segunda-feira, 20 de junho de 2011



Por Vanir Junior

O Feudalismo vinha sendo estabelecido desde a formação do Império Carolíngio, a partir das práticas de juramentos promovidas por Carlos Magno e seus vassalos. Há a feudo-clericalização do Império. Feudo-Clericalização esta que se intensificará com o passar do tempo e consolidação do sistema feudal. Com a pulverização do Império, as tendências fragmentadoras permitiram aos grandes senhores, que antes mantinham fidelidade a um soberano, manterem laços de fidelidade em benefício próprio. O juramento imposto por Carlos Magno para tentar centralizar o Império sofreu modificações “a ponto de sua própria lógica influenciar todos os tipos de relações entre os homens de então.” (PARENTE, P. A. L, CEDERJ, p. 128). Contudo, os reis continuam a existir e possuíam certos poderes de justiça (variando conforme território) e de política, além de haver em torno deles um imaginário de sacralidade fantástico, como bem trabalhou Marc Bloch. Assim, podemos dizer que a sociedade feudal foi “o estabelecimento de um novo tipo de ordem social, advindo das transformações que as relações pessoais na nobreza carolíngia sofreram, ao mesmo tempo em que a Cristandade Medieval mergulhava em um pluralismo político advindo da fragmentação dos poderes régios...” (PARENTE, P. A. L, CEDERJ, p. 159).
Segundo Jerome Baschet, mesmo havendo toda uma discussão historiográfica a respeito de um forte pensamento escatológico dos terrores do ano mil, que supostamente atormentaram as populações, é importante destacar que isso foi mais um mito historiográfico forjado pelo Iluminismo do que uma verdade totalmente consolidada própria do momento exato do milênio. Ainda que existam alguns documentos que mostrem o sentimento de medo no ano mil, o mesmo também foi próprio de outras épocas e “não são mais intensos em torno do ano mil do que em pleno século XIII.” (p.99).
Entender o feudalismo como parte de um obscurantismo medieval é algo que faz parte de uma historiografia mais tradicional. O feudalismo é parte de um processo no qual é possível identificar o surgimento e afirmação do ocidente medieval e, por isso, não deve ser abordado a partir de reducionismos.
Mas, voltando para organização política feudal, a ascensão dos condes, marqueses e duques, que serviu para transposição do poder do rei para eles, também se fragmenta. Não existem mais somente vassalos do rei, mas sim vassalo, do vassalo, do vassalo...e assim por diante (Ganshof se refere a este termo como vavassalo). Segundo Parente, a partir do século XI, os condes, duques e príncipes também sofrem com novas fragmentações em seus poderes. Conforme Guy Forquin, “deixa de haver exercício da autoridade pública, e os grandes apenas possuem poder na medida do seu patrimônio.” (1970, p.66 in CEDERJ, p.131).
O poder passa a se constituir mais forte ou menos forte pela quantidade de vassalos que um senhor tem. Há assim o fortalecimento aristocrático daqueles que tinham poder militar sobre um determinado território, através da apropriação das vantagens antes pertencentes ao poder público, que se fragmentavam cada vez mais. A defesa da terra passava para os príncipes locais.
As relações de vassalidade influenciavam e modelavam aquela sociedade em praticamente todos os aspectos. Os senhores, ainda na virada do milênio, em um quadro econômico de fragilidade, baseada na produção agrícola para subsistência, passaram a exercer o controle sobre tal produção, havendo a dominação daqueles que viviam da agricultura. Contudo, a partir do século XI, com a consolidação do regime senhorial, temos uma sociedade que se desenvolve. É possível identificar após às invasões o crescimento populacional, fixação dos homens à terra, maior produção, (conseqüente geração de um maior nº de excedentes que são comercializados, principalmente a partir da intensificação das cruzadas) marcado por uma maior procura de mercadorias, aumento da expectativa de vida, pela ausência de invasões, abundância de recursos naturais e um recuo das epidemias, já que a criação de bolsões (lugares desertos) proporcionou isso. O aumento da temperatura também contribuiu consideravelmente para certas culturas, como a do vinho. Algumas invenções como a charrua, por exemplo, possibilitaram uma maior produção. Estruturava-se uma dominação dos senhores sobre os camponeses.
Mas, lentamente, a terra passava a não ser mais a única fonte de poder, mesmo se mantendo como a principal forma. O comércio se aprofundava, além de já haver, ainda que de forma lenta, a reafirmação do poder monárquico. Grosso modo, podemos considerar a aristocracia do ocidente medieval formada por homens que tinham poder sobre a terra e os que se dedicavam às atividades guerreiras. Ou seja, homens da aristocracia romano-germânica, que receberam terras em troca de fidelidade e dos milites, que de início são simples guerreiros a serviço dos castelões, mas que ascendem a partir do século XI, quando passam a receber terras pelos seus serviços. Contudo, a igualdade entre nobreza e cavalaria inicialmente não é totalmente atingida, uma vez que muitos não nobres são ordenados cavaleiros. Mas há, com o passar do tempo, a progressiva absorção da nobreza pela cavalaria, promovendo a fusão. Torna-se difícil reivindicar-se nobre sem ser cavaleiro. A união promovida reserva o acesso à cavalaria aos nobres. Sendo assim a aristocracia repousa no nascimento (origem nobre) e na crescente cavalaria. A igreja passa a ter um papel cada vez mais importante sobre esta última, a partir do adubamento, sendo esta a cerimônia que marcava a passagem do homem para um cavaleiro. A Igreja sacralizou a cerimônia.
Aliás, a posição assumida pela aristocracia, ou melhor, as posições sociais que se formaram ao longo do tempo (não só a da aristocracia), não se constituíram somente pela mera formação estrutural. A manifestação social feudal encontrava apoio ideológico na difusão da doutrina da Igreja. Afirmações de Adalberon da Laon e Eadmer de Canterbury propunham uma sociedade baseada em oratores (os que rezam), bellatores (os que lutam) e os laboratores (os que trabalham). Por isso, foi dito acima que a feudo-clericalização se aprofunda, pois, no feudalismo, a Igreja possui papel determinante em todas as relações sociais. Assim, acreditava-se que a estrutura social terrena era determinada conforme a hierarquia celeste. Era incontestável. Deus teria permitido aquela formação da sociedade e mudá-la seria contestar o próprio Deus. Isso contribuirá de maneira considerável para a fixação do homem despossuído à terra, caráter este que no regime dominial não era tão forte. Os desígnios cristãos eram inerentes ao feudalismo, justificando a concepção de dominium e até mesmo as guerras.
Assim, existia de um lado duas ordens detentoras de poder político, econômico e social e, do outro, uma ordem formada por camponeses dependentes de seus senhores e da terra. Havia, deste modo, o estabelecimento de vínculos feudo-vassálicos/relações político-militares entre membros da aristocracia senhorial. A progressiva feudalização da Europa será a mola da organização política. Temos, então, segundo Hilário Franco Jr., “três formas de relações sociais, uma horizontal na camada dominante, outra horizontal na camada dominada e outra vertical entre os dois grandes grupos.” (2006, p.92).
A organização horizontal dominante se formava através do contrato feudo-vassálico, (que, como dito antes, devido à transposição do foco de poder do rei para os senhores, o juramento de fidelidade ganhou um foco diferente – local), que era composto por três atos: 1 - a homenagem, uma espécie cerimônia na qual um indivíduo se tornava homem do outro, 2 - a fidelidade, juramento feito sobre a bíblia ou relíquias que era confirmado por um beijo, 3 - e a investidura, quando o individuo que se entregou a outro se transformava também em senhor feudal, entregando um elemento simbólico (terra, folhas, ramos) a quem cedeu o feudo. Segundo Baschet, houve, assim o estabelecimento de “uma relação ao mesmo tempo hierárquica e igualitária (2006, p.123).
O feudo, na maioria das vezes, era terra. Mas é exatamente isso: na maioria das vezes, não em todas as vezes. O feudo poderia ser, por exemplo, a cessão de um direito de cobrar impostos em uma determinada vila ou de cobrar pedágios em pontes e/ou estradas. O direito de prestar homenagem ou de proteger determinado senhor, algo que se tornará comum com a cavalaria. 
O consilium (participação no tribunal do senhor) e o auxilium (serviço militar quando o senhor requisitasse e/ou pagamento de resgate do senhor) eram responsabilidades do vassalo para com o seu senhor. Conforme Parente, “a autoridade aristocrática era vista não só como justa, mas como necessária ao ordenamento da sociedade.” (CEDERJ, p.144). As atribuições políticas e jurídicas eram estabelecidas através do contrato feudo-vassálico e do bannum (direitos de ban). Estes direitos se desenvolveram a partir das cerimônias de vassalagem. O bannum foi um poderoso aspecto de dominação e se constituía como os direitos de tributar, punir e julgar, fazendo parte da constituição do senhorio, ao lado do senhorio fundiário (senhorio banal – poder coercivo e senhorio fundiário – detenção de controle do solo).
O Feudo foi adquirindo caráter hereditário de forma progressiva. Um bom exemplo disso é a Capitular emitida por Carlos, o Calvo, em 887 que deixa tal aspecto claro, legalizando que já era praticamente um hábito. Contudo, somente poderia herdar o feudo o primogênito. O direito feudal excluía os outros possíveis filhos de um senhor feudal. Muitos deles acabavam, então, seguindo carreira no clero ou se tornando cavaleiros.
O servo se torna o principal trabalhador e a escravidão praticamente desaparece. Os servos tinham obrigações a serem prestadas aos seus senhores, como a Corvéia, que se constituía como dias de trabalhos gratuitos (cultivo, construções, entre outros) nas terras do senhor (geralmente 3 dias). Havia também a Talha, que correspondia a uma porcentagem da produção dos servos destinada aos senhores, a mão morta, taxa para permanecer no feudo, caso o pai da família de servos viesse a falecer, as diversas banalidades, que eram pagamentos por usos de moinhos, fornos, exploração de bosques. 
No próximo artigo do Escola dos Ruralis, que dará continuidade ao assunto Feudalismo, abordaremos o seu período de crise, que resultará em diversas transformações, que serão características marcantes da baixa idade média e que levarão a sociedade feudal se transformar pouco a pouco.


Referências Bibliográficas:

BASCHET, Jerome. A Civilização Feudal – Do ano mil à colonização da América. Editora Globo, 2006.

BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. EDIÇÕES 70: Lisboa.

CAPITULAR DE QUIERSY-SUR-OISE (Século IX) – nº6, in Textos Históricos Medievais

DUBY, Georges. Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos. Unesp: São Paulo, 1998.

FRANCO JR, Hilário. A Idade Média Nascimento do Ocidente. Edição 2ª. Brasiliense: São Paulo, 2006.

GANSHOF, F.L. Que é Feudalismo? Coleção Saber. 1985

LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean Claude. EDUSC: São Paulo,

LE GOFF, Jacques. Civilização do Ocidente Medieval. EDUSC: São Paulo, 2004

PARENTE, P. A. L. A Idade Feudal: senhorio, vassalidade e feudalidade. CEDERJ (material didático à distância), 2010.

Site da Imagem: http://www.grupoescolar.com/materia/feudalismo_e_sua_crise.html


sexta-feira, 17 de junho de 2011


Por Laíne Mendes

François Dosse é professor de História no Instituto Universitário de Formação de Professores de Crê-teil e no Instituto de Estudos Político de Paris. É pesquisador associado do Instituto de História do Tempo Presente e do Laboratório de História Cultural da Universidade Saint-Quentin, em Yvelines, e co-editor da revista Espaces Temps. Após consagrar sua tese de doutorado na “Ecole des Annales” (1983), segue suas pesquisas sobre o estruturalismo, o filósofo Paul Ricoeur (a biografia “Paul Riceour, les sens d’une vie”, publicada em 1997, é hoje referência) e o historiador Michel de Certeau. Atualmente suas linhas de pesquisa estão relacionadas à Historiografia, à Epistemologia das Ciências Humanas e à História Intelectual. Em 2007, publica Gilles Deleuze e Felix Guattari, biografia cruzada onde reabilita Guattari numa história intelectual que valorizou apenas Deleuze.

Resenha:

O que seria dos Annales sem sua eterna musa inspiradora, sua adorada Clio. A nossa Clio, que nesse momento, na França, torna-se algo comercial. O que aconteceu com ela?
O desinteresse de Dosse pelo passado, ou há tudo que foi construído antes dos anos 60 e 70, coincide-se com o começo de seu livro “A História em Migalhas - dos Annales à Nova História”, a partir da posição final do livro de Peter Burke. A informação se inova diariamente, o quotidiano passa a ser mais interessante e encantador aos olhos do público. Os Annales se preocupam em aumentar seu público, ou seja, tudo o que for algo de interesse a estes, a Academia se envolve. Isso determina uma mudança extrema, pois o sucesso do Annales se dá pela utilização das ciências sociais renunciando sua capacidade de síntese.
No primeiro capítulo, Dosse desdenha do passado dos Annales, com o título já se percebe: “A pré-história dos Annales”. O interessante da visão de Dosse sobre o lançamento da revista é a ausência de uma pequena informação não esclarecida por Burke. Ela foi lançada em 1929, no mesmo ano da crise. Até aí, já sabíamos, mas o interessante é: “O projeto de Marc Bloch e Lucien Febvre não se reduz a uma resposta pontual dos historiadores diante da crise que explode”. Dosse é menos plausível que Burke, com relação a tal fato. A crise proporciona o sucesso à revista, já que, nesta época, os historiadores passam a se aprofundar nos aspectos econômicos, deixando de lado o político. A saudade da Belle Époque pela burguesia, que acaba com o fim da primeira guerra, é outro fato que também favorece aos Annales a se voltarem para a economia. O discurso já havia sido mudado com a interferência da primeira guerra. Ele passou a ser algo que propugnava paz de espírito, por conseqüência da destruição do cenário Europeu. O Estado passa a ser rejeitado pela sociedade. Talvez, uma idéia expressa de anarquia passa a surgir? As questões políticas são postas de lado, a sociedade não precisa dela, ao contrário, deseja seu afastamento. O que precisam, são novas formas de resolver os evidentes problemas sociais e econômicos. Analisando o tempo e o espaço, pode-se entender que o desinteresse por algo e o interesse por outro só afirma a constatação de que nossos pensamentos são datados, graças ao contexto histórico da época em questão. Surge a idéia de progresso, no meio desse desespero. As palavras de Émile Durkheim definem isso: “A racionalidade burguesa abandonou a história e refugiou-se na economia política, em parte também na sociologia”.
Dosse, no decorrer do capítulo, mais uma vez afirma que num outro contexto a história é renovada. Na primeira guerra, agora, no entre guerras. É evidente que ele expõe certas constatações, como as influências de tais acontecimentos na disciplina história, reproduz um retrato de desgosto social. A própria profissão historiador tem como função atribuir um papel diferente a uma nova transformação social. Na época deixaram de olhar para o particular, como antes, para se voltar ao social, que precisava realmente de sua ajuda. A própria historiografia é afetada e julgada pela geografia, por ser a favor da doutrina positivista. Dosse explica o porquê disso, a Geografia: “Pretende eliminar o acontecimento, o político, e fixar-se no tempo atual e interessa-se por tudo que se mantém no presente”. Tudo o que não é palpável a ela, não interessa. Contudo, promove dentro dos Annales certas contradições entre os historiadores, pois alguns aderem tal posição. Geografia Vidaliana X História historicizante. As vidalianos preferem a história rural, o uso da observação. Isso propõe uma “libertação” do historiador aos arquivos, as fontes; proporciona uma reflexão sobre a crise. Ou seja, a geografia teve uma influência importante e de alto grau na Escola do Annales, tirando-a do passado e a trazendo para o presente, graças à demanda social existente na época.
Outra ressalva sobre a visão de Dosse diferenciada na de Burke, esta na referência a Escola dos Annales. Dosse afirma que ela é Belicosa, que possui um alvo, em uma relação de Força e Batalha. Para ser membro dos Annales, deveria pensar e ser como eles, caso contrário estaria fora. A Batalha no campo do saber, da historiografia, que funda o trabalho do historiador. Outra diferença de Dosse é na aproximação de uma História Social Clássica. Procedida, a partir de um modelo que não é praticado pela fase final da Escola dos Annales. Ele critica a terceira geração, distancia-se das propostas de Bloch, Febvre e Braudel.
O mundo se encontrava dividido em dois blocos. Dosse acredita que se a Escola soubesse lidar com esse espaço, poderia se encaixar numa posição neutra e dominante. Pois é isso mesmo que ela faz, não se envolve com as questões políticas. Historiador posto como federalistas, preso nos três ídolos: O ídolo político, o ídolo individual, o ídolo cronológico. A tudo impedem aquilo que o historiador não tem. Dosse afirma que para conhecer realmente um historiador, tem que se conhecer seu trabalho. Concordo com tal afirmação, pois o trabalho dele é fundamental para saber a logística de sua posição. O historiador tem que estar ciente do passado e do presente. Em tudo há uma continuidade, o estudo do passado é necessário para marcarmos aquilo que não somos mais.
Todavia, mais uma vez a Revista se reaproxima das ciências sociais. Agora, no pós-guerra, a revista trás um novo termo: CIVILIZAÇÃO. Dosse atribui à idéia de civilização e a coloca em vários contextos em seu livro, um deles é o processo de Independência das “colônias”. Braudel mudará a linha das pesquisas históricas, oferecendo um caráter estrutural. Estamos em tempos heterogêneos. O tempo curto perde lugar para a Longa duração. A história social é lenta (economia e sociedade). Nesse contexto, ele vê as transformações do mundo pós-guerra, no contexto histórico vivenciado:
● Declínio da Europa Ocidental;
● Revolução tecnológica;
● Novo meio de comunicação e informação;
● Rejeição de uma história puramente nacional;
● Reaproximação com as outras ciências sociais;
Vemos a necessidade dos Annales ao tentar responder o porquê da história ser contestada como a maior ciência do social. Strauss aponta para o historiador como um coletor de fatos e não um propulsor na explicação social. Não se esquecendo de dizer, que esse historiador é anti-historicista.
A Terceira Geração, no livro, é MARCADA pela crítica sucessiva de Dosse a aproximação com a Antropologia. Os historiadores, alguns, usam em seus estudos a antropologia. O declínio do campo econômico beneficia a antropologia. A presença dos meios de comunicação reflete o papel da Escola. Com a antropologia histórica, os Annales abandonam a história-problema. Dessa vez o historiador é posto como antropólogo ao contrapor a cultura popular com a cultura erudita. Essa capacidade de mudança no campo cultural surge no social. A cultura é passada a sociedade pelas instituições sociais. Concordo com o olhar de Dosse sobre a forte influência da antropologia, mas discordo de sua conclusão ao dizer que o historiador perde a proposta inicial da Escola e a base, na qual se seguia, para agir como um antropólogo.
Nesse último capítulo, “A história serial”, veremos a história ser fragmentada. A partir do tempo que o historiador se afasta desse trabalho, há o que se chama de retorno da narrativa. O todo não pode ser produzido, tem que haver um estudo por partes. Partindo dessa proposta, pego como foco um acontecimento específico. O historiador deixa de estabelecer o todo, podendo perder muito com essa atitude. Dosse pressupõe a fragmentação como indispensável para o tema escolhido pelo historiador. Ele lamenta que o historiador não constitua um contexto sob o objeto estudado, desconectando-o com os outros a sua volta.
Sobre a análise do livro, podemos não concordar com o ponto de chegada, mas o mapeamento (percurso reflexivo) do assunto é muito melhor que o de Peter Burke. Ele, ao mesmo tempo em que reconhece o projeto dos Annales, critica-o. Só se pode entender o Annales, a partir do começo. Assim, poderemos compreender o porquê de tantas mudanças e influências aderidas pela Escola em tão pouco tempo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

DOSSE, François. A História em Migalhas. Tradução Dulce A. Silva Ramos. São Paulo: Ensaio, Campinas, SP: Editora Universidade Estadual de Campinas, 1992.
imagem disponível em: http://www.bibliofranca.org.br/parcerias-autores-convidados/francois-dosse/ acesso em 17 de junho de 2011.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Blog Miscelânea Pedagógica

Por Vanir Junior

Bons educadores precisam estar ligados aos informativos de cultura e educação para se manterem atualizados e assim aplicarem as diversas novidades que surgem no seu dia-a-dia. É por isso que o Escola dos Ruralis recomenda o Miscelânea Pedagógica, um blog acima de tudo apaixonado pela educação e que proporciona a aplicabilidade do conhecimento de mundo ao processo sócio-educacional. De autoria da Pedagoga, Professora de Informática Educativa e Escritora, Érica Campos, o espaço aborda uma gama de atividades educativas e culturais dos mais variados tipos que podem tornar o trabalho do educador muito mais rico, como, por exemplo, literatura, cinema, planos de aula, cursos diversos, música, games e muitos outros. O objetivo do Blog é contribuir para tornar o processo de aprendizagem mais dinâmico e produtivo. Vale à pena conferir. Visite: http://miscelaneapedagogica.blogspot.com/

quinta-feira, 9 de junho de 2011


Carlos Magno - Pintura de Albrecht Dürer

Por Vanir Junior

Os Francos foram um dos primeiros povos germânicos a se converter ao Credo Niceno, em fins do século V, através de Clóvis, que consolidou a dinastia Merovíngia reunindo as tribos sob seu comando. O nome “merovíngio” foi dado em homenagem ao herói da Guerra dos Campos Catalaúnicos que lutou contra os Hunos, Meroveu, de quem Clóvis descendia. Assim, devido à conversão, Paulo André Leira Parente afirma que “os francos ganhavam maior destaque ao manterem-se fiéis à Igreja Romana, diferente de outros reis de origem similar, que seguiam a doutrina ariana.” (CEDERJ p.98). A dinastia merovíngia ainda que governasse por um tempo considerável, não possuía poder de liderança política efetiva sobre todo o reino franco. Segundo Parente “era possível encontrar lideranças políticas menores, hierarquicamente abaixo dos merovíngios, mas na prática tão ou, por vezes, mais poderosas do que estes.” (CEDERJ p.98). Os Carolíngios, por exemplo, eram os comandantes da Austrásia e mordomos do palácio merovíngio e cada vez mais ascendiam política e militarmente, mediante a fraqueza política dos merovíngios. José Roberto de Melo diz que:

“Todavia, eleitos pela aristocracia, os mordomos eram por sua vez dependentes dela e, se como defensores dos Merovíngios acabaram por dominá-los, a sua presença em cada um dos reinos lançou-se nas tradicionais querelas da família real, além das rivalidades motivadas por suas ambições pessoais.” (1990. p.10)
.
Já no século VII, a fraca autoridade dos Merovíngios resultava no fortalecimento da nobreza sobre os reis da dinastia. A verdade é que desde a morte de Clóvis, seus filhos dividiram o território, que somente será reunificado por Dagoberto, sendo este o último rei dos merovíngios a exercer certa autoridade real. Mas seus descendentes não conseguem manter a autoridade e são conhecidos como reis indolentes. Mais uma vez, nas palavras de José Roberto de Melo:

“E, culminando, a proverbial apatia da estirpe merovíngia no decurso do século VII, valendo aos seus membros o apodo de reis indolentes, quase fez sossobrar o Estado franco. Não obstante, o destino favoreceu com o surgimento de uma linhagem de eficientes mordomos do paço, no reino da Austrásia, o quais, tomando nas mãos as rédeas do poder, lançaram as bases do futuro Império Carolíngio.” (1990. p.7).

E quem assume praticamente todo protagonismo político são os Major Domus (Mordomos). Assim sendo, a partir dessa maior projeção política dos mordomos, já em 732, Carlos Martel, também mordomo, vence os muçulmanos na Batalha de Poitiers. Este foi, segundo Parente, “um passo importante no processo de aproximação entre Carolíngios e a Santa Sé...” (CEDERJ p.99). Segundo Hilário Franco Jr., Carlos Martel passa a ser considerado um salvador da Cristandade ao vencer o "infiel" muçulmano. Ele adquire grande poder aristocrático.
Com a morte de Carlos Martel, há uma série de manobras políticas e disputas entre seus filhos Carlomano e Pepino. Primeiramente, eles se unem contra Grifo, filho do segundo matrimônio de Martel, que também se expõe a luta política. Mas com o agravamento da disputa entre Pepino e Carlomano, novos episódios de lutas se sucedem. Pepino liberta Grifo da prisão, que havia sido colocado lá por Carlomano, e concede terras a ele. A retaliação de Carlomano é instituir no poder o rei merovíngio Childerico III. Contudo, Carlomano opta pela vida monacal e evita assim um conflito mais sério.
Pepino, através de sua influência política, envia embaixadores até o Papa Zacarias, perguntando quem realmente deveria ser rei: Childerico, que não tinha capacidade para conter as revoltas políticas e impor ordem ao reino, ou ele, que tinha autoridade sobre todo o território. O Papa opta por ele e Chiderico é deposto e Pepino, o Breve, sobe ao poder. Temos assim a substituição da fraca dinastia dos Merovíngios pela dinastia da Austrásia, os Carolíngios em 751. Nas palavras de Jacques Heers:

“A ascensão de uma nova dinastia franca, em 751, assinala o êxito dos prefeitos do palácio da Austrásia e o restabelecimento em seu proveito da autoridade real enfraquecida ou desprezada pelas grandes famílias.” (1974, p. 40).

Segundo Hilário Franco Jr. Pepino, o Breve, "quando precisou legitimar seu poder, recorreu a uma cerimônia calcada no antigo testamento e praticada no reino visigodo desde o século anterior: a unção régia...um rito de passagem que sacralizava o monarca, tornava-o um eleito de Deus. Desde então, todo rei para ser visto como tal, precisou ser submetido àquele rito.” (p.50). Mais tarde, Pepino, visando fortalecer ainda mais seus poderes, lutou contra os lombardos, retomou as terras e as entregou para a Igreja (Patrimônio de São Pedro), consolidando assim o pacto franco-papal, reforçado mais tarde pela realização de nova consagração, desta vez feita pelo Papa Estêvão II, que o ungiu novamente no ano de 754. Segundo Jerome Baschet, Pepino “beneficia-se do acordo com o bispo de Roma, que procura apoio da potência franca contra os lombardos que ameaçavam invadir Roma” (2006, p.70). Além disso, Pepino instituiu o pagamento obrigatório de dízimos.
Com a morte de Pepino em 768, novamente ocorrem novos impasses políticos. Disputas entre Carlos e Carlomano. Entretanto, Carlomano morre em 771, deixando terreno livre para Carlos. Segundo Parente, quando isso acontece, “realeza e Igreja se aproximam ainda mais quando Carlos derrota definitivamente os lombardos em 774, tornando-se seu réu e entregando parte das terras conquistadas ao papado, garantindo a formação do Estado Papal.” (CEDERJ, p.100). Ou seja, Carlos Magno além de garantir o domínio da Igreja sobre os territórios já doados por Pepino, ainda se lançou contra a oposição que vinha do leste, os saxões, avaros, eslovenos e croatas, permitindo uma grande expansão do Reino Carolíngio. Além disso, enfrentou novamente os muçulmanos, batalha que não produziu muitos resultados. Embora tivessem dominando alguns territórios na Península Ibérica, como a Pampeluna e Barcelona, foram atacados por Bascos montanheses em seu regresso (Canção de Rolando).
As dominações de diversos povos somadas das conversões em massa afirmavam a perpetuação do pacto Franco-Papal. Era uma aliança política que era mantida entre Francos e Santa Sé e ambos se fortaleciam. Assim, Carlos Magno, ao forçar vários povos a se converterem ao cristianismo, estava cumprindo seu papel como defensor da Cristandade. Conforme Jacques Le Goff:

“No leste, Carlos Magno deu início a uma tradição de conquista em que massacre e conversão misturavam-se – a cristianização pela força que a Idade Média iria praticar por muito tempo.” (2005, p.44).

O grande território fez com que Carlos Magno criasse um sistema no qual buscava manter sua autoridade em toda extensão de terras e povos conquistados. Primeiramente, ela cria um conjunto de leis escritas, conhecidas como Leis Capitulares, ultrapassando a tradição meramente oral. Além disso, dividiu administrativamente o território em Condados, Marcas e Ducados. Uma rede de funcionários regionais era responsável pela administração local (VASSI DOMINICI – Condes, Marqueses, Duques). Deveriam fazer com que fosse cumprida a leis carolíngia em todo o império. Instituiu também os MISSI DOMINICI, duplas de oficias (um agente laico e um clérigo) que fiscalizam a ação dos VASSI. Tudo isso fez parte da rede administrativa formulada por Carlos Magno. Para tentar manter a administração sólida, em 785, Carlos Magno reforça a prática de juramento de fidelidade de seus vassalos. Estes juravam governar porções do território em nome do soberano. E para intensificar ainda mais a relação de fidelidade, há o aspecto da sacralização do juramento. Quebrar o juramento seria o mesmo que trair a Deus. Mais tarde, instituiu que todo habitante masculino desde os 12 anos deveria jurar fidelidade ao Imperador. Contudo é importante ressaltar que tais juramentos vinham desde antes de Carlos Magno. Em 757, por exemplo, é possível identificar o juramento de Tassilo III da Baviera a Pepino, o Breve. Já é possível identificar a utilização de relíquias santas em tal juramento, sendo o documento dessa encomendação um dos mais antigos em que um nobre se encomenda como vassalo de um rei. Assim, Carlos Magno apenas retoma e reforça tal caráter. O que podemos identificar já no Império Carolíngio é a Feudo-Clericalização, que mais tarde adquirirá sua própria lógica para o fortalecimento dos senhores locais.
Os bem sucedidos feitos políticos de Carlos Magno levaram no Natal de 800, quando ele visitava Roma, à sua coroação pelo Papa Leão III, estando este último em apuros políticos, mas que recebeu proteção de Carlos Magno. Segundo Paulo André Leira Parente:

“as intenções da Santa Sé não devem, portanto, ser ignoradas. Em primeiro lugar, o Papa, ao ser aquele que coroou Carlos Magno, estabelecia publicamente que a dignidade imperial gozada pelo rei franco provinha diretamente da Igreja, pelas mãos de seu maior representante. O crescimento de poder e autoridade carolíngios, balizados por conceitos e tradição religiosa cristã, incorria em menor risco de suplantar os poderes espirituais sediados em Roma. Além disso, foi a oportunidade encontrada pelo Bispo de Roma para romper, perante o enfraquecimento dos herdeiros do Império Romano do Oriente – com a crise iconoclasta, as invasões muçulmanas a Constantinopla e a ausência de um basileus, já que quem ocupava o trono final do ano 800 era uma mulher –, os laços com Bizâncio. Com um novo imperador no Ocidente, a universalidade encarnada pelos basileus bizantino se dissipava, levando consigo a submissão papal à autoridade religiosa bizantina, sendo capaz de intensificar seus poderes perante a Cristandade Ocidental.” (CEDERJ, p.103).

O Papa via na instituição de um Imperador com autoridade sobre todos uma forma de conquistar soberania temporal no Ocidente e no Oriente. Além disso, precisava de alguém forte politicamente para acabar com seus inimigos políticos. Um Imperador com sua soberania poderia fazer isso. A coroação de Carlos Magno é a salvação do Papado. Segundo Jacques Le Goff:

“Chefe de um Estado temporal, o Patrimônio de São Pedro, ele desejava ver esta soberania temporal corroborada por um rei superior a todos os demais – tanto em título quanto de fato. [...] o papa Leão III viu uma tripla vantagem em dar a coroa imperial a Carlos Magno. Aprisionado e perseguido por seus inimigos em Roma, ele precisava ver sua autoridade de fato e de direito por qualquer um que pudesse impor autoridade a todos, sem contestação: um Imperador.” (2004, p.45).

A Igreja se une ao Império dentro daquilo que ficou conhecido como Agostinianismo Político. Há, entretanto, uma espécie de Cesaropapismo, pois Carlos Magno (mesmo havendo predomínio da doutrina gelasiana no Ocidente), visou submeter a Igreja ao seu comando. É um momento em que as concepções sacerdotais do cargo imperial (herança do período baixo imperial romano) persistem fortemente no ocidente, o que, inclusive, permitiria a intervenção de Carlos Magno nos assuntos clericais. “A aliança entre a Igreja e a realeza carolíngia dá origem à nova ideologia, que faz do soberano o chefe designado por Deus para conduzir até a salvação o novo povo eleito.” (RIBEIRO, 1996, p.95 in CEDERJ, p.108). Afirmando a tentativa de superioridade política do Império sobre a esfera eclesiástica, Parente diz:

“Contudo, ainda que o elemento de poder político sacralizado estivesse na consciência de Carlos Magno, que reconhecia a primazia espiritual do Papa, era a ele que cabia na posição de imperador, governar o rebanho formado pela Cristandade. [...] O imperador buscava encarnar o dever como dirigente do mundo cristão, tomando para si a responsabilidade a ponto de fazer sombra à própria autoridade papal, interferindo inadvertidamente na organização da Igreja e na nomeação de bispos e outros cargos de importância em sua hierarquia.” (CEDERJ, p.109)

De todo modo, foi estabelecida uma forte relação entre Igreja e Carolíngios. Carlos Magno, ao defender a Igreja, ganhava uma espécie de legalidade – este passava a ser legitimado – em seu governo pela esfera divina, que era detida pela Igreja. Por isso, era uma forma de legitimar seu governo frente aos seus súditos. Há de se lembrar que a teoria gelasiana se afirma na constituição dos reinos bárbaros e a Igreja formula um aparelho estatal favorável aos seus interesses, já que ela assume praticamente todo o protagonismo da política que antes era praticada por Roma (mesmo sendo subordinada de certa forma por Carlos Magno). Há a divulgação de que o poder imperial vem de Deus, mas antes de chegar ao monarca, passa pela esfera pontifícia. Sendo assim, a Igreja tem uma interação cada vez maior com os reinos germânicos que se formam na Europa, instituindo a unção régia (derramamento de óleo - prática do antigo testamento), por exemplo, como forma de afirmar a divinização do poder do Imperador e a cessão do mesmo pela Igreja. Com Carlos Magno não é diferente. Ele busca o apoio da Igreja, que legitima seu poder, e ele a protege. Entretanto, a despeito dos esforços da Igreja em se sobrepor à esfera temporal, representada pelo poder imperial de Carlos Magno, neste momento, Carlos Magno visou submeter a Igreja às suas ações políticas.

- Restauração Carolíngia:

Podemos dizer que Renovação ou Restauração Imperial Carolíngia representou o restabelecimento do Império no Ocidente Medieval através da interpenetração de elementos cristãos e a política franca. A concepção de Império, ainda que em um período curto, é retomada, justamente a partir da aliança entre Igreja Católica e Realeza Carolíngia. Aquela foi a primeira vez depois da queda do Império Romano do Ocidente que se programava um poder político de unidade. O título imperial representava, segundo Favier, “uma legitimidade ampliada às dimensões de um poder real largamente superior ao que pode estar compreendido no duplo título de rei dos Francos e dos Lombardos” (FAVIER, 2004, p.497 in CEDERJ, p. 106). O maior protagonismo político pontificial do que propriamente Carolíngio em torno da coroação permitiu a aplicabilidade da essência política imperial romana da antiguidade -- ainda que o Império Carolíngio fosse bem diferente do Romano. Leão III ao coroá-lo disse: “A Carlos Magno Augusto, poderoso e pacífico imperador dos Romanos, coroado por Deus, vida longa e vitória” (1990, MELLO, p.28). Ou seja, ele recebia seu título daquela que se considerava herdeira do Império Romano (a igreja se insere nas vias romanas desde a liberação e oficialização do Cristianismo, sendo a única instituição romana a se manter de pé), com a permissão de Deus. Segundo Parente:

“O germe da idéia do poder associado à moral cristã surgira ainda no declínio do Império Romano Antigo, quando muitos acreditaram que seu desaparecimento prenunciava um renascimento sob novo formato, em uma clara correspondência à ressurreição de Cristo, Os fundamentos teóricos de um Império Romano-Cristão, portanto, firmavam-se na idéia de um Império Espiritual.” [...] A concepção cristã do mundo ganha contornos mais fortes com a coroação de Carlos Magno no Natal de 800, reforçando o investimento de um pequeno grau de sacralidade à autoridade civil [...] A unção régia recebida por Carlos Magno, somada à constante referência ao imperador Constantino [...]transformava o panorama político medieval.” (CEDERJ, p.108).

Então, as inovações da restauração são várias: primeira vez que um imperador é coroado pelo PAPA, Carlos Magno passa a ser o braço armado do Império (uma ameaça contra o papado era uma ameaça contra o Império), conversão em massa pelo uso da força de vários povos que não aceitavam o cristianismo (Saxões, Lombardos, Frisões, Ávaros, entre outros), oposição de focos de poder (com Carolíngios se rivalizando com os Muçulmanos na Península Ibérica) e os Bizantinos no Oriente, centralização do poder através de uma administração de condados e marcas que deveriam fazer valer a autoridade carolíngia em todo o Império, sacralização e ritualização dos acordos de vassalidade.
A Restauração representou, juntamente com a concepção de resgate imperial, a idéia de uma unidade de todos os cristãos sob um único poder de salvação: A Igreja e o Estado em um só corpo universal. É aquilo que, segundo abordagem de Alderi de Souza Mattos, foi chamado eventualmente de Corpus Christianum.

- Renascimento Carolíngio:


O estabelecimento de um aparelho administrativo criado por Carlos Magno foi acompanhado por uma reforma de cunho cultural na qual o próprio imperador fomentou de maneira significativa tal empreendimento. Tal reforma cultural ficou conhecida como Renascimento Carolíngio, e pode também ser identificado como uma repercussão de como Carlos Magno geria seu poder.
Tendo o Palácio Imperial como centro de convergência mestres letradas, como Alcuíno, Teodulfo e Paulo Diácono, o Imperador promovia mobilização intelectual, que possuía diversas características em torno de manifestações intelectuais, literárias e culturais. A própria corte, mola que impulsionou o movimento, realizava, na presença do imperador, diversos debates intelectuais a respeito de cultura e religião.
Escolas foram fundadas para que se aprendesse a ler e a escrever (voltadas primordialmente para o clero, mas também havia instrução para laicos), houve estímulos à educação, além da conservação das obras da antiguidade greco-romana. Não se limitando a isso, segundo Parente:

“estabelecia-se uma “arte oficial”, composta por mosaicos e mármores localizados nos palácios imperiais e episcopais, miniaturas (nas quais se emprestavam temais ornamentais da Roma Antiga) e a escola palatina de Carlos Magno e outras (em Reims e Tours).” (CEDERJ, p.115).

A arte deste renascimento era voltada para o clássico brilho do Império Romano, até mesmo pela tentativa de resgate da concepção de Império que não se tinha desde a queda de Roma em 476. A preocupação intelectual era de formar bons administradores e bispos, de maneira que o foco era o investimento na instrução, a partir do fornecimento textos para que se dedicassem a estudá-los. José Roberto de Mello diz:

“A preocupação essencial residia no cumprimento de sua missão de governante: a correta preparação do povo de Deus, confiado à sua guarda, para a salvação eterna. Para tanto era mister fosse o clero bem instruído, afinal este era pastor efetivo do rebanho cristão. E, naturalmente, um clero instruído muito contribuía também para melhorar os serviços, não pequenos, prestados por ele ao governo nos campos da política e da administração.” (1990, p.44).

O currículo das escolas era formado por latim, que devido à germanização das línguas, as pessoas tinham dificuldades de aprender, seguido pelo trivium, que incluía a gramática, a retórica e dialética. Primeiramente se dava importância ao aprendizado da língua escrita e falada. O seguinte passo era quadrivium, que incluía aritmética, música, geometria e astronomia. O conjunto formava as sete artes liberais. O texto mais utilizado era a bíblia, em especial o livro de salmos.
É importante destacar a intensificação de scriptoriuns monásticos, já que o livro era um artigo raro. Assim, os monges copistas reproduziam diversas obras, a fim de atender à demanda. Segundo Nelson e Claudino Pilleti, em seu livro “História da Educação (2006, p, 56), “um dos trabalhos mais significativos dos monges no campo educacional foi, sem dúvida, a cópia dos manuscritos. Sem esse trabalho a maior parte das obras do passado não teria chegado até nós.”
Por isso, difunde-se uma nova forma de escrita mais clara de ser lida, que é denominada “minúscula carolíngia”, como resultado de uma evolução da escrita romana, mas com um diferencial, pois a escrita com letras minúsculas e separada facilitou a preservação de vários textos deixados desde a antiguidade clássica. Isto foi evidente na segunda metade do século VIII. Segundo Mello, é importante ressaltar também avanços na decoração dos livros, bíblias e evangeliários que eram ornamentados com várias iluminuras detalhadas de cenas do imaginário religioso, como, por exemplo, a Jerusalém celeste. Houve avanços artísticos na arquitetura, que passou a empregar mais o uso da pedra. Além dessas, as pinturas e mosaicos evidenciaram o avanço cultural da época.
O renascimento se tornou mais intenso após a morte de Carlos Magno. Contudo, sofreu modificações, pois a corte deixou de ser o centro intelectual e os mosteiros ascenderam como novos centros de inteligência. Houve, assim, uma espécie de monopólio do saber pela igreja. Luís, seu filho, mesmo interessado em preservar a cultura, parece não ter sido hábil para manter a estrutura necessária para isso. Os escritores, sem o patrocínio, se deslocam para os mosteiros. Tais locais ofereciam grande suporte aos estudos, devido às suas bibliotecas que armazenaram as obras.

- Sucessores de Carlos Magno e Fragmentação do Império:


Após a morte de Carlos Magno, o Império foi perdendo progressivamente sua “unidade”. Pouco a pouco foi sendo revelada sua fraqueza estrutural por não haver descendentes que tivessem destreza política suficiente para administrar de maneira eficaz todo aquele território. José Roberto de Mello diz que “com seus descendentes, o edifício laboriosamente construído começou a apresentar já por volta de 829 as primeiras rachaduras, que iriam provocar-lhe o desmoronamento no final do século IX.” (1990, p,50).
E mesmo que a inutilidade política dos herdeiros carolíngios tenha sido um fator importante, não podemos responsabilizá-los unicamente. Há uma série de fatores que contribuíram para o enfraquecimento imperial e o conseqüente desmembramento do Império. Há de se ressaltar que a própria lógica de administração Imperial levou a uma unidade ilusória, que funcionou somente enquanto Carlos Magno estava vivo. Hilário Franco Jr. diz:

“...a Europa católica entrou em outra fase, a Alta Idade Média (meados do século VIII – fins do X).Foi então que se atingiu, ilusoriamente, uma nova unidade política com Carlos Magno, mas sem interromper as fortes e profundas tendências centrífugas que levariam posteriormente à fragmentação feudal.” (2006, p. 15 e 16).

Há de se levar em conta a própria questão sucessória, na qual prevalecia o antigo costume da divisão entre os filhos, como se o império fosse um patrimônio da família carolíngia. Parente ressalta que “a noção de poder público inexistia para os povos germânicos, inclusive para o franco” (CEDERJ, p.107). Prevalecia a noção de direito privado, sendo o império encarado como um bem particular, por mais que ainda pairasse sobre a ótica política carolíngia a concepção unitária imperial. Contudo, se intensificava cada vez mais a falta de unidade orgânica do império, agravada pela tentativa de combinações políticas de tradições universalistas, como o cristianismo e a noção de império, com o partidarismo ou particularidades germânicas.
Outro fator foi a difusão da vassalagem. Inicialmente serviu para unir todos a Carlos Magno, mas, com o passar do tempo, a relação vassálica serviu para fortalecer politicamente os senhores. Há a formação de um círculo vicioso, pois tal relação consistia na entrega de terras e outros benefícios para que, assim, pudesse ser válida, através da atuação de condes e marqueses, a autoridade imperial de Carlos Magno. Só que numa economia agrária, ceder terras implicava conquistar novos territórios. E isso dependia do serviço dos condes, marqueses e duques. Ao se intensificar tais relações entre soberano e funcionários para manter os laços já estabelecidos, uma vez que estavam em serviço do imperador, o poder monárquico se enfraquecia. Além disso, os funcionários deveriam formar seu próprio exército, administrar e levantar os impostos estabelecidos pelo império. Assim, eles também recorriam a mesma prática do Imperador: distribuíam benefícios a outros homens.
É importante considerar também o próprio caráter político de Luis, o Piedoso, que teve uma herança tranqüila devido à morte de seus irmãos. A junção de poder temporal e espiritual na figura do imperador fazia dele um chefe militar e ao mesmo tempo um chefe espiritual. Carlos Magno voltou mais para as pilhagens. Já Luís tendeu mais para o aspecto religioso, praticando missões cristãs para manter o império. Sem as pilhagens, não tinha como remunerar os vassalos, necessitando recorrer às terras e benefícios próprios, esgotando sua base de poder político e riqueza. José Roberto de Mello diz que:

“Com Carlos Magno cessara a expansão territorial, é verdade; o trabalho de seu filho nesse campo foi mais o da preservação do território conquistado, prevenindo revoltas a incursões de vizinhos incômodos nas fronteiras, principalmente nos mal definidos contornos dos territórios eslavos e dinamarqueses, que Calos desistira de anexar, mantendo apenas certa suserania...” (1990, p.52).

Em seu programa de governo, Luis transmite a herança do Império aos seus filhos, Lotário, Pepino e Luís. Buscando manter a unidade imperial, deixa o império ao mais velho, Lotário, o reino da Aquitânia a Pepino e Baviera a Luis. Lotário teria suserania sobre seus irmãos mais novos. No entanto, não foi suficiente. Os vários confrontos pelo poder impediram de Luis manter unidade no Império. Após sua morte, o território foi dividido. A partilha foi oficializada pelo tratado de Verdun em 843, entretanto, com algumas mudanças, pois Pepino veio a falecer (por volta de 838) e seu filho, Pepino II, não tinha idade para assumir o trono, o que fez com  que Carlos, o Calvo assumisse seu lugar.
Além dos problemas políticos internos, temos diversas invasões a partir do século IX, que também contribuíram consideravelmente para a fragmentação territorial. Georges Duby diz que “não era, absolutamente, como ao fim do Império Romano, migrações de povos nômades que queriam integrar-se a essa espécie de cooperativa de felicidade que era o Império. No século X, no século XI, tratava-se de saqueadores selvagens.” (1998, p.52). Ao norte, temos os vikings vindos da Escandinávia. Pelo mediterrâneo, os muçulmanos investem. E pelo leste, a chegada de Magiares ou Cavaleiros Húngaros.
A disputa política entre os próprios reinos formados após Verdun agravou a situação, pois a necessidade de apoio político levou os reis a conceder cada vez mais benefícios aos grandes. Estes se fortaleciam cada vez mais frente ao rei. Com o enfraquecimento do poder central, a prática de juramento passou a beneficiar os detentores de poderes locais (condes, duques, marqueses). Segundo Mello, “na medida em que, por fraqueza, inércia ou tática política, eles foram deixados nas funções vitaliciamente e transmitindo-as hereditariamente, muitas vezes à revelia do soberano...”(1990, p.51). A fidelidade ganhou uma lógica diferente. Se antes ela era para o monarca, passou a ser voltada para os senhores regionais, em próprio benefício. As terras e serviços públicos passaram a ser utilizados como patrimônio pessoal. As invasões também contribuíram para o fortalecimento político dos senhores, uma vez que na inutilidade dos reis em combater os invasores, muitas vezes eram os próprios representantes locais que se colocavam a frente do campo de batalha para defesa de território, incorporando “funções públicas” ao seus patrimônios. As disputas imperiais e locais agravadas pelas invasões desintegraram o Império e configurou-se uma nova organização social que se estenderá do século X ao XIII: o Feudalismo.

Referências Bibliográficas:

BASCHET, Jerome. A Civilização Feudal – Do ano mil à colonização da América. Editora Globo, 2006.

BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. EDIÇÕES 70: Lisboa.

DUBY, Georges. Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos. Unesp: São Paulo, 1998.

FRANCO JR, Hilário. A Idade Média Nascimento do Ocidente. Edição 2ª. Brasiliense: São Paulo, 2006

FRANCO JR, Hilário e RUY O, Andrade. O Império Bizantino. Brasiliense: São Paulo, 1986

HEERS, Jacques. História Medieval. Bertrand Brasil: São Paulo, 1974.

LE GOFF, Jacques. Civilização do Ocidente Medieval. EDUSC: São Paulo, 2004

MATOS, Alderi de Souza. A Igreja e Estado: Uma Visão Panorâmica. In: http://www.mackenzie.br/7113.html, consultado em 24/05/2011, às 14:45h.

MELLO, José Roberto. O Império de Carlos Magno. Editora Ática: São Paulo, 1990.

MCEVEDY, Colin. Atlas de História Medieval. Companhia das Letras: São Paulo, 2007

PARENTE, P. A. L. O Império Carolíngio: relações entre poderes espirituais e temporais, séculos VIII - X. CEDERJ (material didático à distância), 2010.

PILETTI, Claudino e PILETTI, Nelson. História da Educação. 7ª Ed. Editora Ática: São Paulo, 2006.

Site da Imagem de Carlos Magno: 

http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Magno#mediaviewer/File:Charlemagne-by-Durer.jpg

terça-feira, 7 de junho de 2011


Por Vanir Junior



A partir do início da formação da hierarquia eclesiástica por Nicéia (325) e a oficialização do Cristianismo pelo Édito de Tessalônica (380), já em fins de Império Romano Ocidental, a Igreja se torna uma difusora ideológica, tendo influência marcante em toda a Idade Média.
Ela, a partir do século VI a.C, além da urbe, passa também a difundir o cristianismo nas áreas rurais – pela ação de monges beneditinos –, até então, espaços praticantes do paganismo. A Igreja tornava-se, assim, o arcabouço de toda aquela nova sociedade que se formava. Influenciando de reis a servos, divulgava os ideais bíblicos e a submissão a um Deus que tudo vê, que imprimia na sociedade Sua onipresença, onipotência e presciência. Deus estava em tudo e via a todos, por isso, o homem medieval deveria temer sua presença, pois em um simples ato, poderia estar pecando e assim perderia sua salvação.
Há uma crença quase inabalável em um Deus criador. Nas palavras de Jacques Le Goff, “os homens e as mulheres da Idade Média crêem no Deus do Gênesis. O mundo e a humanidade existem porque Deus quis assim, através de um ato generoso” (2003, p.p 125). A Igreja é o organismo principal de divulgação desta mentalidade, sendo a mesma difundida fortemente na população medieval.
Assim, já que Deus abarcava tudo, havia a crença na manifestação do divino em todas as coisas. Segundo Hilário Franco Jr, “o referencial de todas as coisas era o sagrado” (2001 p.p 139), valendo destacar o termo consagrado por Mircea Eliade como Hierofania, ou “manifestação do sagrado” (FRANCO Jr, Hilário 2001 p.p 139). A forma de expressão das crenças sagradas ficava evidente nas diversas peregrinações a lugares santos, como, por exemplo, Santiago de Compostela ou Jerusalém e nas Cruzadas, a partir do século XI. O simbolismo era algo natural. O símbolo servia para religar as pessoas ao mundo divino. Por isso, havia uma crença muito grande nas relíquias santas (pregos da cruz de Cristo, pedaços de sua roupa, entre outros).
Era muito comum, por exemplo, as pessoas nessa época acreditarem cegamente que fenômenos naturais como a passagem de um cometa fosse um sinal de Deus anunciando que algo ruim iria acontecer. Segundo Georges Duby “tudo que parecia um desregramento na natureza era considerado um sinal anunciando os tormentos que deviam preceder o fim do mundo” (1998, p.p 17). Não se limitando a isso, as irregularidades nas colheitas, ocasionadas por chuvas muito fortes ou por secas, também eram encaradas com flagelos divinos. Isso era resultado da divulgação das doutrinas da Igreja àquelas pessoas, que em situação de dependência da natureza – sociedades agrárias – desenvolviam estruturas mentais baseadas na crença de forças invisíveis, capazes de interferir no mundo concreto.
Fomes, epidemias e misérias eram encaradas como punições por pecados cometidos pela população, tornando-se necessário identificar os culpados. No caso do grande surto de peste na baixa idade média, judeus e leprosos foram os “pecadores” responsabilizados e acusados de envenenarem os poços. Sofreram com diversas perseguições. Duby afirma que “houve um desencadeamento de violência contra os que apareciam como os instrumentos de um Deus vingativo, que fustigava suas criaturas lançando sobre elas a doença” (1998 p.p 89).
E é claro que se seguem as escrituras como um padrão incontestável, acreditavam e temiam o Apocalipse. Os evangelhos pregam a volta de Cristo. Aguardavam este dia, mas não sabiam exatamente quando seria – o temor do ano 1000 foi criado pelo romantismo e as pessoas naquela época mal sabiam exatamente em qual ano estavam, somente um reduzido número de pessoas do clero sabia que se aproximava o ano 1000, mas a grande maioria da população não; apenas a partir do século X o calendário romano passa a ter um maior difusão. Baseavam-se no que diz o livro de Apocalipse, onde diz que ao término de 1000 anos (não sabiam quando seria o ano 1000, mas acreditavam no fim de mundo, característica do pensamento escatológico muito forte na época) satanás seria solto causando as mais diversificadas destruições, mas que seria derrotado por Jesus e em seguida viria um período de paz, antes do Juízo Final.
A Igreja tinha tamanha influência sobre as pessoas, que também delineará as posições sociais como algo divino. E todos assim acreditavam estar seguindo uma determinação de Deus ao ocupar uma posição social dentro do modelo de tripartição (clero, nobreza, servos). Segundo Adalberon de Laon, um bispo que viveu no século XI, o domínio da fé era uno, mas havia um estatuto triplicado da ordem, que era baseado na imposição de condições sociais, sendo elas os clérigos – estes estavam mais próximos de Deus do que todos os outros, os nobres – guerreiros que deviam proteger a Igreja e, por fim, os servos – deveriam, pelo suor de seus rostos, trabalhar na terra e fornecer alimentos a todos. As justificativas dessa sociedade tripartida eram baseadas na hierarquia divina Havia uma determinação dos céus à posição de cada classe. Assim como no céu não havia igualdade entre Deus e os diversos anjos, na terra era igual.
Logo, não se pode falar no período medieval sem mencionar o grande papel que teve a religiosidade difundida pela Igreja, que se utilizando da doutrina cristã, atuou como a reguladora social e possibilitou com sua influência a construção das mentalidades da população, impondo-se de forma progressiva como poderoso órgão político e religioso.

Referências Bibliográficas:

DUBY, Georges. Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos. Unesp: São Paulo, 1998

FRANCO JR, Hilário. A Idade Média Nascimento do Ocidente. Edição 2ª. Brasiliense: São Paulo, 2006

LE GOFF, Jacques. Em Busca da Idade Média. Edição 3ª. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2003
Imagem retirada de: http://www.brasilescola.com/historiag/a-religiosidade-medieval.htm

segunda-feira, 6 de junho de 2011


Por Vanir Junior





Após o esfacelamento do Império Romano, a Igreja foi a única instituição romana a se manter de pé. Com o estabelecimento de bárbaros dentro do território ocidental da Europa, logo se constituíram monarquias germânicas, como o Reino Visigodo de Toledo e o Reino Franco, que mais tarde se tornou o Império Carolíngio. É importante ressaltar que, segundo Maria Sonsoles Guerras, os germânicos careciam de uma idéia de Estado. E quem irá transferir tal ideal aos bárbaros será justamente a Igreja Católica, que em meio à crise romana, irá protagonizar grande parte do poder político da época. Vale destacar a atuação do Papa Leão I, que enfrentará Hunos e Vândalos para defender Roma, enquanto o próprio imperador do Ocidente não residia mais em Roma, preferindo Ravena ou Milão.
Além disso, ganhou força a teoria política dos Dois Poderes do Papa Gelásio, que afirmava que o poder pontifício era maior que o imperial, uma vez que o segundo vinha de Deus, mas antes, passava pela esfera pontifícia. A partir daí, a Igreja passou a difundir tal ideologia, divulgando entre os monarcas germânicos que se receberam todo o poder terreno, é porque deveriam utilizá-lo a serviço do plano celeste. Ou seja, segundo Sonsoles Guerras, deveriam “exercer a justiça cristã, fazendo respeitar a ordem exigida pela outra autoridade, a do papado” (1992, p.p 41). É importante ressaltar nesse período a figura de Gregório, O Magno, que atuou na conversão dos visigodos e anglo-saxões, dentro de um contexto político em que a Igreja ganhava cada vez mais poderes, e tratava assim de moldar um aparelho estatal favorável à sua política.
A Igreja não pretendia restringir o Estado, mas também reivindicava a não submissão ao mesmo. Segundo Alderi Souza de Mattos, Professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie, “o Estado era universalmente considerado uma instituição cristã, tendo a obrigação de sustentar, proteger e difundir a fé”. A Igreja promovia uma interação cada vez maior com os reinos, que passaram a ajudá-la de diversas formas, como no caso dos Francos da Dinastia Carolíngia. Tanto Pepino, O Breve, quanto Carlos Magno lutaram contra diversos povos, entre eles, os Lombardos, Saxões e Avaros, defendendo a Igreja de possíveis ameaças, doando terras à mesma (como no caso do Patrimônio de São Pedro – Estados Pontifícios - doado por Pepino) e aumentando a Cristandade.
Embora houvesse um estreitamento nas relações da Igreja com o Estado e a intenção da primeira fosse consolidar um aparelho político no qual ela própria tivesse a primazia política (especialmente a partir da elaboração de teologias políticas que visavam cada vez mais um aprofundamento da cristianização do poder politico), num primeiro momento, o Estado procurou se impor à Igreja, controlando-a de certa forma, pois, já que prestou serviços à mesma, também se sentiu livre para controlá-la, conforme sua vontade. Os monarcas carolíngios se colocaram como protetores da Igreja e, segundo Hilário Franco Jr., efetuaram “uma reforma eclesiástica no seu reino, vinculando o episcopado ao poder real”. (2001, p.p 71). Mesmo que a política de controle estatal sobre a Igreja no ocidente não tenha sido tão forte como em Bizâncio, que manteve o Cesaropapismo – deixando a Igreja subordinada ao Estado em grau muito maior do que na parte ocidental da Europa e focando no Imperador também o poder espiritual – pode-se dizer que os monarcas carolíngios se sobrepuseram em seus reinados o poder da Igreja.
No entanto, após a morte de Carlos Magno, segundo Mattos, por não haver “herdeiros hábeis que dessem continuidade às suas políticas”, o episcopado buscou novamente aumentar seu poder político, dessa vez, buscando afirmação através do Agostianismo Político, que renovava as propostas agostiniana e gelasiana de superioridade do poder espiritual, perpetrado pela Igreja, sobre o poder temporal. É importante ressaltar que, de certo modo, o objetivo da Igreja era a não intervenção dos monarcas em seus assuntos. Exemplo disso é quando há a entrega do Patrimônio de São Pedro por Pepino, a Igreja forja um falso documento, chamado “Doação de Constantino”, que afirmava que o Imperador Constantino havia doado a posse dos territórios ocidentais para a Igreja. Dessa forma, Pepino apenas estaria devolvendo o que já era de direito da Igreja.
Por outro lado, os governantes reivindicavam o direito de manter a Igreja submissa ao poder temporal. Isso ficou evidente a partir da formação do Sacro Império Romano Germânico, no século X, quando o Império, na figura de Otão, passou a intervir na investidura dos clérigos, buscando, semelhantemente a Carlos Magno, submeter a Igreja ao poder temporal. O conflito de poderes políticos se agravava, sendo uma das características marcantes do período medieval.
A Igreja, desde o lançamento da política agostiniana, enfrentava o agravamento do problema de seu enfeudamento, pois, embora a mesma não desejasse enfraquecer a monarquia – apenas desejava subordiná-la, tendo o forte poder imperial ao seu favor –, a teoria política fortaleceu a nobreza, e, segundo Franco Jr., houve a “generalização do sistema de Igreja própria” (2001 p.p 73). Ou seja, um senhor feudal que tivesse uma igreja no feudo poderia se apropriar das arrecadações da mesma. A Igreja irá reagir, não só por este motivo, mas também devido à tendência corrupta que o Clero estava tomando, com a venda de cargos eclesiásticos, a simonia, que tomou maior grau desde a subida de Otão ao poder, com a investidura leiga. A simonia também agravou o problema do nicolaísmo, o concubinato de clérigos, uma vez que grande parte das pessoas que compravam cargos na Igreja não estava em busca do compromisso religioso, mas sim da segurança oferecida pela Igreja. Assim, viviam em desacordo com as regras clericais. Além disso, não era interessante para Igreja que os senhores feudais se apropriassem das doações feitas às Igrejas de seus feudos.
Contra esta série de acontecimentos, se levantará uma reforma eclesiástica, impulsionada por Cluny e liderada por Hildebrando, que em 1073 sobe ao poder papal como Gregório VII. Ele iniciará a Reforma Gregoriana, que visava combater o nicolaísmo, livrar a igreja de seu enfeudamento, além de afirmar novamente o poder papal sobre o temporal, visando acabar com a investidura leiga. Essa série de medidas entrará em choque com a política de Henrique IV, Imperador do Sacro Império, que não aceitará o seu veto nas escolhas dos clérigos. Isso desencadeará um conflito que ficou conhecido como “Querela das Investiduras”. O imperador irá depor o Papa e este irá excomungar o Imperador, que irá pedir perdão ao primeiro, indo à Canossa, norte da Itália, pois parte da nobreza não concordou com sua atitude e ele temia perder apoio político. O Papa retirará a excomunhão e Henrique investirá novamente contra o Papa. Grergório fugirá para a Sicília, onde morrerá.
A Querela das Investiduras somente se resolverá em 1122, com a Concordata de Worms. Contudo, a resolução dos problemas entre poder temporal e papal se dá de maneira parcial, pois novas disputas surgiram, como na Inglaterra, onde ocorreu o assassinato do Bispo Tomás Becket a mando de Henrique II, que pretendia a diminuição dos poderes e privilégios clericais, em 1170. Além disso, as disputas políticas no Sacro Império se agravaram a partir da formação de facções políticas, como a dos Guelfos, favoráveis à esfera papal, e dos Gibelinos, favoráveis ao Imperador. Os concílios de Latrão serão, em parte, desdobramentos das disputas entre Igreja e Estado. Mas houve, em grande parte dos casos, a proeminência da Igreja sobre os monarcas, situação na qual muitos, como, por exemplo, Frederico Barbaroxa e Frederico II dos Hohenstaufen, foram depostos e excomungados por tentarem dominar a Igreja. Dentre as figuras fortes da Igreja nessa época, vale destacar Inocêncio III, quando o papado atingiu o ápice, colocando-se acima de toda a sociedade, enfrentando diversos monarcas, como ocorreu na Inglaterra, por exemplo, com a imposição da Magna Carta contra João Sem Terra.
A Igreja adquiria grande influência social a partir do século XI. Jacques Le Goff afirma que “a Igreja encarnaria assim o verdadeiro poder, subempreitando a gestão temporal ao poder subordinado, menos eminente, dos leigos reduzidos ao papel de “braço secular””. (2003, p.p 74). Havia, assim, grande impulso à cristandade, que desembocará, mais especificamente a partir de Latrão IV (1215) – que teve Inocêncio III como um de seus elaboradores –, num movimento repressivo “que pretende guardar a pureza da reforma (condenação dos hereges, dos judeus, dos homossexuais, dos leprosos). Abre as portas da Inquisição.” (2003. LE GOFF, Jacques, p.p 75).
No período de Baixa Idade Média, os conflitos Realeza-Papa continuaram. Dessa vez, o problema envolveu Bonifácio VIII, que não aceitava as taxações sobre os bens da Igreja. Como resposta, Felipe IV, O Belo, em uma França em processo de centralização monárquica, protestou contra o Papa, além de prendê-lo e, alguns anos depois, transferir a sede da Igreja para Avignon, em 1309, na França (o Papa Clemente V é levado para a França). Em 1378 Gregório XI retorna a Roma, uma vez que a França enfrentava sérios problemas políticos referentes à Guerra dos Cem anos, além da distância impor sérios obstáculos ao controle dos territórios da Igreja em Roma. A partir desse momento, ocorre o que ficou conhecido como Cisma do Ocidente, pois, devido às divergências entre os clérigos, foi eleito um novo Papa para a França, enquanto Gregório XI permanecia em Roma. O problema do Cisma somente será resolvido no Concílio de Constança, em 1417, que estabeleceu o papado novamente em Roma. Mas afirmou o poder dos Concílios sobre o dos Papas.
Tais manobras políticas afetaram fortemente a imagem da Igreja, enfraquecendo seu poder frente ao poder temporal. Ocorria concomitantemente em vários territórios europeus o processo de formação das monarquias modernas, em que os reis, impulsionados em partes pela burguesia que ganhava força, buscavam reduzir o poder da Igreja e subordiná-la à autoridade real. Além disso, um novo desdobramento religioso estava por vir e também se oporia à Igreja Católica em 1517: a Reforma Protestante.


Referências Bibliográficas:


FRANCO JR, Hilário. A Idade Média Nascimento do Ocidente. Edição 2ª. Brasiliense: São Paulo, 2006


FRANCO JR, Hilário e RUY O, Andrade. O Império Bizantino. Brasiliense: São Paulo, 1986


GUERRAS, Maria Sonsoles. Textos Didáticos IFCS: Romanismo, Germanismo e Cristianismo no século V-VI – Programas de Estudos Medievais. IFCS-Publicações: Rio de Janeiro, 1992.


LE GOFF, Jacques. Em Busca da Idade Média. Edição 3ª. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2003


MATOS, Alderi de Souza. A Igreja e Estado: Uma Visão Panorâmica. In: http://www.mackenzie.br/7113.html, consultado em 28/03/2011, às 00:05.


MCEVEDY, Colin. Atlas de História Medieval. Companhia das Letras: São Paulo, 2007


Site da imagem da coroação de Carlos Magno: http://josmaelbardourblogspotcom.blogspot.com/2010/08/carlos-magno.html