com os Farroupilhas; além de criticar alguns aspectos da historiografia, como os intervalos de tempo entre a narração, e as limitações da narrativa da Confederação de Pernambuco.
            A autora busca dessa forma, estudar não apenas o Duque de Caxias como militar, mas também Luis Alves de Lima, como um homem de seu tempo e como um agente político.

            Como já explicitado na introdução deste trabalho, o principal objetivo da autora é decompor a imagem do “Duque-Monumento” e contar a história do jovem Luis Alves de Lima e de sua família na busca por prestígio e ascensão social. Para isso, ela divide o livro em sete capítulos, cada qual com alguns sub-capítulos, sendo cada um responsável por demonstrar um aspecto da vida de Luis Alves ou de seus familiares.
            No primeiro capítulo, intitulado “Para estímulo dos que servem nas colônias: os Lima da Silva atravessam o Atlântico”, Adriana Barreto tem como objetivo acompanhar a trajetória dos oficiais Francisco de Lima da Silva e José Joaquim de Lima da Silva (tio-avô e avô de Luis Alves, respectivamente) para reconstruir, através de suas motivações pessoais e experiências institucionais, os meios pelos quais eles negociaram suas práticas como militares do Império português. Segundo a autora, “desse modo, o que se propõe é uma inversão no procedimento mais usual entre os historiadores, que consiste em partir de um contexto geral para situar a atuação de alguns personagens. Aqui, o contexto será sempre particular, desenhado em função da circulação dos irmãos Lima da Silva pelo império e dos episódios em que se envolveram.” [2].
            Para a autora, o fato de Francisco de Lima, ainda jovem, ter servido em uma expedição militar às Índias Orientais, deve ter sido um importante diferencial em sua ascensão no Exército, pois catalisava possíveis influências de seu pai ou de um apadrinhamento. Em 1740, a Coroa mandou organizar uma esquadra com seis naus para defender Goa, sob o comando do Marquês de Louriçal. A autora acredita que a promoção de Francisco de Lima a capitão, em 1740, possivelmente ocorreu em função de sua participação nessa expedição. Em 1746, com a vitória dos portugueses em Alorna, Francisco de Lima foi promovido a sargento-mor. Segundo Adriana Barreto, é bem provável que, servindo ao marquês de Louriçal em Goa, o capitão Lima tenha conquistado sua confiança e amizade, fato que fez com que o marquês lembrasse de seu nome para coronel, um posto de extrema confiança em um contexto de guerra. E foi assim, aliando os serviços prestados à Coroa e a amizade com os “grandes do Império”, que Francisco de Lima ampliou as possibilidades de sua carreira no Exército.
            O capítulo dois, “Os Lima e Silva combatem a hidra da anarquia: os anos de formação de Luiz Alves de Lima”, tem como objetivo mostrar a precariedade da formação acadêmica da Academia militar – instituição a qual Luis Alves frequentou – e sugerir duas outras experiências como mais valiosas na formação militar de Luiz Alves. A primeira delas foi a sua participação nos combates travados pelo Batalhão do Imperador na Bahia em 1823, no qual seguia como ajudante de batalhão do seu tio José Joaquim de Lima e Silva. “A outra era resultado da passagem de Francisco de Lima por Pernambuco em 1824. O jovem Luiz Alves não seguiu seu pai nesses combates. No entanto, acredito que o episódio deixaria profundas marcas em toda a família. Ele evidenciava as dificuldades ainda enfrentadas pelos Lima para se firmarem na corte, agora de d. Pedro I.” [3].
            A Real Academia Militar vinha a muitos anos sofrendo com escândalos e falta de investimento. Mesmo apresentando em seu inicio uma grande organização, era praticamente uma instituição desmilitarizada, onde os alunos saiam mais como intelectuais do que propriamente militares. Em seu 4º ano na academia, Luiz Alves desistiu do curso. “De que lhe valeriam as aulas de um estabelecimento em ‘evidente decadência’?” [4] Ele já era um infante e integrava como alferes o 1º Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro. Declarada a independência, Luiz Alves passou a integrar, sob o comando de seu tio José Joaquim de Lima, o Batalhão do Imperador. Em 1823, foi junto com seu tio ao Recôncavo baiano, para coibir uma resistência militar antilusitana, tendo obtido sucesso. José Joaquim voltou para corte junto com seu batalhão ainda em 1823.
            No terceiro sub-capítulo, a autora nos conta a história dessa etapa da repressão aos confederados pernambucanos, examinando a relação do brigadeiro Lima com d. Pedro. Francisco de Lima, ao combater em Pernambuco, adotava uma estratégia que ia contra as ideias da Coroa, ao prender e não executar os líderes do movimento opositor. A autora acredita que ele tinha convicção de que adotava a melhor estratégica de defesa dos interesses da Coroa em Pernambuco. Porém, isso acabou fatigando a relação do brigadeiro Francisco de Lima com d. Pedro, fato que fez com que fosse expedida uma carta de destituição do brigadeiro do cargo, mas ele acabou continuando a frente da operação. Ao voltar, para o Rio de Janeiro, mesmo sendo vitorioso, Francisco de Lima foi vítima do descontentamento do imperador, não recebendo prêmios importantes e sendo praticamente jogado ao ostracismo. Adriana acredita que o jovem Luiz Alves, mesmo tendo permanecido na corte como capitão do Batalhão do Imperador, deve ter acompanhado de muito perto todos esses acontecimentos, seja por troca de correspondências com o pai, ou pelo impacto de suas atitudes na corte, fato que colaborou bastante para sua formação como militar.
            No capítulo três, chamado “Luiz Alves no laboratório político da corte: um treinamento intensivo na preservação das fronteiras sociais”, a autora nos conta a história dos conflitos que tomaram as ruas do Rio de Janeiro, após a abdicação de D. Pedro, e sua importância na formação de Luiz Alves. Após a abdicação do Imperador, Francisco de Lima foi eleito para a Regência Provisória e depois para a Regência Permanente do Brasil. A essa altura, Luiz Alves via o pai assumir a direção política do império, e dois de seus tios assumirem os principais postos militares. Em 1832, o então major Luiz Alves foi nomeado comandante da Guarda de Municipais Permanentes, força militar criada pela Regência para combater os levantes que não cessavam na corte. O major ficou nesse cargo por sete anos, deixando-o apenas para assumir o comando das forças organizadas que combateriam na Balaiada.
            Para Adriana, “ao participar da repressão a esses levantes ao lado do pai e dos tios, bem como de figuras como Diogo Antônio Feijó, Evaristo da Veiga e Bernardo Pereira de Vasconcellos, Luiz Alves de Lima foi submetido a um treinamento intensivo.” [5] Ao permanecer no comando da Guarda de Permanentes por sete anos, Luiz Alves passou a ocupar um lugar importante no sistema policial da cidade, e a circular no meio de vários grupos sociais. A autora se apropria do conceito cunhado por Ilmar Mattos, e nos diz que esses anos a frente da Guarda, serviu de laboratório para o major, uma espécie de “estágio” onde ele era treinado para maiores combates.
            Ainda nesse capítulo, a autora nos conta como, por meio de um casamento “clandestino”, Luiz Alves conseguiu ampliar sua rede de relacionamento e de status; como uma atitude impensada de seu irmão mais novo, Carlos Miguel de Lima, pois em risco sua reputação; e sua aproximação ao seu grande aliado no combate à desordem pública – Eusébio de Queiroz.
            No quarto capítulo, “Da chaga aberta deve nascer o espírito da ordem: a metamorfose em nobre e general”, a autora tem a intenção de nos mostrar como na campanha no Maranhão em 1839, o coronel Luiz Alves “criou uma forma própria de repressão, combinando sua experiência no comando das Guardas Permanentes, especialmente a habilidade para lidar com uma sociedade tão estratificada e reorganizar suas fronteiras sociais, com as estratégias de negociação de seu pai em Pernambuco.” [6] A mesma estratégia que culminou no isolamento na corte de Francisco de Lima, agora era totalmente aceito pelo novo imperador, d. Pedro II. Com a concessão das anistias aos rebeldes maranhenses, a desarticulação destes se tornou muito mais fácil. Vale ressaltar também as políticas de intrigas e de espionagem criadas por Luiz Alves. Ao colocar gente de sua confiança – os espias ou bombeiros – no meio dos rebeldes para tentar colocá-los um contra o outro, o coronel causava a desunião dos mesmos. Essa técnica de repressão passou a ser a marca de Luiz Alves e foi usada em todas as suas outras investidas após 1839.
            No Maranhão, Luiz Alves manteve uma política de neutralidade, ao dizer que não estava interessado na disputa entre partidos, mas sim na paz e prosperidade do povo. Segundo Adriana, há quem afirme que essas ideias faziam parte de uma política do Rio de Janeiro, enquanto outros dizem que essas ideias eram de seu secretário, o poeta Gonçalves de Magalhães. Porém a autora acredita que, “a política que ele anuncia, tinha um pouco de cada um desses elementos, e acrescento ainda um último: a colaboração de Manoel Felizardo.” [7] Para Adriana, Luiz Alves só pode conhecer melhor os riscos da política maranhense graças a ajuda de Felizardo, que lhe passou informações por ofícios, e com quem conviveu por cerca de um mês em São Luis, onde, segundo o próprio coronel, “tratava particularmente de informar-me com ele”. [8] Voltando vitorioso ao Rio de Janeiro, Luiz Alves foi agraciado com o posto de brigadeiro do Exército e com o título de barão da cidade que lhe interessasse, sendo o primeiro de sua família a conquistar um título de nobreza. Luiz Alves escolheu Caxias, por causa da importância desta cidade em sua luta no Maranhão.
            No capítulo cinco, “Em cena, o delegado de José Clemente Pereira: Luiz Alves adere aos princípios conservadores”, a autora tenta nos mostrar como mesmo distante da corte, o barão de Caxias se manteve informado dos acontecimentos políticos que buscavam a maioridade de d. Pedro II. A política de neutralidade utilizada no Maranhão foi extremamente importante para Luiz Alves, pois ao chegar no Rio de Janeiro encontrou uma situação política onde “predominava a ideia de uma política acima dos partidos.”[9] A autora acredita que só quando voltou do Maranhão e foi nomeado para combater os movimentos liberais de 1842, Luiz Alves aderiu definitivamente aos princípios da centralização conservadora.
            Utilizando-se das mesmas estratégias do Maranhão, Luiz Alves conseguiu conter os movimentos separatistas de São Paulo e Minas Gerais. Em menos de três anos entre sua partida para o Maranhão e sua volta a Corte após Minas Gerais, Luiz Alves se consagrou como o pacificador de três províncias, marechal dos exércitos reais e barão de Caxias. Confiante em seu desempenho e em seu talento militar, a Corte lhe deu uma nova oportunidade em 1842: o comando das forças em operação no Rio Grande do Sul.
            No sexto capítulo de seu livro, “Sangue-Frio, experiência e otimismo: articulações e conflitos nas terras da fronteira”, a autora procura examinar as alianças que o Barão de Caxias firmou para conseguir agir no Rio Grande do Sul, cujo interior constituía o primeiro grande desafio dos oficiais. Adriana nos diz que “Caxias não defendia o que genericamente se denomina ‘interesse nacional’. Defendia o projeto nacional conservador, elaborado e sustentado por certos grupos” [10], sendo a intenção deste capítulo mostrar como essa rede política se consolidou.
A autora acredita que apesar da liberdade que lhe foi concedida pelo Imperador no que diz respeito ao plano militar a ser adotado na região, o ministério da Guerra regulava a capacidade de negociação e de atuação de Caxias. A autora critica a historiografia e as outras biografias de Caxias por não explorarem esse aspecto, dando uma ideia de ampla liberdade e de uma autonomia maior do que ele realmente teve.
            Segundo Adriana, o perfil de “sangue-frio”, “experiência” e otimismo, juntamente com o “espírito conciliador” se difundiu após a ampla negociação realizada para pacificar a Farroupilha. É importante ressaltar que Caxias, ao reprimir os rebeldes, não negava as suas utilidades, mostrando-se disposto a negociar com eles para aproveitar o conhecimento que possuíam sobre o local, fator importante em sua atuação no sul, principalmente após a sua aliança com Bento Manoel.
            No sétimo e último capítulo, intitulado “Um conservador firme, mas moderado: da intensa política na guerra ao ingresso ao Parlamento”, a autora nos mostra como, contando com a sorte e com incidentes inesperados, Caxias pôde intensificar suas negociações.
            Para surpresa do Barão, intrigas e conflitos começaram a dividir os líderes farrapos, a ponto de alguns deles – principalmente Bento Manuel – procurarem o Barão para negociarem a rendição. Porém, uma parte dos farrapos ainda não queria se render, o que fez com que Caxias tivesse que, mais uma vez, retomar suas negociações. A autora atenta para o fato de que o barão de Caxias decide considerar as “instruções imperiais” para entrar em acordo direto com os farroupilhas. Certo grau de independência teria consequências sobre sua carreira. Esse assunto foi silenciado nas biografias anteriores de Caxias, sendo destacado apenas seu “espírito conciliatório”. Depois de muita negociação e de certo afrouxamento das ordens enviadas pela Coroa, Caxias conseguiu entrar em acordo com os farrapos no sul. A autora nos conta que devido a esse “jogo”, Walter Spalding define a atuação de Caxias no Rio Grande do Sul em uma frase: “mais diplomata que soldado”.
            Após a pacificação da província, Caxias foi eleito presidente do Rio Grande do Sul com apoio dos farrapos. Um ano depois, Caxias foi eleito como um dos três candidatos ao Senado por aquela província, sendo escolhido pelo imperador para assumir o cargo.

            Adriana Barreto, ao biografar Caxias, rompe com o procedimento clássico da história social, ao não pensar a sua trajetória de vida como síntese para muitas outras. Para isso, ela reformula o conceito de contexto, não pensando-o como um cenário fixo e invariável, mas sim reconstruindo-o a partir de elementos particulares à trajetória de Caxias. A autora utilizou o nome “Caxias” para se guiar por um vasto universo documental de arquivos. Como a mesma nos diz, “foram os nomes mencionados nos documentos, as cidades que percorreu nas campanhas militares e os postos assumidos por ele que definiram os maços e coleções de documentos a ser analisados. Tentava, com isso, recompor a rede social em que Caxias se achava inscrito em diversos momentos de sua vida.” [11] Partindo do pressuposto de que todo indivíduo está presente em uma teia de relações humanas, escrever uma biografia é em parte pensar sobre essas relações. Portanto, a autora se utiliza de textos laudatórios, escritos em sua maioria por militares; do diário de Vicente Fontoura; jornais da época; arquivos do Exército; revistas do IHGB; arquivo do Museu Imperial de Petrópolis; arquivo do Itamaraty; arquivo do Museu Histórico; de documentos de colecionadores e de leilões, entre outras fontes,[12] para tentar reconstruir essas teias. Por exemplo, Adriana usa os ofícios e as cartas do Duque de Caxias para mostrar como se dava o relacionamento do mesmo com seus correspondentes. Ela utiliza essas conversas para demonstrar as discussões políticas do Duque com a Coroa e com seus aliados, as negociações dele com seus combatentes e também para mostrar o lado do homem Luis Alves, utilizando para isso suas correspondências pessoais destinadas ao seu pai, seus irmãos e primos, e sua esposa e filhas. Analisando esses documentos e uma vasta bibliografia, ela consegue ter uma ideia dos lugares por onde Caxias andou, o modo como agia e se relacionava com outras pessoas, e sobre o que decidia.
Por causa disso, diante de tantos dados incompletos, o trabalho da autora é tentar biografar o Duque unindo esses fragmentos para tentar dar fim ao silêncio que predomina sobre sua vida. Nas palavras da mesma, “procurei reconstruir – com o material disponível – os ambientes pelos quais Luiz Alves circulou e as histórias que provavelmente vivenciou, mesmo sabendo que isso não produzirá ‘provas’ sobre o significado (ou significados) que ele atribuiu a cada uma delas no momento em que as vivia, ou em fases posteriores de sua vida.”[13] A autora ainda faz uma análise das estátuas de Duque de Caxias (na Praça da República) e do General Osório (na Praça XV de Novembro) pra nos mostrar como houve um trabalho dos militares brasileiros em manter a imagem do Duque como um estrategista em paralelo a imagem de guerreiro do General.

A autora se utiliza de alguns conceitos para justificar sua metodologia de pesquisa, e outros para tentar nos aproximar do contexto em que vivia o Duque e da vida militar. O conceito de Duque-Monumento explicita a imagem construída do Duque de Caxias excluindo seu caráter pessoal, vendo-o apenas como um herói nacional, um exemplo que deve ser seguido. Para explicar sua metodologia de trabalho, a autora utiliza o conceito de Configuração, onde a mesma a partir do nome Caxias faz uma busca por documentos, e com esses documentos tenta, da maneira mais flexível possível, reconstruir seus passos. O conceito de Ação política dá ênfase na conduta e nas atitudes do Duque, de acordo com seus interesses pessoais ou coletivos, em cada uma de suas empreitadas. Adriana se apropria do conceito de Laboratório criado por Ilmar Mattos, para dizer que acredita que a província fluminense não treinava apenas medidas, mas também pessoas, e que Luiz Alves passou por esse Laboratório durante os sete anos em que comandou a Guarda de Permanentes. Os conceitos de Velhaco e Tarimbeiro são conceitos do campo militar, e são utilizados para aproximar o leitor do contexto e da vida militar no século XIX.

            Adriana Barreto conclui que a formação militar naquela época não passava pela aquisição de conhecimentos técnicos e específicos em uma academia militar, nem pela incorporação de valores orientados por uma disciplina rigorosa, mas sim pelo aprendizado na prática do combate e da negociação, à moda dos tarimbeiros, atributo fundamental para um militar brasileiro do século XIX. Luiz Alves é um bom exemplo disso: só aprendeu a ser militar na prática, indo com seus tios para Bahia, acompanhando de longe a história de seu pai em Pernambuco e vivendo os conflitos políticos, alianças locais e intrigas palacianas. Essas experiências e uma boa dose de sorte foram fundamentais para ele conseguir resolver alguns conflitos, sobretudo no Rio Grande do Sul.
            A autora consegue cumprir seu principal objetivo: analisar Caxias como homem e militar do século XIX, retirando-o, para isso, dos postos de patrono do Exército Brasileiro e de herói nacional. Adriana nos mostra uma versão mais humana de Caxias, começando seu livro na juventude, quando ele ainda era apenas Luiz Alves de Lima. Para Maurício Santoro,
“O maior mérito do livro de Adriana de Souza é mostrar como a excepcional trajetória de Caxias se inseriu no contexto de ampla teia de relações pessoais e familiares, que se iniciou com a aposta de seu tio-avô, ainda no século XVIII, de emigrar de Portugal ao Brasil, em busca de oportunidades de ascensão social que inexistiam na Europa. Foi o início de uma dinastia militar que galgou passo a passo as principais hierarquias na Colônia e no jovem império, aproveitando as oportunidades criadas pelas guerras no Prata, pela vinda da família real, pela Independência e mais tarde pela necessidade de debelar as rebeliões provinciais durante a Regência.”[14]
Já Thiago Soares nos mostra como Adriana Barreto desconstrói a imagem de que o Duque de Caixas era avesso à política e estaria interessado apenas nos interesses nacionais, visto que é “difícil imaginar que alguém que exerceu tantos cargos [políticos] não gostasse de política.”[15]
Para Marco Morel,
“Adriana Barreto partiu de dois eloquentes silêncios de inúmeras biografias anteriores, ou seja, as origens familiares e a dimensão política da atuação deste militar – que foi senador e governou províncias. O leitor, pois, tem diante de si um Duque de Caxias humanizado e que, aliás, ainda nem tinha se tornado duque. Era conde, em 1845, quando se encerra o livro. A autora está devendo, portanto, a publicação da segunda e instigante parte da vida do personagem, envolvendo, entre outros aspectos, a Guerra do Paraguai, a maçonaria e a chegada dele ao cargo de presidente do Conselho de Ministros, o mais alto depois do imperador.”[16]
Em uma escrita que prende atenção do leitor, Adriana não consegue apenas dar conta de sua proposta inicial e de ser sucesso de crítica. Ela consegue também, e talvez o aspecto mais importante do livro em nossa opinião, escrever de maneira simples e não ser enfadonha, o que permite que qualquer pessoa, mesmo não sendo acadêmica, possa desfrutar de sua ótima biografia.


 *Resenha realizada para a disciplina de História do Brasil II.


BIBLIOGRAFIA:
SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: o homem por trás do monumento – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
SANTORO, Maurício. Duque de Caxias: por trás do monumento. Disponível em: <http://todososfogos.blogspot.com.br/2009/11/duque-de-caxias-por-tras-do-monumento.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:47.
SOARES, Thiago C.. O homem por trás do monumento: Duque de Caxias. 
     Disponível em: <http://www.descobrindohistoria.com.br/2011/11/o-homem-por-tras-do-monumento-duque-de.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:59.
MOREL, Marco. Um mito humanizado: Historiadora refaz trajetória de Duque de Caxias em análise profunda e cativante. In: Resenha Diária do Jornal O Globo, 11-04-2009. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br/index.php/resenhas-anteriores/category/24-abril-de-2009.html?start=150>. Acesso em: 05 out. 2012.

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[1] SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: o homem por trás do monumento – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p.40.
[2]  Idem, p.49
[3] Idem, p.111
[4] Idem, p.124
[5] Idem, p. 182
[6] Idem, p. 283
[7] Idem, p. 291
[8] Idem, p. 293
[9] Idem, p. 352.
[10] Idem, p.406.
[11] Idem, p.39.
[12] Idem, p.579.
[13] Idem, p.111.
[14]SANTORO, Maurício. Duque de Caxias: por trás do monumento. Disponível em: <http://todososfogos.blogspot.com.br/2009/11/duque-de-caxias-por-tras-do-monumento.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:47.

[15] SOARES, Thiago C.. O homem por trás do monumento: Duque de Caxias. Disponível em: <http://www.descobrindohistoria.com.br/2011/11/o-homem-por-tras-do-monumento-duque-de.html>. Acesso em: 05 out. 2012 às 09:59.

[16] MOREL, Marco. Um mito humanizado: Historiadora refaz trajetória de Duque de Caxias em análise profunda e cativante. In: Resenha Diária do Jornal O Globo, 11-04-2009. Disponível em: <https://www.defesa.gov.br/index.php/resenhas-anteriores/category/24-abril-de-2009.html?start=150>. Acesso em: 05 out. 2012.